Se voar, tem covid-19; se cancelar, tem desemprego: os medos na aviação
A pandemia do novo coronavírus (covid-19) impacta duas vezes o setor aéreo: comissários de bordo e pilotos relatam medo de se contaminarem dentro dos aviões e ao mesmo tempo temem o desemprego. Com voos reduzidos e cancelamento de trechos, as companhias aéreas negociam um programa de licença não remunerada e redução de até metade dos salários para quem seguir trabalhando.
"Se a gente não voa, a gente não ganha, então não sabemos o que vai acontecer. É muita instabilidade", relata uma comissária de bordo da Latam, que não quis se identificar. Hoje, a companhia oferece 90 dias de licença sem salários, cogitando afastar funcionários de forma compulsória para evitar demissões. "Mas eu não tenho a menor condição de parar por três meses e ficar sem receber, as contas não param de chegar", diz.
Foi por meio de um avião que o covid-19 chegou ao Brasil, há cerca de um mês: o primeiro caso confirmado foi de um homem de 61 anos que havia viajado à Itália. Mesmo assim, as atuais medidas de prevenção tomadas em aeroportos e nas aeronaves são mínimas. Uma das principais reclamações é a manutenção do serviço de bordo, o que obriga a tripulação a ter contato com todos os passageiros. "Só nos dizem para lavar as mãos e mais nada; e não tem controle nenhum de quem embarca", diz outro comissário.
"É uma tristeza ver o avião vazio e perceber quão grave é a situação, mas também temos medo de nos infectar", diz uma terceira comissária de bordo. "Estamos lá expostos, confinados ali dentro, respirando o mesmo ar. Só ontem a empresa liberou o uso de luvas e máscaras", afirma. Ela considera "muito devagar" a atuação da companhia e também teme o desemprego.
"Nós temos, sim, o medo de perder o emprego, porque não sabemos quanto vai durar esta pandemia. Eu devo me afastar por três meses [em licença não remunerada], porque a saúde me preocupa mais do que a situação econômica. Tenho medo de me infectar e trazer o vírus para casa, porque moro com meus pais", explica.
A tendência é que os voos internacionais sejam reduzidos de forma abrupta após o Governo Federal, ontem, ter proibido a entrada no Brasil de estrangeiros vindos da União Europeia, da China e do Japão, por exemplo — os Estados Unidos ficaram de fora, mesmo tendo o sexto maior número de casos confirmados no mundo.
Sindicato apela a Paulo Guedes
A situação dos funcionários de companhias aéreas foi levada ao Ministério da Economia pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA). Um ofício enviado nesta semana ao ministro Paulo Guedes destaca o "momento de instabilidade e incerteza" que a categoria atravessa e pede a liberação do saque do FTGS para quem optar pelo afastamento ou ter os salários parcialmente reduzidos.
"Temos confiança de que o ministro Paulo Guedes terá a lucidez de aprovar o saque do FGTS", diz o presidente do sindicato, Ondino Dutra Cavalheiro Neto.
Questionado sobre o assunto, o Ministério da Economia avisa que "não há como atender a pleitos de categoria específicas" neste momento. "Diversos setores podem ser mais ou menos afetados pela conjuntura, o que torna impossível selecionar quais devem ser atendidos e quais não", diz a pasta, que afirma estar estudando medidas de caráter mais amplo.
Companhias aéreas se eximem
As companhias alegam seguir à risca a orientação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que atualmente se resume a pedir, via sistema de som, que qualquer um com sintomas de covid-19 avise. A Agência diz que seu foco "é o monitoramento dos relatos feitos pelas aeronaves e no encaminhamento de casos que tenham sintomas".
Quanto aos acordos trabalhistas, cada companhia aérea negocia de forma individual com o Sindicato Nacional dos Aeronautas. Os detalhes variam, mas as propostas de Azul, Gol e Latam consistem em licença não remunerada e uma redução progressiva de salários que dura três meses e chega a 50%. Em nota, a Latam afirma "estar se esforçado para a manutenção dos empregos"; a Azul diz que os tripulantes podem "aproveitar o período [de afastamento] para se dedicar a projetos pessoais"; a Gol não se posicionou.
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