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Mortes por doenças respiratórias em Manaus sobem de 174 para 1.181 em abril

Enterro coletivo é feito em cova aberta por trator no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo - 27.abr.2020
Enterro coletivo é feito em cova aberta por trator no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo - 27.abr.2020

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/05/2020 04h00

O caos nos sistemas de saúde pública e funerário de Manaus esconde em seus registros uma explosão de mortes por causas respiratórias em abril. Nos 28 primeiros dias do mês passado foram 1.181 óbitos por essas causas contra 174 no mesmo período de 2019. Uma alta de 578%.

De 2019 para 2020, apenas um agente etiológico novo em circulação explica esse salto: o coronavírus. Entretanto, apenas pouco mais de uma em cada quatro mortes tiveram covid-19 indicada como causa em seus registros de óbito (303 ao todo), o que deixa no ar a suspeita de subnotificação.

Em termos percentuais, uma outra comparação causa ainda mais surpresa: as causas respiratórias responderam por 50,4% dos óbitos da capital amazonenses, quase o dobro de abril de 2019 — quando essas mortes foram 25,9% do total.

Os dados analisados pelo UOL fazem parte dos 2.341 registros de óbito emitidos em cartórios civis de Manaus entre os dias 1º e 29 de abril deste ano e foram disponibilizados até às 13h de ontem no portal da transparência produzido pela Arpen Brasil (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais).

Os números deste ano, entretanto, ainda devem variar para mais já que os cartórios têm até cinco dias para efetuar o registro de óbito, e depois mais oito dias para enviar o ato à Central Nacional de Informações do Registro Civil.

"Os atestados registram como doenças respiratórias e causas indefinidas. Não consigo entender como uma pessoa entra no hospital e sai morta sem saber qual é a causa. Eu traduzo isso como covid-19", disse em entrevista ao portal da cidade o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), na terça-feira.

Fora as mortes com diagnósticos de covid-19, as demais foram registradas pelos médicos com causas genéricas de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), insuficiência respiratória ou pneumonia —ou seja, sem o agente infecciosos.

Boa parte disso se explica porque entre 30 a 40 mortes ocorreram em casa por dia em Manaus, ou seja, antes de as pessoas conseguirem socorro ou atendimento. Sem exames, o médico não pode apontar o fator causador.

Segundo a Prefeitura de Manaus, 140 sepultamentos foram registrados nos cemitérios públicos da cidade somente no último domingo. Dessas, 41 morreram em casa. A média de enterros superou cem a semana inteira. Antes da pandemia, diz a prefeitura, essa média era de 20 a 30 ao dia.

A reportagem do UOL também comparou as mortes já registradas nesse mês com as de abril nos últimos cinco anos. Como não há no portal a especificação das causas dessas mortes até 2018, não é possível comparar por tipo.

Mas somente as mortes por causas respiratórias este ano ultrapassam o maior número de óbitos registradas em todo um mês de abril (que havia sido em 2016, com 417 mortes registradas).

Pico ainda não chegou, diz cientista

Para tentar entender o comportamento do vírus, o UOL ouviu dois pesquisadores. O cientista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia na área de virologia e biologia molecular, Felipe Naveca, foi o primeiro a fazer o sequenciamento genético do novo coronavírus no Norte e afirmou que um dos pontos que mais contribuiu para o grande contágio da covid-19 foi o descrédito da própria população.

"As pessoas demoraram muito a realmente acreditar no isolamento social. A gente viu muito aqui em Manaus bairros que mantinham grandes aglomerações, e hoje a gente está pagando por isso", explica.

Para tentar entender o comportamento do novo coronavírus no Amazonas, e se há uma eventual maior taxa de mortalidade no estado, Naveca vai estudar eventuais mutações que expliquem casos serem mais graves ou não.

"O que nos atrasa é porque estamos sobrecarregados ajudando para poder desafogar os diagnósticos no estado. Precisamos parar as pesquisas, mas estamos juntando várias amostras para saber se têm variações entre os vírus que foram muitos graves e causaram mortes daqueles que levaram a curso moderado a leve".

Ainda segundo o pesquisador, Manaus ainda teve um agravante: a circulação de outros vírus respiratórios. "De dois anos para cá a gente tem visto a circulação do Influenza B, Por exemplo, que não era tão comum. Se você pegar agora, temos um cenário potencialmente com ele e até outros vírus", conta.

O infectologista Bernardino Albuquerque, que é professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e pesquisador Fiocruz Amazônia, assegura que que existe uma subnotificação nos casos.

"Hoje, o que se tem registro de casos com confirmação do laboratório é um percentual pequeno perto do que está ocorrendo", diz.

O professor confirma que o número de mortes por causas respiratórias já vinha crescendo desde novembro do ano passado no estado, quando começam a aparecer as viroses no estado.

"Tivemos a partir de novembro do ano passado uma ocorrência bastante alta de SRAG, cuja a pesquisa laboratorial da etiologia demonstrou ser outros vírus. Mas no início de março tivemos já o diagnóstico da covid-19 em Manaus, e nós tivemos, com certeza, um somatório de casos de vírus respiratórios. Foi uma sequência de acontecimentos também que determinaram essa situação atual", diz.

Para explicar as mortes de abril, Albuquerque também cita que a cidade, por receber um grande número de estrangeiros, pode ter recebido o vírus antes da data inicial de confirmação (23 de março). Isso poderia ter feito o vírus circular silenciosamente.

"Manaus é uma cidade extremamente vulnerável, que tem um grande parque industrial, com empresas do Oriente, da Europa, que estão aqui instaladas, com trânsito de pessoas muito grande. Nós não temos a certeza de que isso realmente tenha influência [na covid-19], mas possivelmente sim. Talvez até tenhamos casos antes, mas só estudos retrospectivos podem demonstrar isso, não há nenhuma comprovação ainda", afirma.

Além disso, a carência de estrutura da cidade também é determinante. "Temos um sistema de saúde que não estava preparado, que não se preparou para uma demanda tão grande como essa. Temos ainda aqui uma situação muito complicada, que é a logística. E uma grande preocupação é que o vírus está saindo da capital e chegando em municípios do interior com estruturas precárias e que, consequentemente, deve aumentar essas mortes porque a única opção de tratamento para doentes graves é Manaus", afirma.

Apesar das mortes em grande número, o professor ainda não vê Manaus vivendo o pico da epidemia de covid-19. "Fazendo uma análise inicial de óbitos, vamos ter umas duas ou três semanas para chegar ao pico", prevê.