Nove em cada 10 cidades do país não têm leito de UTI e "exportam" pacientes
O Brasil possui leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em apenas 545 dos 5.570 municípios — ou 9,8% deles —, segundo dados de janeiro de 2020 do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde). Desses 550, apenas 482 cidades têm vagas disponíveis pelo SUS (Sistema Único de Saúde), ou 8,6% do total nacional.
No país, havia 50 mil leitos de UTI habilitados em janeiro, sendo apenas 22 mil deles disponíveis pelo SUS. Os demais são de hospitais que fazem atendimento apenas mediante pagamento ou convênios. O Ministério da Saúde já anunciou que vai alugar leitos da rede privada, em caso de necessidade para tratar pacientes com covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
A falta de leitos de UTI é apontada como o maior desafio para o caso do Brasil registrar uma epidemia com demanda grande de pacientes infectados com o coronavírus.
Sem leitos em suas cidades, pacientes com problemas mais graves são transferidos para cidades maiores com hospitais mais bem equipados — os chamados polos regionais. São eles que devem receber eventuais casos graves da covid-19.
A justificativa das cidades é que não há recursos para manter os leitos de UTI, que são mais caros do que os de internamento convencional.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, um dos principais problemas na questão das UTIs está na má divisão regional dos leitos.
Momento pede abertura de leitos
O médico Wilson de Oliveira Filho, diretor da AMIB (Associação Brasileira de Médicos Intensivistas), defende medidas para descentralizar leitos de UTI, mas assegura que, neste momento de emergência, é necessário a abertura imediata de leitos em locais onde há maior estrutura médica e hospitalar.
"Não há tempo para isso. Agora é abrir mais em grandes centros e, no mais, orientar a população sobre os cuidados básicos", afirma.
Ele explica que há gritantes diferenças entre as regiões. "A gente tem uma média de três leitos por 10 mil habitantes, só que temos regiões com mais, como Sudeste, e outras com menos, como Norte e Nordeste. No Norte, por exemplo, temos menos de um por 10 mil. Isso é uma complicação, é um problema neste momento: como eles vão fazer com essa carência de leitos e de especialistas?".
Sem certeza do número
O médico intensivista Frederico Jorge Ribeiro, coordenador das UTIs do Hospital dos Servidores, no Recife, se acostumou a receber e tratar pacientes vindos do interior de Pernambuco. "São poucos os municípios que têm leitos de UTI, a maioria vem pra cá", conta.
Ele afirma que os hospitais com leitos de tratamento intensivo já fizeram seus planos de contingência para atendimento aos pacientes da covid-19, mas não é possível prever se o número será suficiente.
"A verdade é que existe a chance de a quantidade de leitos não ser suficiente para os tratamentos. Isso ocorreu em todos os países", pondera. Segundo Ribeiro, é mais "racional e prático" viabilizar leitos em grandes centros por questões técnicas.
"UTI demanda uma alta tecnologia, uma mão de obra altamente especializada, e tem de ser em grandes centros, ou dentro de hospital geral. Acho pouco provável que isso seja uma estratégia neste momento. Porque um paciente com covid-19, por exemplo, pode demandar pareceres de especialistas como cardiologista, neurologista, e o leito tem de estar onde haja acesso a esses profissionais", afirma.
O problema, diz, está nas regiões mais distantes. "Isso é preocupante em locais como na região Norte, que tem comunidades que ficam a quatro, cinco horas de barco. É um grande desafio que vamos enfrentar agora", alerta.
Ele afirma que, caso o número de pacientes seja maior que a demanda, será necessário fazer improvisos, como transformar enfermarias em leitos intensivos.
"Se estiver o caos, chegando mais e mais casos, vai ter de improvisar, tipo faz [a ONG] Médico sem Fronteiras por aí. Não descartaria essa hipótese aqui", assegura.
Municípios atuam em rede
Segundo o secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), Mauro Junqueira, é natural que os leitos de UTI estejam concentrados em cidades maiores.
"Obviamente que os municípios de pequeno porte não têm necessidade nem demanda para leito de UTI", explica. Para suprir suas demandas como as que devem surgir agora, ele explica que há trabalho por meio rede de atenção à saúde.
"Nelas, se estabelecem municípios-referência em cidades de porte médio e grande. Nós temos um país continental, com diferenças regionais gritantes, e temos cidades com pequenas populações em que não se justifica ter UTI", explica, defendendo a remoção de pacientes em caso de problemas graves.
Entretanto, ele diz que o ponto a ser debatido agora é se o número de leitos é suficiente para enfrentar uma epidemia de covid-19. "Não é suficiente. Pelo que está sendo posto em vários países, a gente tem de estar preparado para ampliar rapidamente. Sabemos que aproximadamente 5% dos infectados com vírus vão necessitar de uma UTI", diz, defendendo o modelo que está sendo adotado pelo governo federal.
"O Ministério da Saúde fez uma grande tarefa para habilitar leitos. Neste ano, já saíram inúmeros. E o ministério diminuiu bastante a burocracia agora. O gestor faz um pedido de novos leitos para atender à população com um ofício simples, e o ministério, depois, é que vai lá se certificar; mas nesse momento ele já vai pagar o custeio desse leito", completa.
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