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Sem visitas e aniversário vazio: os cuidados de quem tem mais de 100 anos

Luiza Leindecker, de 101 anos, diz não sair de casa porque na rua estão "distribuindo esta gripe", o covid-19 - Arquivo pessoal
Luiza Leindecker, de 101 anos, diz não sair de casa porque na rua estão "distribuindo esta gripe", o covid-19 Imagem: Arquivo pessoal

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

29/03/2020 04h00

Luiza Leindecker vive dia e noite em Carazinho (RS) com uma cuidadora. Aos 101 anos, ela se entristece "com tanta gente morrendo", mas se apega à fé, reza um Pai-Nosso todas as noites "para todas as famílias" e acredita que vai ficar tudo bem.

O novo coronavírus faz vítimas principalmente entre os idosos, o que obriga a quem tem mais de 100 anos se cercar de cuidados. A limpeza é dobrada, as visitas são cortadas, e as raras caminhadas ficam para depois.

"Medo eu tenho, mas a gente tem que se cuidar. E na rua a gente não pode ir, porque é na rua onde estão distribuindo essa gripe", disse Luiza por telefone. Ela se acostumou a receber alguém da família todos os dias para bater papo e tomar o chimarrão de que tanto gosta, mas agora entendeu que a conversa com os familiares precisa ser pelo telefone.

"Estamos explicando a situação todos os dias, porque ela está sentindo muita falta. Então sempre ligamos e conversamos", conta a neta Renata.

Ontem ela até falou que estava com saudade, mas que entendia, que 'como está dando uma gripe muito forte nas pessoas', não tem como ir visitá-la"

Quem cerca Luiza de cuidados é Janete, contratada para prestar serviço para a idosa e que deixou a própria família para morar no trabalho. "Se eu for para casa, no caminho eu corro o risco de pegar esse vírus, levar para minha casa e depois ainda trazer para ela [Luiza]."

"Eu queria ter asas para voar até meus filhos"

Na pequena Janaúba, no extremo norte de Minas Gerais, Santa Maria passa seu tempo livre cortando verduras e lavando vagarosamente as próprias roupas. São dois costumes que permanecem dos tempos de moça, quando era lavadeira e ainda morava na roça. O nome é este mesmo, religioso como a dona de 102 anos.

"Ela é lúcida, mas não tem muita noção do perigo. Não pode sair para a rua sozinha, por exemplo", conta a filha Naldi.

Ela queria ir na cidade dos outros filhos dela. Eu falei que não poderia ir, e ela disse que queria ter asas para voar, para poder ir sozinha, e deu risada"

Santa Maria viveu a vida quase inteira na roça, mas se mudou para a cidade depois de perder o marido. Vive com outras três pessoas, todos acima dos 60 anos, o que exige movimentos calculados nestes tempos de pandemia. "Aqui na cidade não tem nenhum caso, só suspeita, mas todo mundo está ficando em casa. Liberamos a mulher que trabalha aqui, e agora estamos só nós", conta Naldi.

Aniversário solitário de 101 anos

Ermelina de Oliveira Rosa, a Dona Nenzinha, completou 101 anos no último domingo (22), em Vila Velha (ES), mas a festa teve que ser restrita: duas ou três pessoas, bolo no quarto e parabéns meio de longe, sem muito contato.

"Nós fizemos um bolinho para ela, eu coloquei perto dela e cantamos parabéns, só o filho dela e eu", conta a ex-nora, Maria Deltmann. "Estamos praticamente isoladas. Um filho meu mora aqui perto, e ele vai na rua para nós. Eu não saio em nenhum momento, por ela e por mim também. Não tenho saído nem por um segundo", diz.

Dona Nenzinha sofre de mal de Alzheimer. Até se lembra dos tempos em que fazia muitos doces, pudins e balas de coco, para comer em casa e para encomenda, mas já não consegue gravar na memória os acontecimentos recentes. "A gente até fala desta situação toda para ela, mas cinco minutos depois ela já esquece", diz Maria. Assim ela vive apartada do vírus, e até do medo dele.

Pedro Salustriano, 101 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Pedro Salustriano, 101 anos, e a neta Luma vivem quarentena juntos em Natal-RN
Imagem: Arquivo pessoal

Pedro Salustriano também ostenta 101 anos e vive à margem da pandemia de covid-19. "Ele não está a par do que está acontecendo. A gente evita passar certas informações para ele, por causa da idade", conta a neta Luma, que mora com o avô em Natal (RN).

Pedro vive com mais quatro pessoas, por isso não sente tanta falta dos demais parentes. Ex-barbeiro e pescador, tem a saúde boa e só um pouco de pressão alta —

mas controlada. Durante a pandemia de covid-19, vai ter que viver do quarto para a sala. "Ele não é muito de sair de casa, porque cansa muito fácil, então nisso não tivemos muito problema. Mas tivemos que cortar as visitas, redobramos a limpeza, estamos todos de quarentena e só saímos para comprar o que é necessário", diz a neta Luma.