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Por vídeo, mãe internada na Brasilândia com covid revê filha após um mês

Laudiceia Mamede, 67, reencontra a filha via videochamada após dias internada com covid-19 - Talyta Vespa/UOL
Laudiceia Mamede, 67, reencontra a filha via videochamada após dias internada com covid-19 Imagem: Talyta Vespa/UOL

Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

28/06/2020 04h00

Foi por meio de uma videochamada que mãe e filha, ambas vítimas do novo coronavírus, se reencontraram na quarta-feira (24). Laudiceia Mamede, de 67 anos, está internada no Hospital da Brasilândia — inaugurado como UTI covid há pouco mais de um mês. No hospital, psicólogos realizam visitas virtuais entre os pacientes e seus familiares e, nesse dia, Laudiceia esperava, ansiosa, pela ligação à filha — a quem ela não via há mais de um mês. "Ai, não posso chorar para não preocupá-la, né?".

O último encontro das duas havia sido no Dia das Mães, em maio. Pouco tempo depois, Rose, filha de Laudiceia, passou a apresentar tosse seca. De um farmacêutico, ouviu que era uma alergia, e foi medicada com um xarope. Dias depois, começou a apresentar falta de ar intensa e foi internada.

Hospital da Brasilândia tem 100 leitos de UTI destinados a casos graves de covid-19 - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
Hospital da Brasilândia tem 100 leitos de UTI destinados a casos graves de covid-19
Imagem: Talyta Vespa/UOL

A mãe, em casa, orava dia e noite, até começar a sentir mal-estar similar. Além da falta de ar, ela conta, sentia dores de cabeça fortíssimas e teve febre que beirou os 39 graus. Ao chegar em um hospital em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, também foi internada — longe da filha.

O quadro piorou — sua saturação chegou a 72% — e Laudiceia foi transferida para o Hospital da Brasilândia. "Faz muito tempo que não falo com a minha filha, meu Deus", emocionou-se. Veja o momento de reencontro entre as duas:

"Nossa, eu nem sei explicar a sensação de conversar com a minha filha depois de todo esse tempo. Desculpe o choro, desculpe. Se Deus quiser, logo estaremos juntas. Você sabia que eu vou para a enfermaria hoje à noite? Saiu minha vaga. Tenho que comemorar, agradecer a essa equipe maravilhosa. Eu rezo, rezo muito e peço saúde para todos eles. Que Deus os livre desse mal porque, olha... Não é fácil passar por essa doença."

Hospital da Brasilândia terá 115 leitos de UTI

Hospital da Brasilândia é inaugurado como UTI covid - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
Hospital da Brasilândia é inaugurado como UTI covid
Imagem: Talyta Vespa/UOL

A construção do Hospital da Brasilândia começou em 2015 — e até o começo deste ano, a obra não estava nem perto do fim. No entanto, devido à falta de leitos de UTI para suprir a demanda gerada pelo novo coronavírus na cidade, uma licitação para transformá-lo em centro de covid-19 foi lançada às pressas. O espaço foi projetado para ser um hospital geral — que vai atender a população do segundo bairro com mais mortes em decorrência da doença na cidade.

Entretanto, pelos próximos 180 dias, será exclusivo para pacientes de alta complexidade com coronavírus, que chegam, principalmente, dos hospitais de campanha. A licitação, vencida pela empresa IABAS, pede 135 leitos, sendo 115 de UTI e 20 de clínica médica, até o próximo dia 30 — até o momento, faltam ser entregues 20 leitos de UTI.

O UOL passou uma tarde no Hospital da Brasilândia, entre marteladas de obra, profissionais da saúde machucados pelo EPI e pacientes que tentavam, mas não conseguiam evitar o choro. As lágrimas, entretanto, não eram de medo, como haviam sido no momento do diagnóstico: elas traziam saudade.

Hospital da Brasilândia tem 100 leitos de UTI destinados a casos graves de covid-19 - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
Hospital da Brasilândia tem 100 leitos de UTI destinados a casos graves de covid-19
Imagem: Talyta Vespa/UOL

É o que revela Eleíusa, de 56 anos, que esfrega os olhos cheios d'água sempre que cita a neta, de dois anos, a quem não vê há um mês. Ela está internada há 11 dias e acabara de ser extubada — não precisa mais do apoio do ventilador mecânico para respirar.

Recebeu a reportagem — paramentada dos pés à cabeça — com dois tchauzinhos à distância, riso à toa e um choro não contido. "Me desculpa pelo choro, não consegui segurar", diz, ofegante. "Estou chorando de felicidade, minha filha. De alegria e de saudade, saudade da minha família", contou.

Eleíusa começou a sentir falta de ar severa em casa há pouco mais de suas semanas — ela mora no Grajaú, na zona sul de São Paulo. Foi diagnosticada com covid-19 e ficou internada em um hospital da região, mas foi transferida para Brasilândia quando o quadro começou a piorar.

"Não sei por que tão longe assim, eu moro do outro lado da cidade. Ainda assim, não tenho do que reclamar da equipe deste hospital."

Atualmente, o Hospital da Brasilândia só recebe pacientes cujos quadros se agravaram em outras unidades de saúde. Sempre que há leitos de UTI disponíveis por ali, um sistema de monitoramento recomenda a chegada de um novo caso — independentemente da região em que o paciente está internado.

"A ideia da inauguração dos leitos desse hospital é desafogar o sistema de saúde", explica a diretora técnica Patricia Guimarães. Quando Eleíusa precisou ser transferida para uma unidade de terapia intensiva, o sistema apontou que havia vagas em Brasilândia. E, logo, aconteceu a transferência.

A solidão, ela conta, ainda com a voz fraca, é a parte mais difícil. Relembra, ao UOL, quem são as pessoas com quem divide a casa em que mora: "Meu marido, minha filha", suspira "e minha netinha". As lágrimas voltam a correr.

"Ela tem só dois anos e é muito grudada comigo, ah, que saudade que sinto dela. Quando eu tiver alta, vou querer distância, vou ficar longe dela ainda por muito tempo. Só de pensar em passar alguma coisa para ela, me desespero", diz.

Diretora médica hospitalar do IABAS, Tassiana Sacchi Diaz (à esq.) e a diretora técnica do hospital, Patricia Guimarães (à dir.) - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
Diretora médica hospitalar do IABAS, Tassiana Sacchi Diaz (à esq.) e a diretora técnica do hospital, Patricia Guimarães (à dir.)
Imagem: Talyta Vespa/UOL

EPI até as tampas

Para conversar com os pacientes, a reportagem precisou substituir o avental descartável pelo impermeável, acoplar à n95 o face shield —aquela máscara de plástico que cobre todo o rosto —, além de luvas. Os funcionários do hospital trocam de EPI cada vez que deixam as UTIs.

A desparamentação acontece em um espaço próximo às salas de internação e, ao voltar, é preciso se montar desde o começo, tudo de novo. A diretora médica hospitalar do IABAS, Tassiana Sacchi Diaz, explica que o procedimento é imprescindível para garantir não apenas a segurança dos próprios profissionais de saúde, mas, também, para evitar qualquer tipo de transmissão de infecção hospitalar entre os pacientes.

A diretora explica, ainda, que uma alta médica em um hospital que atende casos de covid-19 de alta complexidade é, de fato, uma vitória.

"Acordar depois de ser colocada em um tubo, depois de precisar de um ventilador mecânico para respirar, é renascer. Essas pessoas sabem disso, e por isso elas se emocionam. Agora, o choro não é mais de medo; é de alívio e de saudade", afirma.

A gerente assistencial do Hospital da Brasilândia, Ana Cristina Rossetti - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
A gerente assistencial do Hospital da Brasilândia, Ana Cristina Rossetti
Imagem: Talyta Vespa/UOL

"A videochamada, por exemplo, é uma tentativa de amenizar essa saudade", explica. Além dessa iniciativa, uma foto de cada família foi acoplada aos leitos — mesmo nos espaços em que estão internados pacientes inconscientes. O intuito, explica a gerente assistencial Ana Cristina Rossetti, é humanizar um momento de inquestionável delicadeza. Aos familiares, ainda, é passado o boletim médico todos os dias, das 14h às 17h, por telefone.

Para Laudiceia, o momento de reencontro com a filha foi dos mais bonitos que já viveu. Depois de contar os planos de comemorar a alta à enfermaria, que se daria naquela noite, se despede com notas mentais de como pesquisar seu nome no UOL para encontrar esta reportagem.

Com a despedida, vem o fim do dia e o sol da tarde penetrando as janelas de uma das UTIs do hospital, iluminando quem elucida e quem dorme.