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'Não haverá aplicação da vacina em massa', afirma presidente da Fiocruz

A socióloga Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz - Peter Ilicciev
A socióloga Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz Imagem: Peter Ilicciev

Roberta Jansen

Rio

04/11/2020 12h37

A Fiocruz começa a produzir no Brasil, em janeiro de 2021, 210 milhões de doses da vacina contra a covid-19, contou a presidente da instituição, Nísia Trindade, em entrevista exclusiva ao Estadão. O imunizante será o desenvolvido pela Universidade de Oxford (Reino Unido) e a farmacêutica Astrazeneca, ainda em fase de testes. A produção, disse, poderá atender a uma fatia considerável da população, mesmo que sejam necessárias duas aplicações, o que seria suficiente para imunizar metade do País.

A estimativa é que a vacinação comece em março. "Não vai haver uma aplicação em massa da vacina", explicou Nísia. "Terá que haver algum critério de priorização, mas isso ainda não foi definido."

A produção de 100 milhões de doses nos primeiros seis meses será feita com a importação do chamado ingrediente farmacêutico ativo, o principal insumo do imunizante. A partir do 2º semestre, porém, o Brasil já terá produção de forma autônoma, pelo acordo de transferência de tecnologia com o laboratório.

Segundo ela, "no 2º semestre, já com a produção inteiramente nacional, serão mais 110 milhões de doses. Um total de 210 milhões de doses em duas etapas". O contrato entre Fiocruz e Astrazeneca é de US$ 250 milhões (R$ 1,4 bilhão). Com isso, o País garantirá a autonomia na produção da vacina. Terá também acesso à tecnologia inédita no desenvolvimento de imunizantes, que já se revelou promissora.

Eventualmente, o País terá à sua disposição, além da vacina de Oxford, outros imunizantes, como a Coronavac, chinesa, e a Sputnik V, russa. Segundo Nísia, usar diferentes produtos desse tipo simultaneamente não é inédito, mas exige cuidados. "Tem que ser tudo bem organizado", alertou.

Diria que a produção da vacina contra a covid é a missão mais importante da Fiocruz em seus 120 anos de vida?

A Fiocruz esteve à frente da pesquisa sobre o HIV e a febre amarela, além de participar da construção do SUS. Mas diria que, sim, é um dos marcos históricos da Fiocruz. Vivemos um momento único, de impacto em todas as esferas. Tanto que vários historiadores já disseram, inspirados por (Eric) Hobsbawn (historiador britânico), que esta epidemia seria o marco do início deste século.

A Fiocruz pretende produzir somente a vacina de Oxford ou também outras?

Para a covid-19 vamos produzir a vacina de Oxford. Lembrando que não é possível começar a produção sem a conclusão dos ensaios clínicos de fase 3. Mas nossa expectativa é muito positiva. Muito provavelmente, ela vai apresentar bons resultados. Essa é a vacina que produziremos nos próximos dois anos. No futuro, pode ser que tenhamos até mesmo desenvolvimento de imunizantes nacionais. Mas neste momento vamos produzir só a de Oxford.

Como foi o processo de escolha? Por que a vacina de Oxford foi a selecionada?

Não foi uma decisão unilateral da Fiocruz, foi um processo com muitos atores institucionais - Ministérios da Saúde, da Economia, entre outros. Mas alguns elementos foram importantes nessa escolha. A vacina de Oxford foi a primeira a entrar na fase 3 (de testes em larga escala com humanos). Outro fator, a possibilidade de podermos produzir tudo em Biomanguinhos (fábrica da Fiocruz). A partir do 2º semestre, todas as etapas da produção serão nacionalizadas, teremos o domínio da tecnologia. Um último aspecto importante é que essa plataforma tecnológica desenvolvida por Oxford é promissora. É uma nova tecnologia considerada para o futuro das vacinas e da imunização.

Qual o calendário de produção e quando começa a vacinação?

Começamos a produzir em janeiro. Até fevereiro teremos as primeiras 30 milhões de doses para o Programa Nacional de Imunização (PNI). Paralelamente, já estão sendo enviados à Anvisa todos os dados da pesquisa e um pacote final será enviado entre janeiro e fevereiro. Não dá pra dizer quando começa a vacinação, mas nossa expectativa é ainda no 1º trimestre. Até o fim do 2º semestre teremos 100 milhões de doses. No 2º semestre, já com produção inteiramente nacional, serão mais 110 milhões - 210 milhões em duas etapas.

Os insumos também serão produzidos aqui ou importados?

Sempre há insumos importados. Mas o importante é que a partir do 2º semestre o ingrediente farmacêutico ativo será inteiramente produzido por nós, o que nos dá autonomia.

A Fiocruz produz dez vacinas do PNI. A produção da vacina contra a covid-19 terá algum impacto nessa produção?

Não. Essa vacina é feita a partir de uma tecnologia diferente. Estamos aproveitando uma área que era destinada à produção de um biofármaco, adaptando essa linha extra já existente. Não terá impacto negativo na produção das outras.

A produção de 210 milhões de doses é suficiente para imunizar toda a população brasileira?

Tudo depende da estratégia a ser adotada. Alguns estudos mostram que os melhores resultados são obtidos com duas doses. Nesse caso, teríamos o suficiente metade da população. Mas isso não está definido. Um comitê de especialistas vai determinar a estratégia.

Quem será vacinado primeiro?

Não vai haver uma aplicação em massa da vacina. Terá que haver algum critério de priorização, mas isso tudo ainda não foi definido. Até porque algumas definições dependem ainda dos resultados da fase 3.

Qual é a expectativa do porcentual de eficácia da vacina?

A Anvisa aceitará vacinas com pelo menos 50% de eficácia. No caso da de Oxford, a expectativa é de que seja mais alta.

Outras vacinas devem estar disponíveis, como a Coronavac e a Sputnik V. Como seria essa distribuição?

Muitos epidemiologistas têm discutido isso. Uma vacina pode ser mais adequada para idosos, por exemplo. Agora precisa ter coordenação nacional. Tem de tudo ser muito bem organizado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.