Covid: 'por que mudei de ideia e tomei vacina'
Quando o coronavírus chegou oficialmente ao Brasil, em fevereiro de 2020, o mestre de obras Lindomar de Almeida, de 53 anos, não via razão para se preocupar. Ele acreditava que o uso de máscaras e outras medidas de proteção não eram necessárias mesmo com o agravamento da pandemia durante aquele ano.
"Eu usava só em locais fechados por ser obrigatório. Se não fosse, não usaria", lembra.
O ceticismo em relação à gravidade da doença — que só começou a diminuir quando um vizinho de rua morreu no início de 2021 — se estendeu às vacinas. A sua decisão era: "não vou me vacinar".
Pela idade, Lindomar poderia ter procurado um posto de vacinação no início de junho deste ano, no Rio de Janeiro. Mas não fez isso. Esperou, pensou, acessou conteúdo antivacina na internet, depois assistiu ao noticiário e, um mês depois, mudou de ideia.
"Eu não poderia ser o certo, no meio de uma multidão incorreta, preocupada realmente em proteger uns aos outros. Então não podia relutar com essa minha opinião de não vacinar", diz o carioca, agora imunizado com duas doses.
Entre os brasileiros maiores de 18 anos, segundo dados compilados pelo Consórcio de Veículos de Imprensa em 28 de setembro, 92,4% já tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19 no Brasil.
Esse índice segue aumentando, mesmo com muitas cidades já tendo convocado completamente esse público e ter iniciado a vacinação de primeira dose em adolescentes.
A BBC News Brasil analisou dados detalhados no sistema do Ministério da Saúde sobre a maior cidade do Brasil, São Paulo, referentes ao dia 17 de setembro de 2021 — exatamente um mês após o fim da repescagem para pessoas com 18 anos ou mais.
Nesse dia, 5.803 pessoas maiores de 18 anos tomaram a primeira dose da vacina na capital paulista. Dessas, 538 tinham mais de 50 anos e poderiam ter se vacinado há pelo menos 4 meses.
No Brasil, naquele mesmo dia, 397 mil primeiras doses foram aplicadas, segundo dados do governo federal. Dessas, 230.394 (58% do total) foram em pessoas com mais de 18 anos; e 15.681 (4%), em pessoas com mais de 50 anos.
"Eu digo que não é um grupo antivacina, é um grupo hesitante", diz a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunização (PNI), no Ministério da Saúde, entre 2011 e 2019.
"É uma vacina nova, no começo a população ficou muito insegura com essa história de ser 'vacina experimental'. E a própria comunicação do governo foi muito equivocada nesse sentido, o que acabou gerando insegurança. Mas agora que as pessoas estão vendo que a vacina tem uma segurança muito boa e que está tendo resultado importante na diminuição da carga da doença, a população adere".
Entre os "atrasados", também pode haver pessoas que simplesmente não tiveram acesso à vacina anteriormente.
Mortes entre não vacinados
Na visão inicial de Lindomar, que hoje ele considera equivocada, as vacinas contra a covid-19 poderiam fazer mal para o seu corpo.
"Na minha ignorância, achava que, como a vacina aumentaria a imunidade contra o vírus, ela ia aumentar muito a minha imunidade. Com isso, ela poderia combater o meu próprio corpo", lembra. A principal fonte de informações dele eram canais do YouTube, alguns com conteúdo antivacina.
A Sociedade Brasileira de Imunizações reforça que todas as vacinas licenciadas passaram obrigatoriamente por rígidos testes, desde a fase laboratorial até os estudos de fases 1, 2 e 3, que confirmam a segurança e eficácia em humanos. "Os dados foram avaliados por especialistas independentes e entidades regulatórias e continuarão a ser monitorados na medida em que as vacinas forem aplicadas", diz.
Segundo Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, homens normalmente são os que menos se vacinam no Brasil.
"Há casos que você vai vacinar a família inteira, e justamente o homem não quer ser vacinado e acaba adoecendo".
Na covid-19, até agora, dados mostram que 54% das pessoas que se vacinaram eram mulheres. Elas são 52,2% da população, segundo dados mais recentes do IBGE.
No caso de Lindomar, foram as notícias vindas dos EUA que o fizeram mudar de opinião: "Eu vi que lá houve um aumento de mortes e casos, principalmente por causa dos não vacinados. Eram pessoas que pensavam como eu, até pouco tempo atrás, que tudo era besteira".
De fato, em julho, quando o mestre de obras resolveu se vacinar, um porta-voz do governo americano chegou a falar que "99,5% das mortes recentes pela covid-19 no país foram entre pessoas não vacinadas".
Recentemente, em meio ao avanço da variante delta nos EUA e dos sinais da queda da proteção das vacinas com o passar do tempo, estudos divulgados pelo Centro de Controles e Doença apontaram que os não vacinados tinham 11 vezes mais chance de morrer da doença.
'Não prejudica ninguém'
Em Maceió, a empregada doméstica Solange Lima, de 54 anos, poderia ter se vacinado ainda no início de junho. Mas foi só em julho que aceitou receber o imunizante.
Com duas filhas e um neto em casa, ela não parou de trabalhar em nenhum momento na pandemia e continuou vivendo normalmente.
"Logo no começo, pensei que era invenção, fake news e que era uma questão política", lembra.
Máscara, para ela, era "focinheira": "Dizia para o povo: eu não sou cachorro. Só passei a usar porque todo mundo estava usando e falando para eu usar".
Apesar de o uso de máscaras não ter sido recomendado pela Organização Mundial de Saúde no início da pandemia, a eficácia dessa medida de proteção foi reconhecida ainda em junho de 2020. Estudo da USP já provou que alguns modelos chegam a filtrar quase 100% de partículas que podem conter o coronavírus.
Sobre as vacinas, Solange relata que achou a produção e disponibilização muito rápidas. "Pensava que era água ou outra coisa que estavam aplicando no povo. Preferia confiar mais em Deus".
Uma análise da BBC News Brasil entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 mostrou que notícias falsas sobre a produção e os testes das vacinas estavam entre as mais comuns nas redes sociais.
Sem muito acesso à internet e aplicativos como o WhatsApp, a alagoana conta que a formação da sua opinião veio de pessoas na rua e nos ônibus que falavam sobre o assunto.
Mas foi a família, vacinada, que a fez mudar de ideia. Um dos filhos, Rodrigo, contou que chegou a fazer uma "chantagem emocional" para convencer a mãe.
"Decidi tomar porque pensei que pelo menos não prejudicava ninguém. Percebi que as pessoas estavam tomando e não ficavam doentes", explicou Solange.
A epidemiologista Carla Domingues acredita que relatos como o de Solange condizem com o cenário da campanha da vacinação contra a covid-19 no Brasil. "A população brasileira é uma população que acredita em vacina. Então essa hesitação foi superada pelo próprio resultado exitoso da vacinação, com a diminuição de casos e mortes"
Na previsão da ex-chefe do Programa Nacional de Imunização, ao fim de outubro o Brasil terá 80% da população brasileira completamente vacinada. "A gente vai ter uma campanha muito exitosa", aposta.
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