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Governo Witzel ignorou alerta sobre dano a cofres públicos em hospitais

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) - Divulgação
O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) Imagem: Divulgação

Igor Mello

Do UOL, no Rio

04/06/2020 04h00

O governo do Rio de Janeiro ignorou alertas sobre risco de dano aos cofres públicos e manteve pagamentos para a OS (Organização Social) Iabas, que deveria construir e operar sete hospitais de campanha para pacientes com covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Ontem (3), o governador Wilson Witzel (PSC) determinou o rompimento do contrato com a entidade e afirmou que buscará na Justiça o ressarcimento dos valores pagos.

O rompimento do contrato é parte de um decreto de intervenção nos hospitais de campanha publicado ontem por Witzel. A Iabas deveria ter concluído em 30 de abril as sete unidades, que somariam 1.300 leitos. No entanto, apenas o centro médico do Maracanã foi entregue e, ainda sim, muito abaixo da capacidade contratada —apenas 129 dos 400 leitos estão funcionando.

Pivô do escândalo de corrupção que resultou na Operação Placebo —em que o próprio Witzel e a primeira-dama Helena Witzel foram alvo de mandados de busca e apreensão—, a Iabas será substituída pela Fundação Estadual de Saúde, órgão público que gere unidades de saúde do Rio. Ocorrida na semana passada, a operação investiga indícios de desvios de verbas públicas na construção de hospitais de campanha no Rio durante a epidemia de coronavírus.

Mesmo após alertas, RJ pagou R$ 196 mi à Iabas

O alerta de risco ao erário foi feito em 20 de abril em parecer jurídico sobre a contratação da Iabas, elaborado pelo subsecretário Jurídico da SES (Secretaria Estadual de Saúde), Felipe de Melo Fonte, e pela procuradora do estado Danielle Tufani Alonso.

Como o UOL mostrou em maio, a Iabas recebeu ao todo R$ 256,5 milhões —um terço dos R$ 770,3 milhões previstos para todo o contrato. De acordo com a OS, os pagamentos foram feitos em cinco parcelas —apenas duas tinham sido pagas até a elaboração do parecer.

  • 13 de abril - R$ 25.197.258,00
  • 15 de abril - R$ 34.823.850,00
  • 04 de maio - R$ 68.000.000,00
  • 06 de maio - R$ 83.577.240,00
  • 08 de maio - R$ 44.933.653,00

Depois dos alertas feitos no documento, o governo Witzel ainda pagou mais R$ 196,5 milhões à Iabas.

O parecer jurídico alerta que, embora existam exceções previstas em lei, "como regra, a Administração deve realizar o pagamento somente após o cumprimento da obrigação pelo particular contratado". Em grandes contratos envolvendo obras e serviços, o poder público costuma pagar após medições para averiguar qual porcentagem dos serviços já foi concluída.

No contrato com a Iabas, o governo Witzel se comprometeu a pagar R$ 68 milhões antes que qualquer serviço fosse prestado. Por outro lado, a OS só ofereceu garantias de R$ 8.357.724.09.

O parecer frisa que uma garantia tão pequena —que era de apenas 1% do contrato original com a Iabas— "parece contrariar a lógica de antecipação de pagamento". Nessas hipóteses, salienta o documento, "as Cortes de Contas têm sido rigorosas, havendo punição aos gestores que a realizam sem apresentação de garantias suficientes pelas empresas contratadas, ainda que não haja dano ao Erário".

Em nota, o governador justificou a manutenção dos pagamentos após o alerta feito no parecer jurídico "porque o contrato com a Iabas estava em vigor".

Ainda segundo Witzel, o contrato com a Iabas já é alvo de auditoria pela CGE (Controladoria-Geral do Estado) e novas investigações serão feitas por uma força-tarefa de auditores da SES para averiguar "possíveis irregularidades em relação a compras e serviços realizados pelo instituto", com foco na prestação de contas feita pela organização social.

Witzel diz que cobrará prejuízos na Justiça

Em vídeo divulgado nesta quarta, Witzel afirmou que o estado irá entrar na Justiça para bloquear os bens da Iabas e garantir o ressarcimento aos cofres públicos dos prejuízos sofridos no contrato. O governador não falou contudo em valores.

"O Instituto Iabas está sendo afastado, determinei o bloqueio dos bens através da Justiça para ressarcir os prejuízos que tivemos. É muito importante que nesse momento nós saibamos que os esforços que nós fizemos já reduziram as filas para internação", afirmou Witzel.

O governador disse que a decisão de romper o contrato foi tomada depois de se constatar erro na compra de respiradores pela OS para os hospitais de campanha.

"Dei a eles todas as oportunidades para que provassem que seus erros tinham justificativa", ponderou. "Mas a gota d´água foi saber que os respiradores que estavam importando não são respiradores, são carrinhos de anestesia e não se prestam para utilização nesses hospitais de campanha".

Iabas acusa governo de "incapacidade de atuar com eficiência"

Em nota, a Iabas afirmou que decidiu renunciar ao contrato para operar os hospitais de campanha no Rio. Segundo a OS, "essa decisão se deu em função das inúmeras dificuldades impostas pela Secretaria Estadual de Saúde, que desde o início do contrato demonstrou sua incapacidade de atuar com eficiência para que os hospitais fossem entregues no tempo exigido pela população".

A gestora dos hospitais de campanha diz que irá colaborar na transferência da gestão dos hospitais, mas afirma que irá "tomar as medidas judiciais necessárias" para assegurar seus direitos.

Apesar de ter recebido mais de R$ 256,5 milhões, a Iabas afirma ter havido demora na liberação dos recursos e diz ter operado com fluxo de caixa negativo durante boa parte da construção dos hospitais de campanha.

"A construção de um hospital é uma operação complexa demais para suportar mais de 20 mudanças de concepção de projeto num prazo de 40 dias. O primeiro pagamento necessário ao início das obras se deu somente 13 dias após a assinatura do contrato. O IABAS trabalhou por 38 dias com o fluxo de caixa negativo por falta de pagamento integral", alega a organização social.

Ainda na nota, a Iabas nega que tenha comprado equipamentos que não podem ser usados como respiradores. A OS diz que a Secretaria de Saúde "tinha conhecimento de todas as aquisições e atividades contratadas, inclusive a aquisição dos respiradores acoplados a carrinhos de anestesia, equipamentos recomendados pela Associação Médica Brasileira, em ofício ao Ministério da Saúde, como alternativa para o tratamento de Covid 19, diante da escassez no mercado mundial".