Com medo da covid-19, garis tratam papel higiênico como material radioativo
Em tempos de covid-19, todo mundo lembra que postos de combustível, supermercados e, principalmente, farmácias não podem fechar. Mas a coleta de lixo também é essencial. Uma necessidade das cidades que tira de casa pessoas com medo.
O UOL percorreu as ruas de São Paulo na madrugada e viu papel higiênico que caiu de saco plástico ser tratado como o mesmo zelo que material radioativo em laboratório nuclear.
Os funcionários afirmam que as pessoas limpam nariz e superfícies com papel higiênico ou lenço de papel, e moradores de rua abrem sacos, espalhando seu conteúdo.
Indigno e perigoso para o morador de rua, ruim e perigoso para o pessoal da coleta seletiva. Juntar lixo alheio espalhado pelo chão sempre foi desagradável para eles, mas com o coronavírus se tornou um risco.
Os trabalhadores das empresas de coleta de lixo de São Paulo também sentem medo de demissão, por isso não falam o nome. O que não escondem é que saem de casa a contragosto. Mas a preocupação com a covid-19 convive com o senso de dever em manter a cidade limpa.
Na hora que carros são raridade nas ruas e as calçadas estão vazias, pessoas vestidas de laranja equilibram a ética do trabalho com instinto de sobrevivência.
Cada um se protege como pode. Um trabalhador criou um ritual antes de entrar em casa. Empregados da coleta de lixo tomam banho na empresa antes de seguirem para casa.
Este funcionário coloca o uniforme numa sacola e, chegando em casa, vai direto para lavanderia enfiar calça e camisa num balde com água sanitária, um dos produtos que mata o coronavírus. Para proteção da mulher e da filha, ele não toca em nenhum objeto no caminho e, depois de sair da lavanderia, se besunta de álcool gel.
O calçado, não entra em casa desde terça-feira. Somente depois de outro banho, o gari se permite deitar na cama. Desenvolveu este método depois de ouvir palestras na empresa.
Todos os empregados da coleta de lixo contaram que receberam de suas empresas orientações de técnicos sobre saúde e folhetos reforçando as principais medidas de prevenção.
Há empregados que não ligam para a pandemia, mas a maioria está preocupada. Existe espírito de corpo no ramo, algo que se percebe no notável sincronismo de cada equipe. Parece que até os porteiros de prédios fizeram um treinamento.
O motorista estaciona o caminhão e três garis partem apressados em direções diferentes. Na hora que cada gari se aproxima do portão, um botão é acionado liberando passagem para o depósito de lixo.
Mas correr a noite toda atrás de um caminhão faz o suor escapar do boné. O medo é ele alcançar boca ou nariz e levar o coronavírus para dentro do organismo. Ou mesmo a própria mão fazer o serviço sujo. Os funcionários são instruídos a usar luva o tempo todo.
Diante da pandemia, este ponto foi ressaltado. Mas ficar noite toda com o equipamento incomoda e muitos tiram a luva de maneira automática em alguns instantes para a mão respirar. Eles tentam se policiar, mas mudar um hábito requer tempo.
Esperança de ficar em casa
Neste universo de coleta de lixo há também empresas contratadas para atender somente estabelecimentos como hotéis, restaurantes e hospitais.
O motorista de um caminhão disse que reza quando dirige até a área de depósito de lixo dos hospitais. O gari explica que a equipe coleta somente lixo orgânico, mas emenda que a covid-19 pode estar ali espreitando.
Ressalta, em tom de esperança, que quase todo comércio de São Paulo está fechando e torce para semana que vem as atividades serem interrompidas de vez e ele poder ficar em casa. Em seus lares, garis e motoristas prometem aplaudir os profissionais da saúde durante as noites.
O pessoal da coleta de lixo acha bonito este reconhecimento e quer ficar em casa para fazer coro com os aplausos. Ainda não aconteceu e, pela sensibilidade da função que exercem, não vai acontecer. A quarentena decretada pelo governados não vale para limpeza urbana.
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