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1 ano de covid no Brasil: o que não sabíamos e aprendemos

Sem ações de prevenção coletiva, como uso de máscaras, distanciamento social e higiene pessoal, somente a vacina não será capaz de interromper a transmissãoy, dizem especialistas - Getty Images
Sem ações de prevenção coletiva, como uso de máscaras, distanciamento social e higiene pessoal, somente a vacina não será capaz de interromper a transmissãoy, dizem especialistas Imagem: Getty Images

25/02/2021 17h52

Em 26 de fevereiro, quando o primeiro caso de covid-19 no Brasil foi detectado, em São Paulo, o Sars-CoV-2 e seus efeitos ainda eram em grande parte misteriosos para pacientes, estudiosos e médicos.

Passado um ano, o Brasil tem mais de 250 mil mortos e de 10 milhões de casos de covid-19, e vê seus trágicos números continuarem a crescer - apesar de estarem desacelerando em algumas outras partes do mundo.

Ao mesmo tempo, porém, médicos e cientistas coletaram uma enorme quantidade de evidências a respeito do novo coronavírus, como ele se transmite e como podemos enfrentá-lo com mais eficácia.

A seguir, veja alguns dos principais aprendizados de um ano de pandemia:

1) Cloroquina e hidroxicloroquina não são úteis no tratamento

Até agora, não há nenhum medicamento que cure a covid-19.

No início da pandemia, a cloroquina, medicamento tradicionalmente usado no combate à malária, e seu derivado, a hidroxicloroquina, eram vistas como uma esperança no tratamento da doença causada pelo novo coronavírus e chegaram a ser usadas, inclusive combinadas com outras drogas, como antibióticos.

Embora sua eficácia contra a covid-19 tenha sido apontada inicialmente por pesquisadores chineses e, em seguida, por um grupo de pesquisa francês, desde então muitos estudos assinalaram que esses medicamentos não trazem benefícios ou mesmo podem causar efeitos deletérios.

Didier Raoult, médico e microbiologista responsável pelo estudo realizado na França, chegou a admitir, em janeiro deste ano, que a substância não reduz a mortalidade nem a gravidade da doença. Duas semanas, voltou atrás e tornou a defender o medicamento e seus efeitos.

Em julho do ano passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu interromper os testes com a hidroxicloroquina depois de constatar que não houve redução de mortalidade dos pacientes com covid-19.

Ou seja, até agora não há eficácia comprovada no uso desses medicamentos para o tratamento da covid-19.

Defensor aberto da cloroquina desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro disse, durante live no início deste mês, que não se arrependerá de ter indicado o medicamento contra a covid-19 mesmo com a comprovação de sua ineficácia contra a doença.

Segundo o Bolsonaro, o uso pode ser comprovado eficaz futuramente ou pode ser considerado placebo, mas que "se não faz mal, por que não tomar?".

"Tudo bem, paciência", acrescentou ele, sobre essa possibilidade. "Me desculpa, tchau. Pelo menos eu não matei ninguém. Mas se lá na frente comprovarem [eficácia], você que criticou, parte da imprensa, vai ser responsabilizada".

Mas não é tão simples: ao mesmo tempo em qua cloroquina não traz benefícios, ela pode causar arritmia cardíaca e outros danos ao coração de pacientes.

2) Uso de máscara é essencial para conter coronavírus

O uso de máscara, por si só, não impede a propagação do coronavírus, mas ajuda bastante a contê-lo, segundo vários estudos realizados sobre o assunto.

Recentemente, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos disse que usar duas máscaras (uma de pano sobre outra cirúrgica) bem ajustadas pode reduzir a propagação do vírus em mais de 90%.

Segundo especialistas, a máscara traz ao menos dois benefícios: ela protege quem usa e, ao mesmo tempo, resguarda quem está por perto de um indivíduo infectado.

Em novembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro chegou a colocar em xeque a efetividade das máscaras.

Mas todas as entidades nacionais e internacionais recomendam seu uso como método de prevenção.

Desde junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de máscaras de tecido para todo mundo que precisa sair de casa. Em dezembro, a agência da ONU atualizou suas recomendação e pediu reforço no uso das máscaras, com especial atenção para as unidades de saúde.

O CDC americano fez a mesma indicação um pouco antes, a partir do mês de abril.

Recentemente, alguns países europeus desaconselharam ou até mesmo proibiram o uso de máscaras caseiras, de tecido, exigindo o uso de máscaras N95 e PFF2, que oferecem um nível de proteção maior.

"A máscara de pano foi útil, e ainda é útil, mas funciona para proteger os outros de você, diminuindo a emissão de partículas de quem está usando", disse o engenheiro biomédico Vitor Mori, membro do grupo Observatório Covid-19 BR, em entrevista recente à BBC News Brasil.

3) A covid-19 não só afeta e mata idosos

O risco de desenvolver sintomas graves da covid-19 aumenta com a idade, com adultos mais velhos sob maior risco.

A razão para isso é muito simples - e nada tem a ver com o coronavírus: quando ficamos mais velhos, nosso sistema imunológico, responsável pela defesa do nosso organismo, também envelhece.

Mas isso não quer dizer que os mais jovens estejam imunes à covid-19, mesmo aqueles sem comorbidades, como diabetes, hipertensão e obesidade.

Eles podem desenvolver os sintomas mais graves da doença, necessitando de hospitalização, e até vir a óbito.

Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, apenas neste ano, o maior número de internados por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) causada por covid-19 tinha entre 60 e 69 anos (21,9%) até a semana encerrada em 6/2. No entanto, no mesmo período, aqueles abaixo de 60 anos eram quase a metade dos internados (42%), entre os quais 323 recém-nascidos.

Dentre os óbitos por SRAG, a faixa etária com o maior número de óbitos notificados é a de 70 a 79 anos de idade (25,1%). Porém, aqueles abaixo de 60 anos foram mais de um quinto das mortes (23%), entre os quais 24 recém-nascidos.

No geral, cálculos cedidos à BBC News Brasil pelo economista Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), para um trabalho ainda em andamento, o risco de um morador do Brasil ter morrido de covid-19 em 2020 foi quase quatro vezes maior do que no resto do mundo, em média.

4) Coronavírus não é 'gripezinha'

Em sua quarte e mais recente fase, o Epicovid19-BR, o mais amplo estudo populacional sobre o novo coronavírus realizado no Brasil, estimou a letalidade da covid-19 no Brasil em 0,7%.

As estatísticas oficiais do Ministério da Saúde apontam para uma mortalidade mais alta, de cerca de 2,5%.

Em ambos os casos, a taxa é superior à das gripes sazonais (0,1%).

No Brasil, a covid-19 foi a causa-morte com mais vítimas no ano passado, superando outras doenças com alta letalidade, como AVC, infarto e pneumonia, segundo dados do Portal da Transparência dos cartórios.

No início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro minimizou a gravidade da covid-19 e chamou a doença de "gripezinha".

5) Coronavírus tem origem animal (e não foi produzido em laboratório)

Quando a covid-19 começou a se alastrar pelo mundo, sua origem apontava para o mercado de frutos do mar em Wuhan, na China.

No início deste mês, uma equipe da Organização Mundial da Saúde (OMS) responsável por investigar o surgimento do Sars-CoV-2 concluiu, após missão em Wuhan, marco zero da pandemia, que todos os indícios apontam para uma origem "animal" do novo coronavírus.

"Todos os dados que coletamos até aqui nos levam a concluir que a origem do coronavírus é animal", disse o chefe da missão da OMS, Peter Ben Embarek, a jornalistas. "O trabalho de campo não provocou nenhuma reviravolta nas convicções que já tínhamos antes de começar", acrescentou.

Segundo Embarek, os dados apontam que o novo coronavírus surgiu em morcegos. "Mas é improvável que esses animais se encontrassem em Wuhan. Ainda não foi possível identificar o animal intermediário", disse.

Embarek acrescentou que a hipótese de que o novo coronavírus ter escapado de um laboratório é "extremamente improvável".

"A pesquisa sobre a origem do coronavírus ainda é um trabalho em curso", concluiu.

6) Contágio por embalagens e alimentos é 'mínimo'

No início da pandemia, milhares de brasileiros relatavam nas redes sociais a angústia de ter que higienizar regularmente embalagens e alimentos.

Em agosto do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que "não há atualmente nenhum caso confirmado de covid-19 transmitido por alimentos ou embalagens de alimentos". Mas lista uma série de precauções que podemos tomar para evitar contaminação cruzada.

Também diz que não há necessidade de desinfetar as embalagens dos alimentos, mas "as mãos devem ser bem lavadas após manusear as embalagens dos alimentos e antes de comer".

No início deste mês, essa premissa foi reforçada por um novo documento, divulgado pela Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA) dos Estados Unidos. Nele, o órgão informa ser "mínima a probabilidade" de embalagens e alimentos transmitirem o coronavírus.

Segundo a publicação, não há evidência comprovada de que alimentos ou embalagens de alimentos estejam associados ou sejam uma fonte provável de transmissão do coronavírus.

Existe um "consenso científico internacional esmagador" de que "os alimentos consumidos e as suas embalagens são altamente improváveis de espalhar o Sars-CoV-2", conclui a FDA.

A OMS, por sua vez, recomenda usar desinfetante de mãos antes de entrar em lojas, se possível, assim como lavar bem as mãos quando voltar para casa e também após manusear e armazenar os produtos comprados.

A entrega a domicílio não deve ser motivo de preocupação, mas é importante lavar as mãos após recebê-la. Alguns especialistas também recomendam o uso de sacolas plásticas apenas uma vez.

7) É possível contrair covid-19 duas vezes

Pesquisa feita pela agência governamental de Saúde Pública da Inglaterra, a Public Health England, apontou que a maioria das pessoas que já contraíram covid-19 (83%) tem imunidade por pelo menos cinco meses.

Mas casos de reinfeção por covid-19, embora raros, estão sendo identificados em vários países, inclusive no Brasil.

A maior preocupação dos especialistas, contudo, envolve a reinfecção por novas variantes.

Se um número considerável de pessoas que já se contagiaram começar a testar positivo para covid-19, pode ser que esteja em circulação uma variante capaz de driblar os anticorpos produzidos pelo sistema imune após uma primeira infecção.

A reinfecção por variante é uma das hipóteses pesquisadas para explicar o surto de hospitalizações e mortes ocorrido em janeiro em Manaus, no Amazonas.

A cidade já havia sofrido duramente com a primeira onda da doença - uma pesquisa publicada na revista Science em 9 de dezembro estimava que 76% da população já teria contraído covid-19.

Em tese, esse número (caso esteja correto) seria um percentual suficiente para gerar a chamada imunidade de rebanho, quando o número elevado de pessoas com anticorpos é capaz de frear a circulação da doença porque ela passa a ter dificuldade para encontrar pessoas vulneráveis e perde força. Mas, em janeiro, os hospitais da capital amazonense começaram a lotar rapidamente a ponto de a estrutura pública de saúde entrar em colapso e dezenas de pessoas morrerem por falta de oxigênio.

Uma hipótese para esse novo pico casos de covid-19 é que parte deles seja de reinfecções pela variante P.1, que circulava em Manaus naquela ocasião.