Bolsonaro está absolutamente incorreto, diz professor de Medicina da USP
Resumo da notícia
- Miguel Srougi diz que governadores e ministro da Saúde frearam o que poderia ser pior
- Para um dos principais médicos do país, não sugerir isolamento é flertar com a morte
- O urologista diz que "falta sentimento e dignidade a quem desconsidera quarentena"
- Afirma, também, que se dependessemos das empresas, todos nós estaríamos mortos
Ao contrariar ações de importantes países do mundo diante da pandemia da covid-19, defender que a quarentena prejudicará a economia, não manter o próprio isolamento social e criar conflitos com governadores e membros do governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresenta uma postura "absolutamente incorreta". A opinião é de um dos principais médicos do Brasil, o urologista Miguel Srougi, 73, professor titular na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
"Existe uma disfunção política em um momento muito difícil para o Brasil e para o mundo na área de saúde. A simples ideia [de Bolsonaro] de não agir, sem isolamento social para impedir aglomerações de pessoas, pode ser preponderante para sabermos se vamos ter mil ou 10 mil mortes", afirma o urologista.
Segundo a avaliação do professor da USP, "tecnicamente, o que está sendo feito no Brasil é correto graças a governadores e a um ministro competente. Já a postura do presidente é absolutamente incorreta. Ele se sensibilizou com o apelo de grandes empresas de que não podiam parar e menosprezou vidas. Para ele, não faz diferença se vão morrer mais ou menos pessoas".
Médico do hospital Vila Nova Star, onde Bolsonaro ficou 10 dias internado em setembro do ano passado, Srougi é reconhecido por ter tratado políticos importantes enquanto trabalhava no hospital Sírio-Libanês, casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de sua ex-mulher, Marisa Leticia, do também ex-presidente Michel Temer (MDB) e do ex-ministro Ciro Gomes, entre outros.
Enquanto tratava o câncer na próstata de Paulo Maluf (PP-SP), em 2018, por exemplo, o médico afirmou que cuidava de todos seus pacientes sem fazer distinção da orientação partidária, política ou moral, como determina sua ética profissional. "Vejo no paciente uma pessoa que precisa de ajuda. E faço de tudo, tecnicamente, para ajudar meu paciente", comenta.
Para Srougi, o grave momento "requer um governo forte". Ele acredita que "mudanças profundas" vão ocorrer no planeta em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus. E não coloca as empresas como propulsoras desse processo.
O estado vai voltar a ter um papel muito grande, porque nessas horas é o governo que atua. Se dependêssemos das grandes empresas neste momento, todos nós iríamos morrer. Os ricos têm que ajudar os pobres, ou todos vão morrer.
Médico Miguel Srougi
"Se seguíssemos o que Bolsonaro sugere, surgiria um pico incontrolável, irreversível, e as pessoas morreriam nas calçadas. Ele entende que esse é um preço que a sociedade tem que pagar para salvar a estrutura empresarial. Há pessoas no governo que estão flertando com as trevas, com a morte, com tudo o que há de ruim", acrescenta o médico da USP.
A saúde versus a economia
Segundo Miguel Srougi, 20% das pessoas com coronavírus apresentam sintomas. Desses, 5% são obrigados a se internar, e entre 1% e 2% morrem. 80%, se apresentam sintomas, são baixos.
Além disso, o período de "incubação", ou seja, desde o momento em que o paciente teve contato com o vírus até apresentar sintomas, é de cinco a seis dias, em média, mas há casos que variaram entre dois e 24 dias.
"É uma doença importada. Sem dúvida, pegou a classe dos afortunados, que viajam mais. Agora já está comunitária, e aí atinge todo mundo. É triste saber que as pessoas mais simples são as que menos conseguem se isolar, com trabalhos informais, manuais e presenciais, e que não podem trabalhar com computador. Essas pessoas serão as mais atingidas", afirma.
Falta sentimento e dignidade a quem desconsidera quarentena.
Médico Miguel Srougi
Os médicos veem a pandemia sob dois aspectos: tentar evitar que as pessoas fiquem doentes para, depois, evitar que elas morram.
"O isolamento social reduz o pico inicial de casos de infecção e faz com que a curva de casos seja mais lenta. Como 5% dos doentes vão precisar de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), serão necessários mais leitos, caso não reduza a marcha", explica.
Para Srougi, o "lockdown" que está sendo feito em países da Europa, com o objetivo de isolar totalmente as pessoas, não é o ideal numa sociedade democrática. "Em países em que a população está acostumada com a liberdade, as pessoas sofrem muito com isso. E aí teremos, além dos problemas causados pelo vírus, problemas psicológicos e econômicos", aponta.
Países como Itália, França, Espanha e Inglaterra, que postergaram o isolamento social, iniciaram o lockdown quando perceberam que a curva de mortes estava muito acentuada. Para o Brasil, no entanto, o médico afirma acreditar que isso não será necessário.
"Deve continuar o que foi feito até agora, com distanciamento social, que vai reduzir o número de pessoas e preservar vidas emergencialmente. Mas isso não pode ser prolongado. O Brasil precisa comprar grandes lotes de exames e testar as pessoas", orienta.
A sugestão do médico é de que, após as pessoas serem testadas, as que estiverem com o novo coronavírus devem ser isoladas, tratadas e, depois, liberadas. As que não estiverem com coronavírus, liberadas para trabalhar. Mas isso com extrema organização, para que um infectado não transmita o vírus a um não infectado.
"Seria necessário isolar o estado e testar a população com o estado isolado. Em São Paulo, por exemplo, ninguém entra, ninguém sai, realiza-se o teste em todos. Após os resultados, apenas os doentes seguem isolados e vigiados. Isso até que chegue a uma solução, que é uma vacina ou um remédio", conclui o urologista da USP.
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