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Imigrante haitiana, gestante contraiu coronavírus durante internação em SP

Joanneda Renaud, de 24 anos - Arquivo pessoal
Joanneda Renaud, de 24 anos Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

25/04/2020 04h00Atualizada em 27/04/2020 07h58

Uma imigrante haitiana de 24 anos foi infectada pelo novo coronavírus dentro da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de uma maternidade em São Paulo e está internada em estado grave no Hospital das Clínicas. Sua família agora luta para vencer as barreiras linguísticas e ao menos obter notícias da gestante.

Em 17 de março, Joanneda Renaud estava com vômitos e procurou a maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste da cidade. O sintoma é comum no início da gestação, mas pode levar a complicações — como aconteceu com ela. Renaud não apresentava sinais de covid-19. Em 16 de abril, após 30 dias internada, Renaud, com febre, recebeu o resultado de um teste confirmando a infeção pelo coronavírus.

Ao longo de um mês de internação, Renaud só deixou a UTI do hospital, administrado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em duas circunstâncias. Primeiro, foi levada a um hospital onde pudesse realizar uma tomografia, depois que sua condição piorou. A maternidade não possui o equipamento, utilizado também na confirmação de diagnósticos de covid-19.

A segunda saída aconteceu na última terça-feira (21), quando ela foi transferida para a UTI do Hospital das Clínicas, unidade de referência para casos de coronavírus. Desde então, a família não consegue informações precisas sobre as condições de Joanneda.

Barreira linguística

Joanneda Renaud mora há dois anos no Brasil. Ela trabalha como auxiliar de limpeza e vive com o namorado, também haitiano. Os dois têm dificuldade para se comunicar em português, conta ao UOL seu irmão, Eddy Renaud. A barreira linguística e a falta de compreensão sobre o sistema de saúde brasileiro dificultam a busca por notícias no hospital.

"Quando somos estrangeiros, às vezes sofremos muito preconceito, porque a gente não sabe como funciona a lei no Brasil. Imagina um caso desses. Eu estou tentando conversar com o pessoal responsável pelo hospital onde ela estava, mas não quiseram conversar comigo. Se fosse um brasileiro, isso não aconteceria. Você sabe, nós que somos negros, você sabe como funciona, tem um pouco de preconceito. Eu não ligo, mas quando acontece algo tenho que cobrar meus direitos", diz o irmão.

Eddy trabalha como metalúrgico e mora há quatro anos no Brasil. Ele conta que está tentando ligar para o Hospital das Clínicas, mas reclama que o sistema telefônico do serviço de saúde é "igual desbloquear cartão", com indicações para quem em está na linha: "apertar o 1, apertar o 2". "Ninguém quer dar informação para mim", diz.

Hospital não encontrou Joanneda nos registros

Procurado pela reportagem, o Hospital das Clínicas inicialmente afirmou que não havia encontrado o nome da paciente nos registros. Após a publicação do texto, a instituição afirmou que está "tentando contato com familiares desde a chegada da paciente ao hospital com os telefones que foram obtidos".

A nota também diz que Renaud está na UTI, "onde segue sendo acompanhada por equipe multidisciplinar".

A secretaria estadual de Saúde, que administra o Leonor Mendes de Barros, confirmou que Joanneda foi transferida para o Hospital das Clínicas. Em nota, o órgão diz que a paciente deu entrada na maternidade em 17 de março, "com náuseas e com problemas hepáticos".

"[Ela] foi prontamente internada na UTI, medicada e mantida com nutrição para tratamento do mal estar da gestação. Houve melhora em seu quadro clínico e a unidade providenciou exames para investigação diagnóstica em serviços de referência, como tomografia e ressonância, além do teste para covid-19, que teve resultado positivo. Por isso, a paciente foi transferida para o Hospital das Clínicas, serviço de referência para casos da doença", relata a secretaria de Saúde.

A nota ainda informa que a maternidade funciona de "porta aberta" para qualquer paciente que procure o serviço, incluindo casos suspeitos de coronavírus. Também diz que, "desde 20 de março, o Ministério da Saúde declarou que o país está em transmissão comunitária nacional, portanto, a transmissão do vírus independe do ambiente hospitalar" e, por isso, é inadequado "associar a assistência da sra. Joanneda à infecção pelo coronavírus".

Entretanto, Joanneda, como a própria secretaria confirma, chegou ao hospital três dias antes da resolução do Ministério da Saúde.

Em 17 de março, o Brasil registrou a primeira morte por coronavírus, em São Paulo, e havia 164 infectados no estado. O exame dizendo que a haitiana estava com covid-19 só veio após um mês de internação, em 16 de abril, dia em que o país já tinha mais de 30 mil casos confirmados — 11,5 mil deles em São Paulo, na ocasião.

"Ela não entrou com a doença. Se está com covid, pegou no hospital", afirma Eddy Renaud.

Leia a íntegra da nota da Secretaria de Saúde:

O Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros informa que a paciente Joanneda Renaud deu entrada na unidade no dia 17 de março, com náuseas e com problemas hepáticos. Foi prontamente internada na UTI, medicada e mantida com nutrição para tratamento do mal estar da gestação.

Houve melhora em seu quadro clínico e a unidade providenciou exames para investigação diagnóstica em serviços de referência, como tomografia e ressonância, além do teste para COVID-19, que teve resultado positivo. Por isso, a paciente foi transferida para o Hospital das Clínicas, serviço de referência para casos da doença.

O hospital funciona de "porta aberta" e, assim, acolhe todo e qualquer paciente que dá entrada no serviço - incluindo casos suspeitos de coronavírus, mesmo não sendo referência para tratamento da doença. Nesse sentido, segue todos os protocolos assistenciais para proteção dos pacientes e profissionais, tendo inclusive readequado espaços para maior prevenção de todos.

O unidade está abastecida com EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e seus profissionais estão capacitados para paramentação e atendimento a qualquer paciente.

É importante reforçar que desde 20 de março, o Ministério da Saúde declarou que o país está em transmissão comunitária nacional, portanto, a transmissão do vírus independe do ambiente hospitalar, visto que pessoas mesmo assintomáticas podem estar infectadas. Portanto, não é adequado associar a assistência da Sra. Joanneda à infecção pelo coronavírus.