Topo

MP vê 'relação espúria' de instituto com governo, mas não acha elo com Paes

O ex-prefeito Eduardo Paes durante debate na eleição para governador em 2018 - Jose Lucena/Folhapress
O ex-prefeito Eduardo Paes durante debate na eleição para governador em 2018 Imagem: Jose Lucena/Folhapress

Igor Mello

Do UOL, no Rio

23/07/2020 17h02

O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) afirma que há indícios de que a OS (Organização Social) Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) mantinha uma "relação espúria" com a Prefeitura do Rio de Janeiro durante os dois mandatos de Eduardo Paes (DEM). Contudo, não encontrou vínculo direto entre o esquema de corrupção na saúde do município e o ex-prefeito.

A Iabas foi alvo de operação deflagrada hoje com base em investigações de promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) e policiais civis do DGCOR-LD (Departamento Geral de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro). Foi descoberto um desvio de R$ 6,5 milhões supostamente cometido por pessoas ligadas à OS com base em contratações de quatro empresas para prestação de serviços em unidades de saúde do Rio.

Ainda segundo o MP-RJ, a Iabas cresceu significativamente durante o governo de Eduardo Paes. Entre 2009 e 2019, os promotores apuraram que a OS recebeu R$ 4,3 bilhões em recursos da Prefeitura do Rio, grande parte durante os governos de Paes —que governou o Rio entre 2009 e 2016.

"Não há nenhum indício de participação de [Marcelo] Crivella [atual prefeito do Rio]. A OS saiu em seu primeiro ano de gestão. Em relação ao ex-prefeito [Eduardo Paes], é certo que a musculatura que a Iabas ganhou foi por causa dos contratos celebrados com o ente municipal durante sua gestão. Há outras contratações envolvendo não propriamente a Iabas [sendo analisadas], além da velocidade do processo administrativo que a contratou", afirmou o promotor Silvio Ferreira, do Gaecc.

"Há uma relação aparentemente espúria entre as duas gestões [da Iabas com o governo Paes], mas não conseguimos comprovar que o ex-prefeito tenha participado disso. Há uma condescendência de contratos com o Iabas firmados de uma forma veloz, além de empresas ligadas ao Iabas contratadas pelo município."

Quatro anos de investigação

Apesar de ter sido deflagrada pouco depois do escândalo envolvendo a contratação da Iabas pelo governo do estado para a construção e operação de sete hospitais de campanha para pacientes com covid-19, os promotores afirmam que a investigação do suposto esquema de corrupção na Prefeitura do Rio é anterior.

"Na verdade, o inquérito policial é mais antigo, da DGCOR, é de 2016. Houve dois pedidos de afastamento de sigilo fiscal ao longo dos anos de 2018 e 2019. Na verdade, foi uma infeliz coincidência o cruzamento do contrato para os hospitais da campanha e o desfecho das investigações municipais", explicou Ferreira.

Preso na operação de hoje, o empresário Luiz Eduardo da Cruz, tido pelos investigadores como o real controlador da Iabas, já havia sido alvo de investigações por desvios em contratos de outra OS. A esposa e um meio-irmão dele também foram detidos.

"Fizemos uma operação em 2018 que envolveu dois alvos da operação de hoje, o Luiz e a Simone [da Cruz, mulher do empresário]. Eles foram presos, tiveram o patrimônio bloqueado à época, mas foi em relação à Fundação Bio Rio. Naquela época, chegamos a fazer buscas na Iabas, mas não era o foco da operação", esclareceu o delegado Aloysio Falcão, do DGCOR.

Os promotores também fizeram críticas ao modelo de gestão de unidades de saúde por OSs no Rio, adotado de maneira generalizada durante as gestões de Paes na Prefeitura do Rio e de Sérgio Cabral (MDB) no governo do estado. Segundo eles, a forma como essas contratações acontecem favorece a corrupção.

"Há um constante modus operandi usado pelas organizações sociais, que é a contratação fugindo da Lei de Licitações. Se vale do dinheiro para a contratação de serviços com superfaturamento para desvios", criticou a promotora Patrícia Vilela, coordenadora do Gaecc.

O que dizem os citados

Procurado, o ex-prefeito Eduardo Paes ainda não se posicionou sobre a operação deflagrada hoje pelo MP-RJ e pela Polícia Civil.

Ex-secretário de Saúde na gestão de Eduardo Paes, o médico sanitarista Daniel Soranz afirmou em nota que "a Secretaria Municipal de Saúde do Rio durante a gestão Eduardo Paes sempre atuou com transparência e lisura em todos os seus processos. As empresas citadas ganharam processos licitatórios com comissões independentes e, diferentemente do momento atual, não receberam contratos emergenciais. Deve-se ter cautela para evitar julgamentos precipitados e respeitar os processos jurídicos".

O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) se defendeu sobre as supostas ilegalidades nos contratos com a Iabas e afirmou que "desqualificou" a organização social quando assumiu a prefeitura.

"Crivella desqualificou o Iabas, após um processo com ampla defesa, por não atingir 50% das metas propostas no contrato de gestão. O motivo da desqualificação, portanto, foi má gestão dos recursos públicos, gerando desassistência aos usuários", disse a prefeitura carioca em nota.

Além do rompimento do contrato, que foi publicado no Diário Oficial do Rio em abril, a gestão de Crivella ainda acrescentou que multou a Iabas em R$ 27,9 milhões.

Já a Iabas informou que Luiz Eduardo da Cruz não tem mais relação com o instituto desde setembro de 2017 e disse desconhecer que "qualquer empresa ligada à família mantenha contrato com a instituição".

Por meio de nota, a OS confirmou que sua sede foi alvo de busca e apreensão em razão de contratos de gestão com a Prefeitura do Rio e chamou as acusações do MP de "ilações".

"O IABAS está colaborando com as autoridades, mas ressalta que mantém estritos padrões de comportamento ético e legal e que presta regularmente contas de suas ações aos órgãos de controle das entidades contratantes e aos Tribunais de Contas. Todas as suas prestações de contas relativas aos contratos com a Prefeitura do Rio foram aprovadas, apenas as informações de 2019 ainda estão sob análise", afirmou a OS.

A reportagem do UOL não localizou a defesa dos citados na reportagem que foram alvo de prisão.