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119 são monitorados no RS após vítima de covid ser velada em caixão aberto

Terra de Areia, no RS - Reprodução/Prefeitura de Terra de Areia
Terra de Areia, no RS Imagem: Reprodução/Prefeitura de Terra de Areia

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, de Porto Alegre

19/04/2020 16h37

Um homem de 52 anos foi velado em caixão aberto por mais de cinco horas na última quinta-feira (16), em Terra de Areia, no Rio Grande do Sul. Horas após a cerimônia, a prefeitura recebeu resultado do exame, atestando que a morte foi causada por covid-19. A enteada do homem e a funerária afirmam que não sabiam da suspeita de coronavírus. Mais de cem pessoas passaram a ser monitoradas após o resultado do exame.

"Em nenhum momento falaram que ele era um caso suspeito do coronavírus. A gente achou que eles fizeram o exame por causa da apneia. Ele fazia uso de bombinha para falta de ar há três anos. Nenhum médico disse que [a gente] não poderia ter contato [com o corpo], que não poderia ter velório", conta a enteada Juliana Marques, 27.

O Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres (RS), onde ocorreu a morte, disse que informou a família sobre a suspeita de covid-19 e etiquetou o corpo para que a funerária estivesse ciente do risco biológico.

O repositor de supermercado Sergio Cardoso de Quadros, 52 anos, morava em Arroio do Sal, cidade vizinha a Terra de Areia. Em 6 de abril, ele sofreu um infarto e procurou atendimento no Centro de Saúde 24 horas da cidade. "Tiraram água do pulmão dele e deram alta. Em momento algum ele teve dor no corpo, e ele não teve sintomas gripais", contou Juliana.

Quatro dias depois de ter alta, Quadros voltou a passar mal e procurou atendimento no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, a 35 quilômetros de distância. Inicialmente ele ficou na emergência da Casa de Saúde e depois foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), em estado grave. De lá, não saiu mais. Por volta da 1h de quinta-feira (16), a família foi informada sobre a morte.

A família tentou fazer o enterro em Arroio do Sal, mas não conseguiu espaço no cemitério local. Por isso, optou por Terra de Areia, onde mora a enteada. Segundo Juliana, cerca de 40 pessoas participaram do velório. Na cerimônia, máscaras e luvas foram distribuídas pelos familiares —apesar de eles não saberem da suspeita de coronavírus. Além disso, havia álcool em gel em abundância.

Participaram do velório pessoas de outras três cidades gaúchas, além de Arroio do Sal e Terra de Areia: Três Forquilhas, Itati e Capão da Canoa.

Em Terra de Areia, 89 pessoas estão sendo monitoradas, conforme o médico Rodrigo Vieira, responsável pelo Comitê de Enfrentamento da covid-19 em Terra de Areia. Por enquanto, nenhuma apresentou os sintomas. O médico explica que essas pessoas foram à cerimônia ou tiveram contato com quem esteve no local. "Queremos evitar que tenha um surto na cidade", conta o médico, que observa que, antes do velório, apenas oito pessoas eram monitoradas na cidade.

Em Arroio do Sal, pelo menos 30 pessoas estão sendo monitoradas —15 delas funcionárias do supermercado onde Sérgio trabalhava. Segundo o secretário de saúde Diego Feldmann, uma pessoa apresentou tosse e coriza, mas não teve febre. Por enquanto, ela segue sendo monitorada, mas sem necessidade de internação. "Esses sintomas já vinham antes do funeral", disse o secretário.

Somadas essas duas cidades, são pelo menos 119 pessoas monitoradas. A reportagem do UOL tenta contato com as outras três cidades.

"Não iríamos colocar nossa vida em risco", diz funerária

Dentre os monitoradas em Terra de Areia estão o proprietário da funerária, que pediu para não ser identificado, e sua companheira. Além dos médicos, o casal foi quem teve mais contato com o corpo, após a saída do hospital. O proprietário relata que não foi avisado pela casa de saúde que se tratava de um caso suspeito de coronavírus.

"Não havia etiqueta alguma. Eu trabalhei com o documento que eu tinha, que era o atestado de óbito. Eu e minha esposa tivemos maior contato com o corpo, não iríamos colocar nossa vida em risco", disse.

Na certidão de óbito consta que a causa da morte foi "choque séptico, pneumonia comunitária grave, doença pulmonar obstrutiva crônica, cardiopatia isquêmica. Tipo de morte: natural".

Devido à situação, o dono da funerária deixou de trabalhar e está em quarentena de 14 dias, junto com a esposa. "Não posso trabalhar. Tive que contratar alguém para colocar no meu lugar", afirmou.

atestado de óbito - Reprodução - Reprodução
Certidão de óbito de Sergio Cardoso de Quadros
Imagem: Reprodução

"Fomos informados que era um caso suspeito", diz secretário

O secretário de saúde de Arroio do Sal, Diego Feldmann, diz que foi informado pelo hospital que o caso de Quadros se tratava de uma suspeita de coronavírus no momento da internação. Para o titular da pasta, a menção de "pneumonia comunitária grave" na certidão de óbito é um indicativo para a covid-19. "O médico não poderia colocar suspeita de coronavírus. Vai que não era? O médico se resguardou", disse.

Para o secretário, a confusão ocorreu após a morte. Além disso, Feldmann acredita que alguns membros da família podem não ter sido informados da suspeita de coronavírus. A secretaria solicitou o prontuário médico do paciente e ainda as orientações repassadas para a funerária.

Hospital diz que informou autoridades e família

Procurado pela reportagem, o hospital afirmou que tanto a família da vítima quanto a Secretaria de Saúde foram comunicados de forma "imediata" sobre a suspeita de coronavírus após a coleta do amostra para o exame. Segundo o hospital, durante o período de internação, o paciente "estava em precaução de contato e de gotícula, e foi mantido em ambiente isolado, respeitando-se todas os protocolos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da OMS (Organização Mundial da Saúde)".

Ainda segundo o hospital, após a morte, o corpo da vítima recebeu uma etiqueta informando que havia risco biológico por causa da suspeita de covid-19.