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Por que me inscrevi no Mais Médicos para trabalhar com índios?

O médico carioca Leonardo Matos vai trabalhar em área indígena em Alagoas - Beto Macário/UOL
O médico carioca Leonardo Matos vai trabalhar em área indígena em Alagoas Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

09/12/2018 04h00

O médico Leonardo Matos, 34, fez uma escolha radical para continuar na profissão. Trocou uma rotina de tiroteios e violência no Rio, onde trabalhava em uma clínica que servia de "escudo" para traficantes, por uma vida no campo castigada pela seca e pela pobreza no interior de Alagoas.

Matos é um dos inscritos no Mais Médicos que vão atuar em áreas indígenas. No caso dele, que já se apresentou no programa federal, vai atender índios da etnia karapotó, em São Sebastião (a 120 km de Maceió), no semiárido alagoano.

Antes, ele atuava na Clínica da Família de Honório Gurgel, bairro da zona norte do Rio. Segundo ele conta, o local fica ao lado de uma boca de fumo comandada por traficantes, normalmente armados com fuzis.

"Havia um respeito, mas era uma troca de favores: quando um deles era baleado, a gente tinha de atender. Mas ninguém mexia com a gente, não roubavam ninguém", conta. "Como eles estão ao lado da clínica, a polícia chega lá e não pode ir atirando. Ou seja, eles usam a unidade e a população como escudo", diz.

Matos lembra um dia a dia de violência rotineira no Rio. "Era bastante comum ter gente baleada, ferida com estilhaços. Troca de tiros ainda ocorre lá quase todo dia", relata.

Ele escolheu o bairro porque havia falta de profissionais. "Medo eu não tinha. A gente tem receio. Mas, se eu não for, quem vai? As pessoas precisam, mas eles [os médicos] não querem ir para a favela, têm medo de pobre", diz.

Ele afirma que não saiu da comunidade por conta da violência, mas porque queria ajudar outro perfil de pessoas necessitadas.

Na quarta-feira (5), se apresentou ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Alagoas e Sergipe, localizado em Maceió. Depois que regularizar sua situação e transferir seu registro médico para Alagoas, vai mandar buscar a mulher e a filha de três anos.

"Não conheço a realidade dos indígenas, e isso que me fez vir. Decidi isso porque quero ajudar a população que precisa. Sempre tive vontade e trabalhar com indígenas, então peguei a oportunidade e vim para ajudar."

Primeiro grupo de médicos que irá atuar em comunidades indígenas de Alagoas - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Primeiro grupo de médicos que irá atuar em comunidades indígenas de Alagoas
Imagem: Beto Macário/UOL

Região teve seca que durou seis anos

Os karapotós reúnem 800 pessoas, divididas em duas tribos --próximas uma da outra-- na zona rural de São Sebastião. Já há uma equipe multidisciplinar de enfermeiros, técnicos e agentes de saúde. O médico cubano que ocupava o posto deixou o Brasil no mês passado e retornou ao país caribenho.

A região é marcada pela seca. São Sebastião chegou a decretar situação de emergência entre 2013 e 2017 devido à estiagem.

Mas o médico carioca diz não se assustar com isso. "Se no Rio o problema fosse a falta de água, era bom. Lá o problema é a mortalidade de jovens, as trocas de tiros... A polícia vai lá e mata cinco, e depois tem 10 para assumir [as vagas no tráfico]", afirma.

Acredito que aqui não será melhor, nem pior. Aqui tem problemas, e a gente vem tentar ajudar

Leonardo Matos, que escolheu atuar no Mais Médicos em uma área indígena

Formado na metade do ano passado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Matos conta que nunca se interessou em fazer "medicina de mercado". Para ele, a lógica do hospital é "capitalista", errada e faz com que o profissional brasileiro não aceite postos em regiões pobres e longínquas.

"A ótica da saúde no Brasil é mercadológica. Isso me incomoda. Mas, se eu for falar no hospital, num posto de saúde, vou ser discriminado pelos médicos, pelos gestores. Mas médico que não gosta de gente, como é que pode? Acho que, se não gosta de gente, escolheu a profissão errada", diz.

Outro médico também se apresentou para o trabalho nesta quarta-feira. Fernando Mendonça, 54, vai atuar na DSEI de Porto Real do Colégio (a 145 km de Maceió), onde estão os kariris-xocós.

Fernando Mendonça - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Fernando Mendonça, coronel reformado do Exército, se inscreveu no Mais Médicos para voltar para sua terra natal
Imagem: Beto Macário/UOL

Militar deixa aposentadoria para 'voltar para casa'

Coronel da reserva do Exército, Nunes traz na bagagem a experiência de atuação em missões estrangeiras, em países como Haiti e Angola.

"Eu rodei o país atendendo em emergências e urgências e em missões de paz fora do país também. Nesses locais têm população muito carente, mas a gente conseguia fazer o trabalho. Não vou encontrar nada que já não tenha visto bem", diz. 

Ele se inscreveu para estar no distrito indígena para "voltar para casa". "Eu e minha mulher somos alagoanos. A gente estava em Brasília --eu aposentado, a minha mulher desempregada-- e viu no programa a oportunidade de voltar a nossa terra", conta.