Bolsonaro levou o povo a um 'desfiladeiro', diz Mandetta a jornal britânico
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou o povo brasileiro rumo a um "desfiladeiro" por meio de sua resposta à pandemia da covid-19 e será duramente criticado por isso por historiadores no futuro, em matéria publicada hoje (15) pelo jornal britânico The Guardian.
A atitude de Bolsonaro diante a pandemia foi classificada por Mandetta como "cambaleante, interessado em si próprio e anticientífica", de acordo com o jornal. Ortopedista, Mandetta foi o primeiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro e saiu da pasta em abril após divergências com o presidente sobre como agir diante da propagação do coronavírus. Bolsonaro, por exemplo, resistia ao isolamento social e fechamento de comércio, medidas recomendadas por Mandetta inicialmente.
Na entrevista ao The Guardian, Mandetta disse que Bolsonaro teve papel crucial ao direcionar o Brasil a uma "catástrofe" e "brincou de política com a vida dos cidadãos em meio a uma crise global", nas palavras da publicação.
O Brasil contabiliza mais de 106 mil mortos pela covid-19 com 3,2 milhões casos confirmados. Somente os Estados Unidos têm mais mortos em decorrência da doença: 168 mil mortos. De acordo com Mandetta, desde sua saída do ministério, ele e Bolsonaro não se falaram mais.
Na avaliação do ex-ministro ao jornal, a batalha contra a covid-19 foi comprometida pelo "completo desprezo" de Bolsonaro pela ciência. O presidente já comparou a doença a uma "gripezinha" e defende o uso de medicamentos ainda não comprovados cientificamente para a covid-19, como a cloroquina e hidróxicloroquina. Usualmente, esses remédios são usados para combater a malária e lúpus.
"É interessante que ele rejeita totalmente a ciência e goza de todos aqueles que falam de ciência. Mesmo assim, quando há qualquer perspectiva de vacina, ele é o primeiro a bater na porta da ciência. Como se uma vacina fosse redimi-lo da sua marcha cambaleante pela epidemia", disse Mandetta.
O governo federal fechou acordo de cooperação para comprar e adquirir transferência de tecnologia de uma vacina em desenvolvimento pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca. A primeira fase envolve a compra pelo Brasil de 30 milhões de doses por US$ 127 milhões mesmo sem demonstração definitiva da eficácia dela. O governo defende o risco assumido pela urgência de se ter uma vacina.
A segunda fase envolve a compra de 70 milhões de doses, mas depende dos resultados futuros da vacina. Os lotes deverão ser entregues até janeiro de 2021.
Segundo o The Guardian, Mandetta ainda criticou uma "sabotagem absoluta" do Ministério da Saúde. Mandetta foi sucedido no cargo pelo oncologista Nelson Teich. Este saiu da pasta menos de um mês após assumir também por divergências com Bolsonaro sobre como conduzir o país na pandemia. Desde maio, o general Eduardo Pazuello está como ministro interino. Ele não tem experiência direta na área de saúde.
O jornal britânico afirma que Mandetta relatou ter ficado angustiado e impotente diante de toda a situação e que Bolsonaro se cercou de pessoas que apenas concordam com ele, sem consultar especialistas. Portanto, perdeu a "noção da realidade", segundo o The Guardian.
"Quando você está em uma situação em que se cerca de pessoas que dizem o que quer ouvir, e não o que é verdade...o líder acaba se cegando perante o que está acontecendo. Ele ouve, mas não escuta. Ele vê, mas não enxerga", disse Mandetta.
Ainda na entrevista, Mandetta suspeita que uma recusa de Bolsonaro em confortar as famílias em luto reflete a culpa do presidente de que esta atitude custou vidas.
"Ele levou o povo brasileiro para um desfiladeiro de forma rápida e pessoas caíram e morreram. E, tendo de reconhecer que isso foi um equívoco, isso causou dor. Acho que deve ser politicamente difícil para ele agora", disse Mandetta, ao acrescentar que talvez Bolsonaro mostre "remorso" quando a pandemia acabar.
Para Mandetta, a pandemia só vai melhorar no Brasil com uma mudança de rumo no número de mortes diárias - cerca de mil por dia hoje. Se seguir como está, a crise deve amenizar somente no fim de setembro.
O ex-ministro não quis confirmar se irá concorrer à Presidência em 2022, mas disse que o Brasil precisa de um líder que "pacifique" o país depois do mandato "tóxico" de Bolsonaro.
"Espero que o líder que saia vitorioso em 2022 seja capaz de reconstruir o tecido social quebrado do Brasil dando ao país um senso de unidade...e aceitando que não é normal sair dizendo que brasileiros gostam de rolar no esgoto", disse.
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