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SUS tem reagido bem ao coronavírus, mas é preciso investir em leitos

SUS tem se mostrado preparado para lidar com coronavírus - Divulgação
SUS tem se mostrado preparado para lidar com coronavírus Imagem: Divulgação

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2020 04h00

Duas semanas depois de ter seu primeiro caso de coronavírus confirmado, o número de pacientes com o vírus no Brasil subiu para 35. É um número ainda pequeno, mas que tende a crescer. Apesar dessa tendência, o Brasil parece preparado para lidar com uma possível epidemia, dizem especialista em saúde pública ouvidos pelo UOL.

Deficiências à parte, o SUS (Sistema Único de Saúde), braço do poder público responsável por controlar a doença, tem acertado no monitoramento até o momento, avaliam. O bom preparo dos agentes fez com que, por exemplo e ao contrário do que ocorreu na China, nenhum profissional da área de saúde tenha sido contaminado no Brasil até o momento.

Dois acontecimentos ajudaram na preparação, a começar pelo tempo de chegada do vírus desde o anúncio na China.

"Foi um período muito importante em que o SUS trabalhou de forma eficiente. Começamos a analisar o que estava ocorrendo por lá e pudemos nos organizar melhor, fazer treinamento profissional", afirma Eduardo Medeiros, professor de Infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

"É só pensar na taxa de profissionais atingidos na China, ninguém sabia o que estava acontecendo. Aqui isso não aconteceu", exemplifica.

Outro fator que colaborou foi a experiência e a epidemia da gripe H1N1 há dez anos.

"O Brasil viveu a pandemia de Influenza A [H1N1] em 2009 e 2010. Ela trouxe esse know-how de como agir em situações de emergência. Os gestores de hoje — entre os quais me incluo — viveram essa epidemia, e a gente está somando para desenvolver estratégias", afirma Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do CEVS-RS (Centro de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Sul).

Saber atender os pacientes e passar informação de forma clara, sem criar pânico na população, é um aprendizado desta crise. Estamos seguindo aquilo que a gente aprendeu"
Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do CEVS-RS

Nesse cenário, concordam todos, o que mais preocupa é o quadro de leitos em UTI para prováveis pacientes em estado grave, que precisa ser ampliado, mas há um problema crônico de investimento. O Ministério da Saúde diz que a ampliação está prevista no plano de contingência.

Pedestres se protegem com máscaras na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Rocha: Fotoarena/Estadão Conteúdo - Bruno Rocha: Fotoarena/Estadão Conteúdo
Pedestres se protegem com máscaras na avenida Paulista, em São Paulo
Imagem: Bruno Rocha: Fotoarena/Estadão Conteúdo

SUS está sabendo lidar com momento atual

Todos os casos confirmados no Brasil estão monitorados e foram mapeados pelo sistema público. Para os especialistas, este monitoramento é o ponto alto de como o SUS tem lidado com a situação e razão para não haver mais casos.

Neste momento, a ação está adequada, pois tem conseguido restringir o avanço ao máximo. Ainda não houve explosão de casos, todos estão delimitados."
Eduardo Medeiros, professor de Infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

"Tem sido feito um trabalho importante de vigilância, aliado a campanhas para informar a população. Aí, segue o caminho de acordo de como vai aparecendo o caos, é evidente que uma hora vai aumentar."

Helena Sato, diretora-técnica do CVE-SP (Centro Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de São Paulo), explica que, para ajudar na contenção, o procedimento tem sido não esperar pela confirmação dos casos para tomar medidas.

"A gente solicita que pessoas de qualquer idade com febre acompanhada de tosse, coriza ou outro problema respiratório, e que tenham passado por países com circulação do vírus, notifiquem [as autoridades]. Desta forma, conseguimos identificar, monitorar e acompanhar os possíveis casos", pondera a diretora do CVE-SP.

Como parte da prevenção, o Ministério da Saúde decidiu ampliar o monitoramento do vírus. Agora, serão testados todos os pacientes que derem entrada em unidades de saúde "com quadro gripal leve ou grave [internados] independentemente do histórico de viagem das pessoas ao exterior".

Segundo o órgão, a medida "amplia a identificação dos casos de coronavírus e reforça o monitoramento da circulação no país".

Coliseu, em Roma, recebe poucos visitantes por conta do número crescente de casos de coronavírus - Laurent Emmanuel/AFP - Laurent Emmanuel/AFP
Coliseu, em Roma, recebe poucos visitantes por conta do número crescente de casos de coronavírus
Imagem: Laurent Emmanuel/AFP

Epidemia deve chegar, por isso preparação é importante

É consenso que os casos devem aumentar no Brasil com o tempo. A única dúvida dos especialistas é sobre como e com que intensidade isso deverá ocorrer. Por isso a estratégia de monitoramento e prevenção tem sido tão elogiada.

"A gente não tem como prever se está longe ou perto [de virar epidemia]. Vamos ter outros casos, isso é inevitável. O que estamos tentando através do SUS e da vigilância, em todos os níveis de atenção — da primária às redes hospitalares — é reduzir a incidência do agravo", afirma Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do CEVS-RS (Centro de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Sul).

Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), concorda que o aumento é inevitável e questiona se medidas de estado de quarentena, adotadas pela China e pela Itália, valeriam no Brasil. Para ele, manter o foco em prevenção e pesquisa é o caminho ideal.

Vamos imaginar uma situação de epidemia. Numa sociedade moderna, com o nível de movimentação atual, o que se pode fazer [para impedir]? Acho que muito pouca coisa. Mas o SUS olha para isso com muito cuidado, bem de perto, com inteligência epidemiológica. Temos excelentes profissionais nesta área no Brasil, precisamos seguir incentivando isso", diz o especialista em saúde pública e ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Será preciso aumentar o número de leitos

Com o aumento de casos totais, é esperado que haja aumento também de casos graves e talvez até a ocorrência de mortes em decorrência do vírus — algo até agora inédito no Brasil, que tem apenas um caso grave registrado.

Para isso, os especialistas avaliam que o poder público terá de aumentar o número de leitos em UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) espalhados pelo país, visto que o sistema já sofre com deficiências mesmo sem incidência de uma epidemia.

Teremos de dar condição a pacientes que vão precisar, em especial os idosos. Existem leitos UTI no Brasil? Existem e estão ocupados. O que fazer? Provavelmente, cirurgias que estão marcadas vão parar de ser realizadas porque estarão ocupadas por pacientes com o vírus"
Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

Para ele, é possível aumentar emergencialmente o número de UTIs, mas isso repercute em um problema crônico brasileiro: a falta de investimento público. "É possível fazer, mas isso vai depender também da vontade política do governo atual", pondera.

"Vai ser preciso investir mais nos hospitais públicos, em especial nos hospitais-escola, que atendem esta população. Grande parte deles, se sabe, já não tem leitos disponíveis. É preciso mapear esta situação e ter um plano estratégico para que possa responder adequadamente", avalia Eduardo Medeiros, da Unifesp.

"Todos os estados têm seu plano de contingência, que envolve tanto a rede de vigilância quanto a de assistência. A gente espera que não seja um volume muito grande, mas, acontecendo, há uma rede a ser articulada para resolver. Já estamos nos preparando para isso, pensando em liberação de leitos etc. Temos hospital especializado, temos UTIs e a rede privada, que também terá de dar apoio", concorda Sylvana Medeiros, ex-secretária municipal de Saúde de Maceió.

Helena Shimizu, professora do Departamento de Saúde Coletiva da UnB (Universidade de Brasília), também vê o SUS preparado, apesar de já ser um sistema abarrotado.

"A atenção básica, porta de entrada do sistema, tem bons profissionais em uma equipe muito grande. Essa rede, com capilaridade, principalmente no atendimento primário, é muito importante numa epidemia como esta. Se precisar expandir [os leitos], tem de expandir, mas vejo um preparo maior", diz.

Não há informação de quantos leitos já estão disponíveis para possíveis casos do vírus, mas o Ministério da Saúde informou ao UOL já ter em seu plano de contingência uma licitação de mil leitos a serem custeados por todo o país à medida que a necessidade for surgindo. Ou seja, quando começar a faltar vagas para pacientes em estado grave, os leitos serão custeados.

Casos que não estão em grupos de risco e não são graves serão atendidos nos postos de saúde, sem internação.

Imagem do novo coronavírus - CDC/Reuters - CDC/Reuters
Imagem do novo coronavírus
Imagem: CDC/Reuters

Vírus foi sequenciado em 48 horas

Ainda há, no entanto, uma série de coisas a se descobrir sobre o vírus, além da possível cura.

"Como é uma situação nova, estamos vivenciando um aprendizado na academia. O comportamento dele no nosso hemisfério, por exemplo, é um incógnita", avalia Sylvana Medeiros, também secretária-executiva do COSEMS/AL (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Alagoas).

"Mas estamos tentando construir este saber. O SUS tem dado essa demonstração de maturidade, nossos laboratórios estão dando um banho de ciência e conseguimos formar uma rede de proteção que permite caminhar sem alarde."

"Nós temos uma qualidade cientifica muito grande", concorda Vecina. "Sequenciamos este vírus em 48h, temos condição de trabalhar em conjunto para desenvolver medicamentos. O que não podemos deixar de fazer é apoiar esses cientistas junto às universidades brasileiras."

Capilaridade e integração do SUS são diferencias do Brasil

Outro consenso entre os especialistas é que um dos diferenciais do Brasil em relação ao vírus é o poder de capilaridade e integração do SUS como um sistema único, como aponta o nome.

Para eles, é preciso olhar para o órgão não só por meio das falhas de filas em hospitais, mas na sua abrangência nacional, que tem sido fundamental para combater a doença.

"O SUS está em todos os territórios municipais, o lado da assistência e vigilância, em conjunto. Essa é a nossa vantagem frente a outros países. A vigilância será notificada de qualquer pessoa que for atendida, em qualquer nível de atenção que seja, e ficará de olho até que seja confirmado ou descartado. É um monitoramento sólido", afirma Sylvana.

O sistema de comunicação é mais importante. Se não fosse integrado como é, não haveria a construção de redes de informação tão rapidamente. Nós temos em todos os níveis. Essa conversa entre os gestores é um desenho SUS"
Helena Shimizu, professora do Departamento de Saúde Coletiva da UnB (Universidade de Brasília)

Para Ranieri, é preciso informar melhor a população sobre esse tipo de trabalho. "Hoje em dia, poucas pessoas sabem o que é o SUS. São várias frentes e inúmeros procedimentos relacionados ao sistema", avalia a gestora. "Quando a gente vive uma situação assim é que se valoriza o trabalho dos profissionais à frente do SUS, é ele que vai segurar e orientar todas as ações."

Paulistanos usam máscara na rua 25 de Março, em São Paulo - Willian Moreira/Futura Press/Estadão Conteúdo - Willian Moreira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Paulistanos usam máscara na rua 25 de Março, em São Paulo
Imagem: Willian Moreira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Como funciona a vigilância

Integrado nacionalmente, o sistema de vigilância e monitoramento foi o ponto mais destacado pelos especialistas e tem mostrado resultados. Segundo as secretarias consultadas pelo UOL, toda a cadeia — municípios, estados e União — é informada em poucos minutos em caso de uma nova confirmação. Isso serve tanto para as capitais como para as menores cidades do interior.

Como funciona? Como seria mais difícil monitorar cada pequeno município do país, cada estado tem seu centro de vigilância que comanda subequipes, os GVEs (Grupos de Vigilância Epidemiológica). São Paulo, por exemplo, é dividido em 25 deles.

"Esses grupos são nossos olhos perante os 645 municípios", afirma Sato, diretora do CVE-SP. Cada um deles tem uma base em alguma cidade de referência e é ela que entra em contato com os municípios menores de cada região.

"Se tem caso suspeito do no município, é a GVE que faz todo o planejamento necessário. Em caso de confirmação, é passado para nós e nós, como central do estado, passamos para a federação", explica.

Ranieri, do Rio Grande do Sul, destaca a rapidez dos resultados. "Agora, conseguimos confirmar um caso em 48 horas depois da entrada no laboratório, descontando o tempo de transferência da amostra. É muito rápido", afirma a gestora.

Plano de contingência já está em nível emergencial

O Ministério da Saúde montou em fevereiro, antes da confirmação do primeiro caso no Brasil, um plano de contingência para conter o vírus.

O modelo é baseado em três níveis de resposta, que indicam as medidas a serem tomadas: Alerta (quando se espalha internacionalmente), Perigo iminente (primeiro caso suspeito da doença) e Emergência de saúde pública de importância nacional (primeira confirmação).

O Brasil atingiu o terceiro nível em 26 de fevereiro. Desde então, a cada dia, o aumento de número de casos tem se dado de forma mais rápida.

Neste nível, como ação o ministério destaca, entre outros pontos, "sensibilizar a rede de serviços assistenciais públicos e privados" sobre o cenário atual do vírus e "identificar fomentos para as ações emergenciais no enfrentamento do vírus".

O ministério anunciou que deverá chamar cerca de 5 mil médicos por meio do programa Mais Médicos para reforçarem o combate ao coronavírus.

Segundo a pasta, capitais e centros urbanos voltarão a participar do programa, antes restrito a áreas vulneráveis. A convocação está prevista já para esta semana.

Outra medida emergencial é ampliar o atendimento do programa Saúde na Hora, que estende o horário de atendimentos de postos de saúde até as 22h em dias úteis ou em finais de semana. O objetivo é aumentar o acesso da população com sintomas aos serviços.

Também em fevereiro todos os estados já apresentaram seus próprios planos de contingência com base nas orientações federais. Estes planos indicam, entre outras coisas, endereços dos locais que podem atender a população em caso de suspeita.

Todos estão disponíveis no site do Ministério da Saúde.