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Sob Bolsonaro, Abin levantou 'ficha corrida' de agentes do Ibama, mostra PF

25.out.2021 - O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, durante cerimônia no Palácio do Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

Do UOL, em São Paulo

21/07/2024 04h00

Um pedido para "verificar a ficha corrida" de três servidores do Ibama, feito à chamada 'Abin paralela' em 2022, partiu do gabinete do ex-ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, que substituiu o atual deputado Ricardo Salles (PL-SP) durante o governo Bolsonaro.

O que aconteceu

Pelo menos três agentes do Ibama estiveram na mira da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) de 2020 a 2022. As suspeitas de uso ilegal da agência estão em um relatório da Polícia Federal revelado no último dia 11, na segunda fase da Operação Última Milha. O documento cita três tentativas do governo de obter dados pessoais de servidores do órgão ambiental.

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Um destes pedidos de informação foi feito pelo delegado Rodrigo Augusto de Carvalho Costa, da PF. Ele foi assessor do ex-ministro Joaquim Leite, de setembro de 2021 a maio de 2022, e se comunicava com Giancarlo Rodrigues, sargento do Exército apontado pela PF como membro da Abin paralela. Rodrigues foi um dos 5 presos pela operação Última Milha.

Em 28 de março de 2022, Costa pediu a Rodrigues para "verificar a ficha corrida" de três agentes do Ibama, porque eles estariam "dando trabalho à gestão". No relatório sobre a Abin paralela, a PF afirma que o "trabalho" dado pelos fiscais ao governo Bolsonaro "seria o cumprimento de seus deveres funcionais no combate aos crimes ambientais".

Segundo a PF, a espionagem começou durante a gestão de Salles. O relatório afirma que Hugo Loss, um dos agentes do Ibama citados pela investigação, foi monitorado pela Abin paralela em 27 de maio de 2020 por meio do sistema First Mile, uma ferramenta que fornece a localização do alvo a partir do celular da vítima.

Loss foi monitorado um mês após ter sido removido do cargo de coordenador de fiscalização do Ibama. Segundo noticiou o UOL à época, o agente e seu superior à época foram exonerados devido a uma operação contra o garimpo na terra indígena Apyterewa, no sul do Pará, no final de abril de 2020. Naquela ocasião, Bolsonaro cobrou explicações do então ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União-PR), devido à queima de equipamentos de garimpeiros pelo Ibama.

Os outros dois agentes monitorados, além de Loss, também sofreram represálias. Os servidores Roberto Cabral e Hugo Leonardo Mota Ferreira afirmam ao UOL que foram removidos de funções que ocupavam ou viraram alvos de processos disciplinares por terem participado de fiscalizações que, na visão deles, contrariaram interesses do governo à época.

Todos os três tomaram medidas que teriam incomodado o governo. Ferreira auxiliou a operação Akuanduba, que investigou exportação ilegal de madeira e levou à queda de Salles em 2021. Já Cabral apontou irregularidade em uma norma assinada pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim, que teria facilitado a caça de javalis.

Havia uma prática reiterada de denuncismo contra servidores ambientais. No meu caso, essas denúncias partiam especialmente de garimpeiros, devido a operações que resultavam em queima de maquinário e de aeronaves. Se tivessem encontrado algo contra mim nesses monitoramentos, teriam usado, mas acho que estavam mais interessados em nos intimidar. Eu vejo que essas ações de vigilância eram um braço do crime ambiental dentro do Estado
Hugo Ferreira Loss, atual Coordenador de Fiscalização da Flora do Ibama

Sofri retaliação devido à operação Akuanduba, na qual eu colaborava com as investigações. Abriram um processo disciplinar contra mim por motivo fútil, alegando que havia sido desleal com a instituição ao dar entrevistas sobre a operação. Nessas entrevistas, eu expus alguns dados da gestão do Ibama, que eram públicos, mas revelavam o mau desempenho do governo na área ambiental
Hugo Leonardo Mota Ferreira, do Cenpsa (Centro Nacional do Processo Sancionador Ambiental) do Ibama

Eu vejo que houve um conjunto de medidas tomadas por nós que levaram a essas represálias. Durante o governo Bolsonaro, alguns agentes reagiram a ordens que consideraram ilegais e não aceitaram cumpri-las. Basicamente, a gente estava sendo punido por trabalhar
Roberto Cabral Borges, atual chefe do Núcleo de Fiscalização da Fauna do Ibama

Delegado nega espionagem

Procurado pelo UOL, o delegado Rodrigo Costa nega que tenha espionado os agentes do Ibama. Ele afirma que o pedido para "verificar a ficha corrida" deles, feito à Abin, foi para levantar informações sobre os servidores que já seriam de acesso público, como antecedentes criminais, e que não encomendou qualquer monitoramento irregular contra eles.

Segundo Costa, o governo apurava "ataques institucionais" por parte dos servidores ambientais. Ao UOL, o delegado afirmou que o ministério desconfiava que eles tinham relação com o perfil anônimo "Fiscal do Ibama" no Twitter, atual X, que fazia críticas à política ambiental de Bolsonaro. De acordo com Costa, a apuração se justificava porque a página vinha fazendo "ataques à honra" de membros do governo usando o nome da instituição.

Além de assessor de Leite, Costa era membro de um grupo coordenado pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional). O órgão, ao qual a Abin estava subordinada no governo Bolsonaro, lidera o Comitê Gestor da Segurança da Informação, um colegiado que reúne representantes de todas as pastas, da AGU (Advocacia-geral da União) e da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). Costa era o titular da pasta do Meio Ambiente nesse comitê.

Costa não foi alvo da operação no último dia 11. Ao todo, seis policiais federais foram alvos de medidas determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) — um deles foi preso e outros cinco foram proibidos de se comunicar com os demais investigados. Mas o ex-assessor de Leite não está entre os alvos do inquérito.

O UOL também procurou Joaquim Leite, mas não teve retorno às tentativas de contato. Se houver resposta do ex-ministro, a reportagem será atualizada.

Todas as informações que nós pedíamos à Abin eram institucionais. Nesse caso específico, apuramos uma situação que poderia se enquadrar como ataque às autoridades, mas isso não avançou e nenhuma medida foi tomada contra os servidores. Mas jamais solicitamos nada que pudesse prejudicar as ações de combate a crimes ambientais ou constranger os servidores que participavam delas
Rodrigo Augusto de Carvalho Costa, delgado da PF e ex-assessor do Ministério do Meio Ambiente

'Atingiu agora o Presidente da República'

Um dos pedidos de informação foi feito à Abin paralela porque teria atingido Bolsonaro "diretamente". Segundo mensagens apreendidas pela PF, o assunto foi discutido em 30 de outubro de 2021 pelo policial federal Marcelo Bormevet e o sargento Giancarlo Rodrigues, que era seu subordinado na Abin. Ambos foram presos no último dia 11.

O relatório não mostra quem cobrou providências da Abin paralela nesse caso. No diálogo exposto pela PF, Bormevet encaminhou a Giancarlo mensagens de uma terceira pessoa, cujo nome não aparece no documento. Este interlocutor enviou a Bormevet uma publicação do perfil "Fiscal do Ibama" e em seguida afirmou: "Atingiu agora o Presidente da República diretamente".

O documento não mostra o conteúdo da publicação que teria atingido Bolsonaro. Uma das últimas postagens do perfil antes desse diálogo mostra que Bolsonaro foi a uma competição de criadores de pássaros em extinção com os ex-ministros Paulo Guedes e Anderson Torres, em Brasília. Não é possível saber, porém, se o interlocutor de Bormevet se referia a essa publicação.

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