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'Quem tiver oxigênio, por favor, traga': o apelo da mulher ao ver desespero de pacientes em hospital de Manaus

Vinícius Lemos

Da BBC News Brasil em São Paulo

14/01/2021 21h35Atualizada em 14/01/2021 21h49

Na madrugada desta quinta-feira (14), a psicóloga Thalita Rocha comemorou a melhora no quadro de saúde da sogra, de 67 anos, que está internada em uma unidade pública de saúde de Manaus (AM) em decorrência da covid-19. Mas horas depois, Thalita se viu em meio a uma situação que define como semelhante ao "fim do mundo".

Por volta das 8h30, relata a psicóloga, o oxigênio usado no local para ajudar pessoas com dificuldades respiratórias acabou. O item é considerado essencial para o tratamento de pacientes que, como a sogra de Thalita, desenvolvem quadro grave em razão da covid-19, pois o novo coronavírus costuma afetar duramente os pulmões.

A falta de oxigênio hospitalar causou momentos assustadores, relata Thalita.

"Foi horrível. Não desejo essa situação para ninguém. Foi uma cena catastrófica. Muitos pacientes idosos começaram a passar mal e ficaram roxos", diz à BBC News Brasil.

Thalita conta que a sogra foi duramente afetada pela falta de oxigênio. Segundo a psicóloga, a saturação de oxigênio do sangue da idosa estava por volta de 99% durante a madrugada desta quinta. "Foi a primeira vez que ela chegou nesse número desde que contraiu o coronavírus", relata Thalita. De acordo com médicos, o ideal é que o número fique entre 95% e 100%.

Quando o nível está abaixo de 93%, apontam especialistas, já acende um sinal de alerta e os pacientes precisam de auxílio para respirar.

"Quando acabou o oxigênio medicinal, a saturação da minha sogra caiu para 35%. Essa queda aconteceu com praticamente todos os pacientes", relata a psicóloga. Diante da situação, ela conta que a única alternativa que lhe restou foi comprar um cilindro de oxigênio por conta própria para ajudar a sogra.

A escassez de oxigênio hospitalar tem sido registrada em diversas unidades públicas de Manaus. A situação preocupa profissionais de saúde do Amazonas, que têm lidado com hospitais cada vez mais lotados — nas últimas semanas, o Estado, que tem mais de 5,8 mil mortes pela covid-19, enfrentou duro aumento de casos da doença.

De acordo com o governo do Amazonas, o Estado precisaria atualmente de 76,5 mil metros cúbicos diários para abastecer os hospitais públicos e privados da região diante do crescimento de casos da covid-19. No entanto, as três fornecedoras da região têm capacidade de entrega diária somente de 28,2 mil metros cúbicos.

Para buscar os 48,3 mil metros cúbicos diários que faltam para atender os pacientes, o governo do Amazonas criou nesta semana, junto com o Ministério da Saúde, a "Operação Oxigênio", para pegar insumo em Fortaleza e São Paulo e levar a Manaus por meio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

O governador do Amazonas, Wilson Lima, afirmou recentemente que o Estado sofre com dificuldades logísticas para abastecer as unidades de saúde com oxigênio. Segundo ele, desde a semana passada há um "esforço muito grande para complementar a produção no Amazonas".

Nesta quinta, a Secretaria de Saúde do Amazonas determinou a requisição administrativa de "eventual estoque ou produção de oxigênio" de onze empresas, como montadoras e produtoras de Eletrodomésticos.

Na última terça-feira (12), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que a capital amazonense enfrenta a "crise do oxigênio".

'Todo mundo vai morrer'

A tragédia da falta de oxigênio em Manaus foi compartilhada por Thalita em seu perfil no Instagram. "Pessoal, peço misericórdia. É uma situação deplorável. Acabou oxigênio em toda a unidade de saúde. Há muita gente morrendo. Quem tiver disponibilidade de oxigênio, por favor traga", disse a psicóloga em uma série de vídeos publicados na manhã desta quinta.

A sogra de Thalita, Maria Auxiliadora da Cruz, está internada no Serviço de Pronto Atendimento e Policlínica Dr. José Lins, em Manaus, desde 8 de janeiro. A psicóloga conta que a idosa precisaria estar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não conseguiu vaga em razão da sobrecarga do sistema de saúde da cidade.

Desde que passou a acompanhar a sogra com a covid-19, Thalita presenciou as dificuldades enfrentadas na saúde pública diante do aumento de casos da doença. Porém, ela relata que não cogitava passar por situação desesperadora como a da manhã desta quinta.

"Os familiares dos pacientes ficaram desesperados. Fui atrás da diretora do hospital, que é uma senhora muito humilde e querida. Vi o desespero nos olhos dela. Ela falou: não tenho o que fazer, infelizmente. Eu respondi: então todo mundo vai morrer", emociona-se a psicóloga.

Thalita comenta que decidiu fazer as publicações no Instagram ao ver a sogra e os outros pacientes cada vez piores. Segundo ela, não havia previsão para a chegada de oxigênio hospitalar na unidade de saúde.

"Pedi ajuda (no Instagram) para ver se as pessoas traziam oxigênio ou se as empresas doavam. A unidade precisa só de 12 cilindros para ajudar os pacientes. Se conseguíssemos apenas essa quantidade, já ajudaríamos os pacientes por mais algumas horas", relata a psicóloga.

O infectologista Bernardino Albuquerque, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), conta ter ouvido inúmeros relatos de diversas unidades de saúde de Manaus que enfrentam a falta de oxigênio.

"Não ter oxigênio nessa atual situação é falta de planejamento de aquisição e entrega desses insumos. Se as empresas daqui não tinham condições de entregar uma certa capacidade de oxigênio, obviamente já deveriam ter buscado em outros lugares", critica.

"A atual situação é de calamidade pública, sem dúvidas. Estamos todos numa grande expectativa sobre o que realmente pode acontecer em Manaus. Isso não vai terminar daqui dois, três, quatro ou cinco dias. Serão semanas nessa situação crítica. Dizem que a vacinação pode melhorar, mas para isso leva tempo, porque vai depender da adesão da população e da eficácia da vacina", acrescenta.

A luta pelo oxigênio

Para ajudar a sogra, Thalita pagou R$ 3 mil em um cilindro de oxigênio. Para recarregar o equipamento (cada carga dura em média 12 horas), deverá pagar cerca de R$ 500 — especialistas estimam que os valores de muitos produtos relacionados ao oxigênio hospitalar em Manaus mais que dobraram no atual período, em razão do aumento da procura.

"Mesmo com o oxigênio hospitalar, a minha sogra ainda está muito mal. A saturação dela caiu muito e não voltou", lamenta Thalita.

Além de Maria Auxiliadora, o marido dela, Paulo Jorge Lima, de 66 anos, também está internado em decorrência da covid-19 — outros membros da família, como Thalita, também contraíram o novo coronavírus recentemente, mas apresentaram sintomas leves. O idoso está em outra unidade de saúde pública de Manaus. Os familiares também compraram um cilindro para auxiliá-lo.

Enquanto a família da psicóloga tem condições financeiras para comprar cilindros, outras vivem a terrível espera por parte do poder público.

Familiares de pacientes internados em Manaus, conta a psicóloga, começaram buscas desesperadas por oxigênio. "Dei um pouco de carga do oxigênio para uma senhora ao lado da minha sogra, mas não pude ajudar muito", diz Thalita. Segundo a psicóloga, outras famílias de pacientes da unidade de saúde também adquiriram cilindros de oxigênio.

"O problema é que há muitas famílias humildes. Me disseram que alguns vendedores estão cobrando até R$ 5 mil pelo cilindro, mas muitos familiares de pacientes são pessoas que dizem que não têm condições sequer para comprar água", relata a psicóloga. "Muita gente vai morrer por falta de oxigênio", acrescenta Thalita.

Até meados da tarde desta quinta-feira, o governo ainda não havia entregado cilindros para a unidade de saúde em que a sogra de Thalita está internada. Em seu perfil no Instagram, a psicóloga pedia doações de insumos para o local e até ajuda para tentar transferir pacientes em estado grave que lutavam para sobreviver diante da falta de oxigênio hospitalar.