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Corredores treinam junto a hospital de campanha e irritam enfermeiros

Corredores praticam esporte em frente a hospital de campanha e irritam enfermeiros - Felipe Pereira
Corredores praticam esporte em frente a hospital de campanha e irritam enfermeiros Imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

17/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Esportistas praticam corrida no estacionamento em frente ao hospital de campanha do Pacaembu, atitude que irrita enfermeiros
  • Eles consideram falta de respeito estarem se arriscando e pessoas deixarem o isolamento social para fazer exercício em frente a um hospital
  • O vigilante disse que todos os dias são os mesmos frequentadores no local e há até grupos de corrida

Em frente ao Hospital de Campanha do Pacaembu, em São Paulo, a quarentena parece não se aplicar aos tênis de corrida. Seus donos agem como se o estacionamento do estádio que virou hospital fosse área de exceção ao isolamento social. E tênis de corrida é igual a banda, nunca se apresenta sozinho. Sai de casa com os companheiros fone de ouvido, porta-celular ou pochete e camisetas de provas de rua.

Os enfermeiros que trabalham no hospital de campanha se sentem ofendidos com a pessoas praticando esportes no local. Uma profissional reclamava que sua equipe se desdobra o dia inteiro para entregar remédios, monitorar parâmetros de saúde e orientar pacientes. Mesmo trabalhando muito, o serviço parece nunca ter fim. Ela explica que, se dez pessoas recebem alta, é certeza que outras dez chegarão.

Aplicando a lógica dos tênis de corrida, é como se o atleta corresse e a linha de chegada recuasse, ficando mais longe. Os dados oficiais dão razão à enfermeira. O número de pacientes do hospital de campanha do Pacaembu se aproximou de 150 no primeiro dia do mês e, desde então, sofre pequenas variações. Ontem, eram 159 pessoas.

Um enfermeiro que também não quis revelar o nome considera as corridas absoluta falta de respeito. Justifica que uma pessoa já morreu no hospital de campanha e todo o cuidado é tomado para este fato não se repetir.

Mas ele diz que é como se habitasse dimensões diferentes. Na unidade de saúde, trava uma briga contra a morte. Quando saí, vê pessoas alheias a todo o esforço.

Pessoas continuam usando o Pacaembu como local de lazer

O Pacaembu recebeu jogos da Copa de 1950. Ao longo das décadas, seu estacionamento tomou ares de praça. A grande área plana e asfaltada serve para crianças aprenderem a andar de de bicicleta, gente se equilibrar em skates, adultos fazerem pegas de autorama e corredores suarem.

Se o estádio abriu uma exceção à sua vocação para o futebol em tempos de covid-19, os frequentadores não mudaram os hábitos.

Fazia 16 graus no começo da noite de ontem e um senhor estava naquela fronteira em que não se sabe se a pessoa está caminhando muito depressa ou correndo muito devagar. Numa tradução livre, poderia ser chamado de velocidade de trote paquera, quando um casal sai de casa para namorar fazendo exercícios.

O homem podia não ter velocidade, mas o quesito resistência era seu forte. Ele passou no mesmo ritmo muitos minutos depois de dar uma volta ao redor do estádio. A cadência dos passos, movimento dos braços e expressão no rosto era a mesma. Um déjá vu só podia ser desconsiderado porque agora havia uma cola de suor na camiseta cinza.

O vigilante que controla a entrada dos carros no estacionamento conta que o senhor está ali todas as tardes. Diz ainda que os frequentadores são os mesmos todos os dias.

A maioria faz esporte sozinha, mas existem grupos de corrida. E andar em bando aumenta a exigência do treino. Um homem que se comportava como líder de pelotão se dirigia aos demais desafiando os amigos a acompanhar seu ritmo na subida do morro na rua que passa ao lado do estádio.

A situação leva o vigilante a filosofar sobre o egoísmo humano e a capacidade de enxergar somente o próprio umbigo. Ele acredita que parcela da população só vai mudar os hábitos quando a covid-19 acontecer com alguém da família.

Se dependesse dele e dos enfermeiros, cada tênis de corrida seria recebido com a vaia dirigida aos times visitantes em dias de jogos no Pacaembu.