"É ruim andar pelo hospital e ver colegas chorando", conta infectologista
Há 20 dias, Carolina, mulher do neurologista infantil da Santa Casa, Vinícius Spazzapan, deu à luz o pequeno Caetano, filho mais novo do casal, que ainda têm Cecília, de 1 ano e sete meses. Formado na Famema (Faculdade de Medicina de Marília), ele atua na Santa Casa da Santa Cecília, região central da capital paulista. Sua família se mudou temporariamente para uma chácara, enquanto ele fica sozinho em casa, sem a presença de seus familiares.
Na linha de frente no combate à covid-19 — doença causada pelo novo coronavírus, Vinícius é mais um entre profissionais de saúde que têm sofrido com a distância da família e de amigos. Para o neurologista se tornou "atormentador" ter de ficar longe de tudo e de todos enquanto atua contra a crise.
A mulher, grávida, e a filha pequena se afastaram no início da pandemia, quando ele teve gripe. Sem conseguir fazer o teste da covid-19 na ocasião, inclusive na rede particular, a própria esposa de Vinícius levantou a questão de um isolamento mais rígido.
"Muita saudade deles. Há dias não temos nenhum contato presencial. Estamos baseados num fundo de medo. Já perdi dois colegas de profissão por causa da covid-19, isso favorece mais a ansiedade e aumenta a pressão", comentou Spazzapan.
No nascimento de seu filho, o neurologista solicitou alta precoce, para que sua esposa e bebê não ficassem expostos ao vírus.
Fizemos todo um movimento para diminuir chances de infecção e diminuir contato, em hospital é impossível não ter esses riscos. Estou perdendo os melhores momentos do meu filho recém-nascido, a amamentação, de trocar uma fralda, da minha filha que está crescendo. Tudo isso é triste, você acaba se tornando uma pessoa mais robotizada.
Não há heróis, e sim seres humanos
Sem voltar para casa há 4 meses, o médico infectologista Luiz Francisco D'Elia Zanella, atua na rede pública e particular do estado de São Paulo. Para ele, a covid-19 tem sido uma doença cruel, pela velocidade que atinge diversas pessoas, e como tem mexido com o comportamento da sociedade.
"Vendo tudo isso, a gente fica em dúvida de como e quando vai ver seu familiar. Muita angústia. Na semana passada eu dei a notícia de uma senhora que morreu, o neto foi receber a informação, na semana anterior ele tinha enterrado o pai e a tia por causa da covid-19. Muita tristeza. Uma avalanche na sua vida, carregando tudo de uma vez", comentou Luiz.
O termo herói, para o infectologista, eleva a pressão aos profissionais de saúde, os afastando da figura do ser humano.
A figura do herói invencível, sempre disponível, não existe. Não há herói. Somos profissionais capacitados por anos de estudo, e por trás tem um ser humano que atua, graças à capacitação. E que também tem seus familiares em casa, com medo de adoecer. É o profissional de saúde que está de frente com o inimigo. Mas quando nos colocam como heróis, a figura humana se afasta da gente.
Luiz Francisco D'Elia Zanella, médico infectologista
Médico também tem medo
A distância da família mostra que os profissionais de saúde, mesmo atuando com base em estudos e na ciência, também estão com medo da pandemia, sem excluir especialidade, desde enfermeiros e técnicos até médicos.
"A gente se pergunta como estão nossos familiares, nossos amigos. É um sofrimento. Há cuidado de não expor os nossos familiares, principalmente daqueles mais velhos com histórico de doenças. Meus pais são hipertensos, minha avó é hipertensa. Você não poder vê-los, abraçá-los, é muito difícil. Fico angustiado, sem saber o que está acontecendo", comentou Zanella.
O isolamento social é defendido pelo infectologista. Que também pede um governo que encare a ciência como prioridade no país.
"Essa afrouxada que alguns estão dando agora, vai ser visto em duas semanas, os hospitais estão cheios sim. Não é o momento para saírem do isolamento. As pessoas têm de entender isso. Não é a hora de colocar família e amigos em risco. Temos de estar preparados. Imagina os colegas profissionais de Manaus, com a situação que estão vivenciando lá. Com certeza vão precisar de apoio psicológico e da sociedade. A ciência deveria ser prioridade para o governo do nosso país", completou o infectologista.
"Pânico tomou conta do hospital"
Natural da Bahia, o infectologista Ícaro Santos Oliveira conta que o preparo psicológico é primordial para atender pacientes infectados, passar tranquilidade aos familiares, e acalmar colegas profissionais de saúde que estão lidando com o medo e com a distância de suas famílias.
"É uma doença que gera diversas perguntas. Há momentos de muita pressão para lidar com isso, pois é tudo novo para gente. Apesar da angústia, temos de manter o equilíbrio para nos mostrarmos tranquilos. Estamos lidando com um invisível. A nova geração da medicina nunca atuou com uma pandemia dessa proporção", disse o infectologista ao UOL.
O pânico tomou conta do hospital. A ansiedade é grande a fragilidade é enorme por causa das incertezas. Não sabemos quando isso vai acabar. Não temos nada a respeito do tratamento. Tenho de lidar com essa angústia também. É ruim, ter de andar pelo hospital e ver colegas profissionais chorando por estarem longes de suas famílias, por receio, por medo.
Ícaro Santos Oliveira, médico infectologista
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