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Prazos estão cada vez mais curtos, diz diretor do Butantan sobre CoronaVac

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em coletiva de imprensa - Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em coletiva de imprensa Imagem: Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

24/10/2020 04h00

Diretor do Instituto Butantan e homem que lidera o planejamento da produção da CoronaVac no Brasil, Dimas Covas considera que houve um "componente político e ideológico" na decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de cancelar a intenção de compra de 46 milhões de doses da vacina contra a covid-19.

Covas disse ao UOL que espera uma solução rápida para o impasse porque as primeiras doses não devem demorar muito para ficarem prontas — antes do anúncio de Bolsonaro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, havia indicado que o início da vacinação seria em janeiro.

O diretor do Butantan também pede que o ambiente político pare de contaminar a discussão. Em relação à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão responsável por liberar a vacina, exalta a qualidade de seu corpo técnico e diz que aguarda a avaliação científica do imunizante.

UOL - O senhor acredita que a vacina do Instituto Butantan não foi incluída no PNI (Plano Nacional de Imunização) por motivos políticos?

Diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas - Veja, houve alguma mudança de rota, claramente. Nós só fornecemos vacina para o ministério [da Saúde], não fornecemos vacina para nenhuma outra instituição. E todas as conversas, todas as negociações que já duram alguns meses, desembocaram no convite do ministro [da Saúde, Eduardo Pazuello] para celebrar o primeiro acordo. Foi o que aconteceu durante a semana.

Nós vamos lá exatamente para celebrar este acordo, para fazer um anúncio que a vacina do Butantan será incorporada ao PNI. E, menos de 24 horas depois, essa posição muda radicalmente. Acredito também que o próprio ministério [da Saúde], os técnicos do ministério que estavam negociando tiveram dificuldade para entender. É muito difícil, é uma situação que obviamente não é técnica, ela tem componentes políticos, componentes ideológicos por trás disso.

UOL - Que tipo de consequências esta decisão causa para o Butantan?

Dimas Covas - Leva a uma dificuldade para o próprio Butantan. O Butantan terá as vacinas rapidamente, e o que o Butantan quer é que estas vacinas sejam incorporadas pelo Programa de Nacional de Imunização, como as outras vacinas que nós produzimos. Então, sem dúvida nenhuma, é uma novidade que nos entristece e traz perplexidade, é inusitada. Isto nunca aconteceu na história do Butantan.

UOL - O presidente da Câmara esteve em São Paulo [na sexta-feira, 23] e pregou diálogo. Este caminho pode dar certo?

Dimas Covas - Obviamente que um entendimento nacional em relação à necessidade da vacina seria o mundo ideal. Tirar um pouco desta conotação de disputa política, que não ajuda muito. O nosso governador declarou que ele está absolutamente aberto ao diálogo.

UOL - Este adiamento causa alguma repercussão nas pesquisas?

Dimas Covas - Não. Logo que esta matéria-prima chegar aqui, nós começamos a produção da vacina.

UOL - A relação entre técnicos do Butantan e da Anvisa sempre foi muito boa. Algo mudou desde a última semana? O senhor teme má vontade com a CoronaVac?

Dimas Covas - Não, pelo contrário. Não fosse este pequeno atraso [nas matérias-primas] que, creio, não seja de natureza política, quero atribuir isto a uma questão burocrática, o nosso relacionamento com a Anvisa é excelente. A Anvisa é formada por técnicos do melhor nível, é uma agência de reconhecimento internacional. Quero crer que ela seja imune de qualquer tipo de desvio, de percepção política e ideológica.

A Anvisa é a guardiã do aspecto sanitário do povo. A Anvisa tem compromisso com a Saúde Pública, isto está acima de tudo. Isto não é uma opinião a respeito de A, B ou C, é uma opinião em relação ao que convém do ponto de vista de saúde da população. Espero que lá seja uma condução absolutamente técnica.

UOL - Qualquer previsão hoje é difícil, mas o senhor tem esperança de solução no curto prazo sobre a inclusão da vacina do Butantan no PNI?

Dimas Covas - Olha, cada dia que passa os prazos vão ficando mais curtos. Vai chegando a disponibilidade da vacina, vai ter a vacina e precisa ter uma decisão de nível nacional. Espero que estas questões se resolvam rapidamente. O ambiente, neste momento, embora possa estar de uma certa forma conturbado... Espero que rapidamente ocorra a melhor solução para todos.

UOL - O instituto foi procurado por outros governadores interessados na vacina?

Dimas Covas - O Butantan tem sido constantemente procurado por governadores, por prefeitos neste sentido. Inclusive por países vizinhos, todos interessados nessa vacina. Mas nós não temos nenhuma iniciativa neste sentido, a nossa iniciativa é, como sempre foi, fornecer esta vacina para o Programa Nacional de Imunização. Esta ainda é a nossa expectativa.

UOL - Quais seriam as primeiras pessoas beneficiadas pela vacina?

Dimas Covas - Neste momento, se espera que a vacina, na hora que estiver disponível, seja usada nos grupos de risco. O objetivo é diminuir a mortalidade deste grupo de risco. Profissionais de saúde, idosos, pessoas com comorbidades. Então, você está protegendo uma parcela da população que é de mais alto risco.

Progressivamente, à medida que for disponibilizado um quantitativo de vacinas, isto vai se estendendo para o restante da população até que se atinja uma proteção coletiva. Mas isto vai ocorrer à medida que existirem vacinas disponíveis.

O conceito de que uma única vacina não será suficiente é correto. Nós vamos precisar de um quantitativo de vacinas muito grande. E isto não vai ser imediato, porque tem protocolos de produção que só vão se normalizar a partir do meio do ano que vem. A vacina é fundamental para a volta das atividades normais, mas ela obedece um ritmo que vai depender do fornecimento, do quantitativo de vacinas disponíveis.