Com recorde de mortes no século, RJ vê óbitos em casa crescerem 90% em maio
O colapso na rede de saúde pública por conta da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, fez com que maio se tornasse o mês com mais cariocas mortos neste século. A falta de vagas e o medo de procurar hospitais em meio à pandemia fez com que o número de pessoas que morreram em casa na cidade do Rio de Janeiro crescesse 90% em maio.
Segundo dados do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade) do Ministério da Saúde, o Rio teve 10.227 mortes em maio —número 93,4% acima da média mensal nas últimas duas décadas. A falta de assistência adequada se reflete também no número de pessoas que morreram em suas próprias casas. Foram 1.561 óbitos nessa situação, contra 820 no mesmo período de 2019.
Os dados consideram todos os óbitos registrados na capital, independente da causa, desde janeiro de 2000. Esses registros são reportados pela SMS (Secretaria Municipal de Saúde). De acordo com especialistas ouvidos pelo UOL, o crescimento expressivo no número de mortes durante a pandemia é resultado do colapso da rede, o que aumenta a vitimização por todas os problemas de saúde, e não só pela covid-19.
O crescimento já havia sido expressivo em abril, quando 8.692 cariocas tinham perdido a vida —recorde absoluto até então. No mês em questão, 1.282 pessoas morreram em casa.
Antes do início da pandemia, a maior letalidade em um único mês havia ocorrido em junho de 2016, quando 6.412 pessoas morreram no Rio.
Segundo dados do Portal de Transparência de Registro Civil, 8.730 morreram de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em maio na capital fluminense. Já em abril, essas doenças respiratórias vitimaram 7.056 pessoas. As informações são coletadas através dos atestados de óbito, de vítimas de gripes, pneumonias e covid-19.
Problemas em hospitais de campanha
Para o médico sanitarista Daniel Soranz, pesquisador da Fiocruz e ex-secretário municipal de Saúde do Rio, dois fatores levaram aos níveis de mortalidade inéditos registrados em abril e maio: o baixo índice de isolamento na cidade e falhas na preparação da rede pública para a demanda adicional nas três esferas governamentais, com a opção de construir hospitais de campanha em vez de habilitar leitos já disponíveis em unidades municipais, estaduais e federais.
"Foi o pior cenário possível porque não se conseguiu achatar a curva. Além disso, os hospitais de campanha não ficaram prontos a tempo, e as pessoas morreram sem assistência à saúde. No auge da pandemia, chegamos a ter 150 pacientes na fila por um leito", afirma.
O governo do estado planejava inicialmente inaugurar nove hospitais de campanha para enfrentar a pandemia. Dois deles operados por uma rede privada de hospitais e outros sete através da contratação da OS (Organização Social Iabas) por R$ 770 milhões. No entanto, esse contrato foi o pivô do escândalo de corrupção envolvendo diretamente o governador Wilson Witzel (PSC) e a primeira-dama Helena Witzel, alvos da Operação Placebo.
Apenas duas unidades —no Maracanã e em São Gonçalo, na região metropolitana— foram inauguradas, mas funcionam com um número de leitos abaixo do contratado. Já a Prefeitura do Rio inaugurou um hospital de campanha no Riocentro, na zona oeste. Entretanto, no fim de maio apenas 183 dos 500 leitos podiam funcionar.
Nos hospitais federais, 1.243 dos 2.803 leitos existentes estavam fechados por falta de pessoal, equipamentos, obras ou outros problemas operacionais.
Na segunda-feira (23), a cidade do Rio de Janeiro chegou a 6.000 mortos pelo coronavírus, com 52.325 casos confirmados. É o segundo município mais afetado pela doença no país, atrás apenas de São Paulo.
Medo de contrair doença e procedimentos cancelados
Soranz afirma que, segundo dados oficiais, em abril e maio cerca de 2.000 pessoas morreram nas salas amarelas e vermelhas das emergências da cidade, sem sequer conseguirem ser internadas em um leito adequado —evidência do colapso da rede de saúde.
O infectologista Edmilson Migowski, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), destaca que a suspensão de procedimentos em unidades de saúde —como exames e cirurgias eletivas— influenciou no crescimento das mortes, assim como o medo das pessoas de buscarem hospitais em meio à pandemia.
"Estamos focando a análise só em uma doença, ignorando as outras. Se avaliarmos apenas a covid-19, não vamos ver o perfil de saúde da população. Quanto tempo uma mulher que está aguardando o resultado de uma biópsia de câncer de mama pode ficar sem fazer o procedimento? Acaba tendo um descompasso com mais quadros cardíacos, diabetes, hipertensão. As pessoas estão com muito medo de ir ao hospital", lembra.
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