Topo

Ex-presidente do TJ-SP e pré-candidato desobedece lei e vai à praia

Ivan Ricardo Garisio Sartori, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo - 03.mai.2019 - Marcelo Justo/UOL
Ivan Ricardo Garisio Sartori, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Imagem: 03.mai.2019 - Marcelo Justo/UOL

Marcelo Oliveira*

Do UOL, em São Paulo

27/03/2020 23h42

Resumo da notícia

  • Desembargador foi abordado por guardas municipais e orientado a sair da praia, em Santos (SP)
  • Em vídeo, ele afirmou que não poderia ter sido abordado pelos guardas municipais, pois a praia é federal
  • A prefeitura e juristas dizem que a interpretação é errada e que a agentes do município podem fazer a abordagem
  • Relator do processo que anulou o júri do Massacre do Carandiru, Sartori é pré-candidato a prefeito de Santos e é contra as medidas de quarentena

O ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, foi abordado por guardas municipais na praia em Santos enquanto caminhava no local, hoje (27) de manhã. Ele desobedeceu lei municipal que proibiu o acesso à praia em virtude da pandemia do novo coronavírus.

Os guardas teriam pedido que ele deixasse a praia, e, segundo vídeo divulgado em grupo de Whatsapp e revelado pelo Jornal da Orla, de Santos, o desembargador respondeu que a praia é federal e que ele não poderia ser abordado pelos agentes municipais. A prefeitura afirma que ele deixou a praia sem oferecer resistência.

Como medida de prevenção ao novo coronavírus, a cidade de Santos proibiu o acesso à praia. Várias cidades do litoral adotaram medidas semelhantes em resposta ao decreto estadual de quarentena.

Juiz do massacre e candidato

O ex-desembargador, relator do recurso do júri do Massacre do Carandiru no TJ, em 2018, que resultou na anulação da sentença que condenou 74 policiais envolvidos na morte de 111 presos, em 1992, aposentou-se em dezembro de 2018. No ano seguinte, anunciou que é pré-candidato a prefeito de Santos pelo PSD.

No vídeo divulgado, ataca diretamente o atual prefeito: "Por mais boa [sic] que seja a intenção que o prefeito possa ter, ele não tem autoridade sobre a praia. Praia é União Federal, ele não pode fechar uma praia. Talvez eles me levem preso, não sei, aí eles vão ter que enfrentar as consequências", disse.

Em campanha nas suas redes sociais, Sartori, que é defensor convicto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), repete o criticado discurso do presidente sobre o coronavírus e diz que o país não pode parar. "Não podemos parar o país. Vai haver muita quebradeira", disse sobre as medidas restritivas de fechamento do comércio. O discurso vai na contramão das orientações das principais autoridades em saúde no mundo.

Em entrevista ao UOL, Sartori admite que a prefeitura tem a gestão da praia, mas diz ser contrário ao que chama de "sistema ditatorial de fechar a praia". Segundo ele, deveria haver um meio-termo com proibição a aglomerações. "Eles tem a gestão da praia, mas não têm poder de fechar a praia."

Em nota, o magistrado afirmou que "o termo de adesão de gestão de praia é claro ao prever que qualquer projeto do município nessa área sempre deve garantir o livre acesso às praias. Por isso que o fechamento, a interdição é ato exclusivo da União. É a mesma coisa que, cedendo eu um negocio a terceiro para exploração, esse terceiro fecha o negócio".

"Eu apenas fui correr na praia e, abordado pela GM, acatei a imposição. O vídeo foi uma coincidência, pois, na hora, que acontecia tudo isso, aparece aquele cidadão, que eu nem conhecia, demonstrando apoio e pedindo para gravar um vídeo. Não incentivei e nada disse sobre invasão de praia. Foi uma simples corrida que se transformou em tudo isso", complementou.

Invasão da praia

O vídeo é feito por um homem não identificado que apoia a atitude do desembargador. O homem convoca para as manifestações previstas para domingo por apoiadores do presidente e disse que a população deve invadir a praia.

Na entrevista ao UOL, Sartori afirma que não conhece o autor do vídeo. "Eu não sei quem é. Ele disse que se emocionou ao me ver e pediu para dar minha opinião e eu dei", diz o ex-presidente do TJ.

Sartori diz no vídeo que as pessoas devem manter distância de 3 metros umas das outras e não se posiciona sobre a proposta de invasão feita pelo homem que gravou o vídeo. "Não pode deixar fazer aglomeração", afirma o desembargador no vídeo.

Ao UOL, o ex-presidente do TJ negou apoiar a invasão da praia, e diz ser a favor de medidas de restrição, mas é contrário ao fechamento do comércio. "Como eu disse no meu site, isso vai causar uma quebradeira". Ecoando Bolsonaro, ele é a favor de medidas restritivas para grupos de risco.

Aos 63 anos, o ex-desembargador é considerado integrante do grupo de risco para a covid-19. Questionado se não seria contraditório gravar o vídeo tão próximo de seu interlocutor diante da distância que defende, Sartori concordou, mas afirma que ficou perto do outro homem "pela forma como o vídeo foi gravado".

Prefeitura diz que desembargador não resistiu

Segundo a prefeitura de Santos, Sartori não resistiu à abordagem dos guardas municipais. "O munícipe atendeu à abordagem da Guarda Civil Municipal (GCM) e deixou a faixa de areia da praia, na manhã desta sexta-feira (27)", diz a prefeitura, em nota.

A proibição da presença de pessoas e comerciantes na faixa de areia é uma das 30 medidas preventivas de enfrentamento ao novo coronavírus adotadas por Santos, afirma o município.

Cidade pode intervir na praia, diz jurista

Desde julho de 2017 Santos tem um contrato com a União que cedeu ao município a gestão da praia.

De acordo com a prefeitura, a União outorgou ao Município, com base em uma lei de 2015, a gestão das praias marítimas urbanas, inclusive bens de uso comum com exploração econômica, por um período de 20 anos.

Segundo um jurista especialista em meio ambiente e legislação costeira, ouvido pelo UOL sob a condição de anonimato, é errada a interpretação de Sartori sobre a abordagem dos agentes municipais no vídeo.

Ainda que não houvesse a lei de quarentena e o contrato entre Santos e a União Federal, a prefeitura poderia abordar o ex-desembargador.

A Lei Nacional de Gerenciamento Costeiro, de 1988, prevê que é uma responsabilidade conjunta da União, Estados e Municípios a gestão da costa.

"A questão da saúde pública também é relevante, no caso, para justificar a ação da prefeitura", disse a fonte ao UOL.

* Colaborou Luís Adorno.