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Rocinha tem ruas cheias e atendimento a céu aberto para suspeita de corona

24.mar.2020 - Profissionais de saúde atendem em tenda na parte externa da Clínica da Família da Rocinha - Herculano Barreto Filho/UOL
24.mar.2020 - Profissionais de saúde atendem em tenda na parte externa da Clínica da Família da Rocinha Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

25/03/2020 17h51

Resumo da notícia

  • Prefeitura diz que atendimentos a céu aberto minimizam riscos
  • Moradores temem que novo coronavírus se dissemine pela favela
  • Ruas da Rocinha seguem com grande circulação de pessoas

A caminho da Clínica da Família da Rocinha, um idoso é abordado por uma técnica de enfermagem com uma planilha em mãos. Gripado e com tosse, é orientado na triagem a ser atendido por um médico, que recebe pacientes em uma tenda a céu aberto, em frente à unidade. A fim de minimizar riscos, profissionais de saúde estão atendendo moradores com suspeita de coronavírus no lado externo.

Entre ontem e hoje, o UOL acompanhou a rotina dos moradores da favela mais populosa do país, onde 120 mil pessoas seguem com as suas rotinas em meio à pandemia. As ruas na parte baixa da comunidade da zona sul carioca continuam cheias, apesar da recomendação para isolamento social dos governos municipal e estadual.

No lado oposto, um enfermeiro conversa com os pacientes, sentado em uma cadeira, aproveitando a sombra embaixo de uma árvore. No local, que inclui um complexo com uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), 120 profissionais fazem cerca de 5.000 atendimentos ao mês.

Em nota, a Prefeitura do Rio confirmou que a triagem de pacientes com sintomas de síndrome gripal está sendo feita na parte externa da Clínica da Família da Rocinha. "Essa é uma estratégia para manter os pacientes em um local isolado das áreas de circulação da unidade, evitando o risco de confirmação", disse.

Com uma máscara no rosto, um homem aparentando estar com falta de ar foi colocado em isolamento dentro da UPA. A operadora de caixa Marlucia Farias, 31, estava entre os pacientes com suspeita da doença. Ontem, foi orientada a ficar 14 dias em isolamento dentro de casa e a incluir o nome dos parentes no atendimento. "Acordei com tosse e secreção", conta.

Mas os moradores reclamam da dificuldade de evitar o contato dentro da favela.

A casa é assim, uma do lado da outra. Quando uma pessoa tosse na janela, vai para a casa do vizinho. Se o vírus entrar aqui dentro, já era, amigo"

Renato Pereira Cabral, vigilante e morador da Rocinha

A facilidade para a proliferação do vírus nas favelas vem sendo alertada por infectologistas nos últimos dias.

"Se esse vírus entrar nas comunidades carentes, vai ser devastador. Porque as pessoas vivem muito próximas umas das outras, aumentando as chances de contágio", alerta o infectologista Edimilson Migowski.

24.mar.2020 - Profissionais de saúde atendem o público em tenda colocada na parte externa da Clínica da Família da Rocinha para evitar disseminação do novo coronavírus - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

"A tendência é que aumentem os casos de contaminação em áreas mais carentes, onde o risco de disseminação do vírus é maior. Porque é mais difícil manter o isolamento", argumenta Marcos Lago, coordenador da Comissão de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

O líder comunitário William de Oliveira, o William da Rocinha, vem participando de mutirões diariamente para distribuir material de higiene e quentinhas para moradores em situação de vulnerabilidade social. "A situação geográfica da Rocinha contribui para a disseminação do vírus. Temos problemas de saneamento básico e idosos com muitas doenças, o que facilita a disseminação da doença", argumenta.

Movimentação segue intensa

A circulação de moradores continua intensa na comunidade. Em pronunciamento transmitido ontem (24) por rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a se referir à pandemia como uma "gripezinha", disse que os brasileiros precisam voltar à normalidade e que a imprensa espalhou o pânico.

24.mar.2020 - Mototaxista Alexandre Gutierrez segue atendendo a população na Rocinha, apesar as orientações de isolamento - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Na Via Ápia, uma das principais ruas da favela, a circulação de motos e carros seguia intensa entre ontem e hoje.

Apesar de reclamarem da redução de movimento, os pontos de mototaxistas permaneciam em funcionamento, com passageiros subindo nas garupas dos veículos com frequência, contrariando as orientações de distância. "A vida continua, não tem jeito", disse a doméstica Márcia Britto, 46.

O mototaxista Alexandre Gutierrez, 44, —há 24 anos atuando na profissão— é um dos mais antigos em um ponto na esquina da Via Ápia. Ele diz que o movimento caiu pela metade. Mas segue uma dura rotina de mais de 12 horas à espera de passageiros. "Todo mundo tem que se cuidar, né? Tô evitando apertos de mão. Mas preciso me sustentar", argumenta.

24.mar.2020 - Ambulante Adriana Ferreira oferece álcool em gel e máscaras para a população na Via Ápia, na Rocinha - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Em uma estreita escada no interior da favela, com grande circulação de pessoas, um idoso oferecia peixes congelados em um isopor sem demonstrar preocupação com as moscas que sobrevoavam o alimento.

A ambulante Adriana Ferreira, 32, que costumava vender empadas em uma barraca colocada ao lado do meio-fio, oferece agora álcool em gel e máscara para os moradores. Costuma receber até R$ 300 por dia. Mas a margem de lucro é pequena, diz. "Compramos na farmácia. E esses produtos estão muito caros", reclama.

Mas os preços afastam possíveis consumidores. "Quanto tá a máscara?", pergunta um homem. "Tá R$ 20", responde. "E o álcool?", insiste. "Tá R$ 12". Ele franze a sobrancelha e vai embora fazendo careta.