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Números oficiais estão longe de indicar quem tem coronavírus no Brasil

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

18/03/2020 19h11

Resumo da notícia

  • Identificação e isolamento de infectados são vistos fundamentais pela OMS para frear disseminação do vírus
  • Estratégia, porém, esbarra na dificuldade de produzir e realizar testes em massa na população
  • Outro obstáculo é que, segundo pesquisas, mais de 80% dos infectados não têm sintomas e não considerados casos suspeitos
  • Autoridades dizem que não há insumo para testar todos os casos suspeitos
  • Governo federal quer passar a confirmar casos da doença por meio do diagnóstico clínico feito por médicos

Por ser um vírus para o qual ainda não há vacina ou medicamento específico, a identificação e o isolamento de pessoas infectadas tem sido considerada medida fundamental para frear a propagação do novo coronavírus.

Mas essa estratégia esbarra em dois pontos que indicam que a quantidade real de pessoas infectadas é bem maior que as estatísticas oficiais:

Recentemente, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde já foi constatado indícios de que o vírus circula entre a população, passaram a testar apenas pacientes graves. Isso se repete em diversos países afetados pela pandemia.

As autoridades dizem que não há insumo para testar todos os casos suspeitos. Ou seja, pessoas que não estiverem graves não serão testadas mesmo que tenham os sintomas e/ou contato com pessoas que tiveram positivo.

Isso faz com que os números oficiais divulgados pelo governo federal e pelos estados sobre casos suspeitos e confirmados representem apenas uma parcela pequena em relação à quantidade real de pessoas infectadas.

"Não existe nenhum país do mundo com um sistema de saúde 100% preparado para ser acionado para testes em massa", disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista a jornalistas na terça-feira (17).

A projeção utilizada pelo governo é a de que o número de casos pode dobrar a cada três dias se não forem adotadas medidas de restrição do contato social, como o cancelamento de eventos e a suspensão de aulas.

Um estudo realizado por pesquisadores da PUC-Rio, Fiocruz e Instituto D'Or da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro estimou que, até o dia 26 de março, no pior cenário projetado, o Brasil pode ter até 4.970 casos confirmados de coronavírus.

Os dados oficiais mais recentes do Ministério da Saúde, atualizados ontem, apontam 291 casos confirmados da doença, sendo que 28 deles estão internados (até a publicação deste texto, o governo não havia divulgado novo balanço do número de casos o país).

Ou seja, se o novo critério adotado pelo Rio e São Paulo já estivesse valendo para todo o país, apenas 10% do total de 291 casos teriam sido submetidos aos testes de laboratório para detecção do vírus.

"Só existe uma maneira de nós termos os registros de todos os casos, mesmos os assintomáticos: se nós tivéssemos capacidade e condições, o que nenhum país tem, de fazer testes em toda a população, 100% da população", diz o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis.

"Porque, pelos dados que nós temos, apenas 16% dos casos são registrados, mesmo considerando os casos leves. 84% das pessoas que têm coronavírus, elas sequer apresentam sintomas e não são portanto registradas como casos de coronavírus", afirma Gabbardo.

Com o vírus, mas sem diagnóstico

A velocidade na propagação da doença pode estar associada ao fato de que a maioria das pessoas infectadas, mesmo não apresentando sintomas, podem transmitir o vírus.

Estudo de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, em Nova York (Estados Unidos), publicada pela revista científica americana Science, apontou que pessoas que contraíram o vírus mas não apresentavam sintomas podem ter sido responsáveis por dois terços das infecções registradas na cidade chinesa de Wuhan, epicentro mundial da doença.

OMS pede para testar todos os suspeitos

No começo da semana, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu que os países testem todos os casos suspeitos.

"Temos uma mensagem simples para todos os países: testem, testem, testem. Testem todo caso suspeito de covid-19. Se o teste der positivo, isole [a pessoa] e descubra quem esteve em contato com ela em até dois dias antes dos primeiros sintomas e os testem também", declarou Ghebreyesus.

Apesar das declarações do chefe do órgão em Genebra, a representante da OMS no Brasil, Socorro Gross, afirma que o país segue a recomendação internacional de testar apenas os pacientes graves a partir do momento em que é identificada a transmissão comunitária do vírus.

"O Brasil está fazendo o que é a recomendação da OMS. Em caso em que nós temos uma transmissão comunitária temos que testar as pessoas com síndrome respiratória aguda severa, especialmente as pessoas que vão ao hospital, e a população vulnerável, os mais idosos", diz Gross.

Coreia do Sul fez teste em massa e deu certo

Um dos países que conseguiram conter a doença com mais sucesso foi a Coreia do Sul, após uma política massiva de testes à população e isolamento dos pacientes infectados.

Hoje, o ministro Mandetta afirmou que segue as recomendações da comunidade científica e que não se pode comparar o Brasil com a Coreia.

"Uma coisa é ter um país como a Coreia que tem 4 milhões de habitantes concentrados num país que talvez não seja muito maior que Sergipe, ou Alagoas ou Bahia, totalmente diferente de um continente sul-americano como é o Brasil", afirmou o ministro.

A Coreia do Sul tem uma população de cerca de 51 milhões de habitantes — e o Brasil, de 211 milhões

Diagnóstico clínico e pesquisa epidemiológica

Para fazer frente ao desafio de monitorar o avanço do vírus e superar a dificuldade de fornecer testes em larga escala, o Ministério da Saúde e secretarias estaduais apostam em duas estratégias:

  • Passar a confirmar casos da doença por meio do diagnóstico clínico feito por médicos, mesmo sem submeter o paciente ao teste laboratorial;
  • Pesquisas epidemiológicas com testes realizados por amostragem em pacientes com sintomas de gripe, o que já é feito com outras doenças por meio da Rede Sentinela do SUS (Sistema Único de Saúde).