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Curados do coronavírus na África lutam contra estigmatização

Paramentados com equipamentos de proteção, agentes funerários carregam caixão com corpo de vítima do novo coronavírus, na Cidade do Cabo (África do Sul) - Marco Longari/AFP
Paramentados com equipamentos de proteção, agentes funerários carregam caixão com corpo de vítima do novo coronavírus, na Cidade do Cabo (África do Sul) Imagem: Marco Longari/AFP

Kinshasa

19/06/2020 10h40

Influentes ou anônimos, os curados da covid-19 na África travam outra luta contra a negação da doença, a estigmatização dos doentes, a ignorância e a falta de meios.

Este é particularmente o caso em Kinshasa, onde os moradores desafiam as equipes de prevenção ao grito de "corona eza te!" — "Não há coroa", na língua lingala.

"Sou uma experiência viva: a doença existe. E pedirei às pessoas que ainda têm dúvidas que se cuidem bem, porque posso confirmar que sofri muito", diz o cartunista Thembo Kash.

"Acho que (o coronavírus) deve ser levado a sério, respeitar as medidas de barreira e seguir rigorosamente os conselhos das autoridades de saúde", diz o cartunista, que, em "tempos normais", dedica-se a estigmatizar as inconsistências dessas mesmas autoridades em imagens satíricas.

"Como muitos, eu era cética. Como muitos, pensei que essa doença ficaria na China. E, no entanto, fui vítima dessa doença mortal", diz em vídeo a ministra da Economia, Acacia Bandubola, curada, mas que perdeu dois parentes para a covid-19.

Os sobreviventes têm "o dever e a missão" de sensibilizar a população, considera ela, acrescentando: "Não vamos estigmatizar os doentes, vamos ter compaixão por aqueles que precisam de ajuda".

"Há estigmatização", confirma outro curado, o jornalista Dieunit Kanyinda.

"Meus filhos no bairro foram apelidados de covid. Passaram a ser chamados de corona. Esse é um comportamento que os leva a se esconderem", acrescenta.

"Tenho medo"

No Senegal, o humorista Samba Sine, conhecido como "Kutia", espera dedicar "cerca de 15 programas" à conscientização, quando voltar à televisão - o que deve acontecer em dois meses.

Diagnosticado no início de maio, ele teve, pela primeira vez em dez anos, de interromper seu programa satírico diário no canal privado TFM, no qual zomba de Donald Trump pintando o rosto de branco.

O humorista de 49 anos passou 20 dias em terapia intensiva, sob risco de morte: "Havia cinco pessoas, e todos os dias anunciavam a morte de alguém. No último dia, olhei para a direita e não havia mais ninguém. À esquerda, ninguém. Só eu. Eu estava com medo".

Protegido por sua fama, não foi discriminado ("as pessoas rezam pela minha boa recuperação"). Mas "as pessoas saíam correndo" de certos membros de sua equipe que também estavam contaminados.

"Você não deve fugir das pessoas, porque, mais cedo ou mais tarde, retornaremos à sociedade, e estaremos juntos", diz ele, denunciando o "racismo médico".

Na África do Sul, o país africano mais afetado pela doença (mais de 76 mil casos), experiências são compartilhadas.

"Quatro de nós tivemos a doença no trabalho", diz Christine, analista de 28 anos que faz parte dos primeiros 250 casos, com seu marido Dawie, de 30.

"Temos sessões semanais em casa por teleconferência no aplicativo Teams para conversar com nossos colegas sobre a doença e responder a perguntas", acrescentou a jovem, que, como seu parceiro, perdeu 30% de sua capacidade pulmonar.

Ambos lamentam não ter ido ao médico quando ficaram doentes. "Eles nos aconselharam a não ir ao hospital para não espalhar o vírus. Parece um conselho ruim", diz Dawie, advogado.

Megan, de 35 anos, originária da Cidade do Cabo, lançou uma conta nas mídias sociais em março que serve como um "Guia do Paciente da covid-19".

A jovem, que não quis dar seu sobrenome, relata sua experiência como ex-paciente e dá conselhos. Também lançou uma iniciativa para ajudar os mais pobres a impedirem a propagação do vírus.

"O projeto se chama 'mãos brilhantes' e tem como objetivo entregar 10 mil sabonetes para 20 mil pessoas por semana", descreve, pedindo por doações.