Crise de ansiedade e choro: paciente com covid-19 detalha isolamento
Resumo da notícia
- O vendedor Jhonatthan Perazzoli, 27 anos, vítima do novo coronavírus, chega à terceira semana de isolamento
- Ele faz um relato de como tem sido a sua rotina e o que tem feito para superar a doença
- Para controlar a ansiedade, Jhonatthan excluiu o Instagram; no Twitter, passou a seguir apenas páginas com vídeos e fotos de pets
- "Sempre que via, no Instagram, pessoas furando o isolamento, sentia um nó na garganta enorme. Era um retrato da irresponsabilidade", desabafa
- Psiquiatras afirmam que ansiedade e depressão podem se intensificar durante a pandemia devido ao isolamento
A solidão do vendedor Jhonatthan Perazzoli, 27, vítima do novo coronavírus, chegou à terceira semana. Desde que sentiu o primeiro sinal de falta de ar, durante um congresso do qual participava, está isolado em casa. Ele mora sozinho em Caxias, no Rio Grande do Sul, num apartamento de 75 m². O espaço, ele conta, foi adaptado para que pudesse tratar da covid-19 fora do hospital. Porém, isolado.
Quando a dificuldade para respirar começou, Jhonatthan relacionou o sintoma à asma e ao quadro intenso de rinite, que o acompanha desde os 11 anos. "Intensifiquei o remédio, mas nem ele nem a bombinha faziam mais efeito. Sempre que me deitava para dormir, me sentia sufocado. Por três dias seguidos, precisei dormir sentado", afirma, em entrevista ao UOL.
Logo em seguida, soube que duas pessoas com quem havia tido contato estavam com coronavírus. "Liguei para meu pai, que é médico, e ele recomendou que eu fosse até um posto de saúde fazer o teste".
Jhonatthan foi submetido a um exame de sangue, que deu positivo. Depois, passou pelo exame de biologia molecular (RT-PCR), com amostras de secreções das vias respiratórias, que confirmou o primeiro resultado.
"Quando o exame de sangue confirmou, entrei em desespero. Havia tido contato com várias pessoas. Fiquei com medo de ter infectado mais alguém e, então, passei a ligar e avisar uma a uma. Saí do atendimento médico, cheguei ao hotel em que estava hospedado, tomei alguns remédios que me foram receitados e, pela primeira vez em dias, minha falta de ar diminuiu", conta.
O pai de Jhonatthan saiu de Caxias e, de carro, foi até o Paraná buscar o filho — para evitar que ele enfrentasse aeroporto e multidões. O carro estava protegido. O pai dirigia de máscara e luvas — que trocava a cada três horas. "O álcool em gel, meu pai quase bebeu, de tanto que se lambuzou", diz.
Jhonatthan mora sozinho, mas, quando chegou à sua casa, se deparou com o apartamento preparado para recebê-lo — inclusive, o nebulizador (inalador) estava a postos. "Coisa de mãe, né?"
Ansiedade e solidão
Ali, ele não imaginava, mas começava a saga da ansiedade que veio junto com o diagnóstico de coronavírus. Intensificada, ele conta, pela obrigação de ficar só.
"Descreveria a primeira noite como o começo da aceitação. Foquei em aumentar minha imunidade, preparando refeições ricas em nutrientes. Minha mãe, maravilhosa que é, deixou feijão pronto. Então, só complementei. No primeiro dia, tentei ao máximo manter minha cabeça no lugar. Não durou muito".
No terceiro dia de confinamento, Jhonatthan teve sua primeira crise de ansiedade — motivada, ele conta, pela grande quantidade de informações sobre a doença às quais tinha acesso.
"Minha pressão caiu e comecei a ter dores de cabeça muito fortes. Voltei a ficar sem ar. Tentei repetir o que faço quando tenho crises de ansiedade: molhei a nuca com água gelada, coloquei um pouco de sal sob a língua e contei de 100 até um. Quando me perdia, recomeçava a contagem, e assim foi até parar de sentir meu coração acelerado. Aliviados os sintomas, veio a crise de choro. Desabei. Para me acalmar, coloquei a trilha sonora do filme 'Guardiões da Galáxia'. É uma música felizinha que, geralmente, me ajuda a parar de chorar."
Daí em diante, começaram as consecutivas iniciativas para evitar que a ansiedade batesse à porta de forma estarrecedora novamente. Jhonatthan excluiu o Instagram e, no Twitter, passou a seguir apenas páginas com vídeos e fotos de pets.
"Sempre que via, no Instagram, pessoas furando o isolamento, sentia um nó na garganta enorme. Era um retrato da irresponsabilidade de pessoas que colocavam o dinheiro na frente das vidas. Como sempre foi e sempre será, os incomodados que se retirem. Foi o que fiz. E foi a melhor coisa que poderia ter feito."
Não foi suficiente para que o restante do confinamento fosse tranquilo. Dias depois, ele soube que a prefeitura da cidade de Caxias cogitava reabrir escolas na semana seguinte. Pai de um menino de seis anos, logo pensou na possibilidade de o filho voltar a ter aulas e contato com outras crianças e, consequentemente, ser infectado. Então, veio a segunda crise.
Para combatê-la, o vendedor procurou atendimento psicológico online — desde o chamado até o atendimento, passaram-se quase duas horas. O contato, feito por WhatsApp, foi importante para que, então, conseguisse se acalmar. Logo, ele contatou a mãe de seu filho e fez um pedido: que o menino não voltasse à escola, por ora, caso o isolamento fosse afrouxado. Pedido acatado, a calma voltou.
Vizinha virou companheira
Os dias eram suficientemente duros para o vendedor. "Em seguida, tive outro surto. É difícil ficar em casa sem fazer nada, né? A cabeça fica vazia. Comecei a ficar preocupado porque minha mãe vinha todos os dias aqui e deixava coisas na minha porta. Pedi que ela passasse a mandar minha irmã no lugar, que não faz parte do grupo de risco. No último dia em que ela veio, comentou com a minha vizinha, que eu mal conhecia, que eu estava infectado. Tive uma surpresa maravilhosa."
A vizinha, que não pôde parar de trabalhar por ser funcionária de um supermercado, se ofereceu para, todos os dias, conversar com Jhonatthan. Ao chegar do trabalho, ela senta no chão, na porta de sua casa, enquanto ele se aninha em seu cantinho, e os dois conversam.
"Ela [a vizinha] me conta sobre seu dia, eu conto sobre o meu, e não tenho palavras para agradecer o apoio que ela tem me dado. Isso mudou minha recuperação."
Ainda assim, ele sofre com a falta do filho, que costumava ver fim de semana sim, outro, não. As ligações em vídeo passaram a acontecer diariamente.
"A saudade é gritante. Quando fico muito triste, a gente assiste a um filme na Netflix juntos — eu, aqui, e ele, lá; ou então, o ajudo a estudar inglês por WhatsApp. Esses dias liguei, e ele estava vestindo uma camiseta que eu dei; me disse que era a preferida dele. Aí já viu, né, desabei de chorar. Mas logo passou."
Programação para o dia ajudou
Jhonatthan é medicado com hystin, paracetamol + cloridrato de pseudoeferdrina e nebulização com cinco gotas de bromidrato de fenoterol, 20 gotas de brometo de ipratropio. De 12h em 12h, toma mais um xarope que trata a rinite, devido a um sangramento no nariz.
"O mais difícil foi manter a rotina. As medicações me deixavam sonolento, por isso ia dormir de manhã e acordava no fim da tarde. Era ruim. Foi quando decidi criar uma programação para o meu dia. Acordava e, depois de tomar mate, tentava cozinhar algo para me distrair, ler poemas, assistir a todas as séries que tinha parado. Antes de dormir, colocava música clássica para tocar. Me ajudava a relaxar."
"Com esse planejamento, as crises foram diminuindo, já que eu tinha uma programação para seguir, então, não focava em estar doente. Além disso, meus amigos têm um papel essencial na minha recuperação. Como eu preciso fazer a nebulização de madrugada, eles revezam quem fica acordado a cada noite, para que eu não me sinta sozinho. Todos me ligam sempre, e um deles tem a chave da minha casa para caso aconteça algo", afirma.
Quadro de ansiedade generalizado
Segundo o psiquiatra e mestre em transtornos de humor pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Glauber Higa Kaio, quadros de ansiedade e depressão podem, sim, se intensificar durante a pandemia de coronavírus devido ao isolamento — que é algo necessário.
Em entrevista o UOL, o especialistas explica que, além da solidão, existe o fator de a covid-19 ser uma doença nova e desconhecida, o que faz com que as pessoas não saibam com o que podem vir a lidar.
"Tem um círculo vicioso, que é: a pessoa está ansiosa com esse monte de informação e, por isso, tem dificuldade para dormir. Por causa da falta de sono, os hormônios ficam desregulados, e ela passa a se sentir ainda mais triste. Além disso, passam a fazer menos exercícios físicos, o que também contribui para a piora do humor"
Glauber Higa Kaio, mestre em transtornos de humor
Apesar de acreditar que os distúrbios psicológicos se agravam durante a pandemia, Higa diz não saber quantificar o tamanho do estrago: "Tendo a achar que, futuramente, pode haver mais pessoas com transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo, como aconteceu em outros países depois de crises de saúde".
"Um terço das pessoas no Canadá que ficaram em quarentena em 2003, por causa da SARS, passou a apresentar sintomas depressivos; enquanto outro um terço, sintomas de TEPT (transtorno do estresse pós-traumático)", explica.
"Um estudo francês de 2012 avaliou, ainda, pessoas que sobreviveram ao SARS, associado ao H1N1, mas ficaram internadas na UTI. Mais de 50% delas apresentavam sintomas de ansiedade; um quarto apresentava sintomas de depressão, enquanto mais de 40% apresentavam sintomas de TEPT. Acredito que isso se repita com o coronavírus."
Para amenizar os efeitos da ansiedade, a médica psiquiatra pela Harvard Medical School Ana Paula Carvalho sugere: ligações em vídeo com amigos e familiares.
"Distanciamento social não significa isolamento. As pessoas podem e devem se manter conectadas."
Ana Paula Carvalho, médica psiquiatra
"Quem tem o vírus e precisa ficar isolado pode fazer, para amenizar a tensão, meditação ou algum exercício de relaxamento. Sugiro ouvir músicas que transmitam sensações boas, assistir a uma série ou a um filme de comédia para haver distração. Também é recomendado evitar a avalanche de informações. Escolha se informar em apenas um período do dia, por um jornal ou portal de notícias confiável. Evite ler o tempo todo sobre o assunto. Com essas medidas, a solidão e, portanto, a ansiedade, começam a diminuir."
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