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'64 não precisou assinar nada'? As diferenças entre o golpe e plano de 2022

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Adriano Machado/Reuters

Do UOL, em São Paulo

03/12/2024 05h30

O relatório de investigação divulgado pela Polícia Federal sobre a tentativa de golpe do estado revelou conversas que trazem dúvidas sobre as diferenças e semelhanças entre a tentativa fracassada do grupo criminoso ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o golpe de 1964, que culminou na ditadura militar.

Nas trocas de mensagens no grupo em que os golpistas combinavam o crime, eles comparavam suas ações às que foram tomadas pelos militares. "[Em] 64 não precisou de ninguém assinar nada", escreveu o tenente-coronel Mauro Cid. Ao que o tenente-coronel do exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros respondeu: "[No golpe de] 64 estavam na mesma embromação. Até que 1, apenas 1, surtou e botou a tropa na estrada".

Mas será que foi assim mesmo?

Diferenças entre as ações: 'Teve apoio do Congresso'

Antes, tratava-se de um governo a ser derrubado; agora, de um governo a ser mantido. Segundo Piero de Camargo Leirner, doutor em antropologia social pela USP e professor de antropologia na UFSCar, em 1964 havia um movimento conspirador disseminado e um núcleo de oficiais "leais" ao governo de João Goulart, que parecia estar completamente alheio à movimentação. "O golpe de 64 foi capilarizado em vários setores da sociedade e preparado por um longo período, com uma ação coordenada internacionalmente. Foi uma clássica ação de intervenção e derrubada de governo com substituição por um aparelho militar", diz. Já sobre o caso mais recente, Leirner explica que consistia em realizar a manutenção de um governo que já estava no poder.

Antes de 1964, houve outras tentativas. O historiador Lincoln Ferreira Secco, professor do Departamento de História da USP, conta que, antes de 1964, houve outras tentativas nos dez anos que precederam o ataque bem-sucedido. No caso dos bolsonaristas, ele não acredita que tenha sido tão premeditado.

Em 1964, o golpe teve apoio do Congresso Nacional. Já a ação de 2022 foi realizada somente por militares, alguns poucos empresários e a militância bolsonarista, comenta Secco. Além disso, "não teve nenhum documento validando o golpe [de 64]", aponta o historiador.

Mensagem enviada por Mauro Cid exibida no inquérito da PF Imagem: Reprodução

"Na época, a extrema direita militar não tinha alternativa eleitoral". Secco conta que, no cenário atual, ele aplica o bolsonarismo como um fenômeno eleitoral, garantindo o ex-presidente como opção.

Apesar de ter muito [militar] 'atrapalhado' nessa tentativa de golpe, de eles não terem um projeto para o país, não estarem bem preparados — o que é totalmente diferente de 1964—, hoje eles têm uma base de massa mesmo, de pessoas que têm mais envolvimento ativo na defesa de valores de extrema direita do que antes. Lincoln Ferreira Secco, historiador e professor do Departamento de História da USP

Mas há semelhanças

Intenso uso de operações psicológicas, com a produção de conteúdos baseados no pânico moral contra o comunismo, é a maior semelhança identificada por Leirner. Agora, as ações (como as fake news) são direcionadas para atacar a esquerda, que continua com o rótulo de "comunista", mas repaginada em organizações sem fins lucrativos, movimentos sociais, o PT e outras instituições.

"Chamaram a população às ruas tanto antes, logo depois das eleições, quanto depois, como vimos em volta dos quartéis". Secco apontou a mobilização social como semelhança entre o golpe da década de 1960 e a tentativa de golpe: "Em 1964, os militares promoveram grandes passeatas em São Paulo e no Rio de Janeiro em defesa do golpe, e logo depois do golpe também".

Para Secco, outro ponto em comum é que houve falta de organização de ambas ações. "Esse pessoal que tentou dar um golpe agora lembra muito o general Olímpio Mourão Filho, aquele que desencadeou a operação militar que acabou precipitando o golpe de 1964", comparou. Para ele, Olímpio era "trapalhão" e não teve nenhuma importância depois do golpe, assim como os militares que planejaram um novo em 2022.

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