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Vacina em SP ainda depende de taxa de eficácia e da Anvisa, dizem médicos

Luana Massuella

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/12/2020 15h34

O PEI (Plano Estadual de Imunização) contra o novo coronavírus divulgado hoje pelo governador João Doria (PSDB) ainda não tem como ser colocado em prática, pois tem alguns passos pendentes, segundo médicos ouvidos pelo UOL. Eles citam a conclusão da fase 3 dos testes da CoronaVac, a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, a divulgação da taxa de eficácia e o processo de aprovação e registro do imunizante pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Pelo cronograma anunciado pelo governo estadual, a previsão é que a primeira fase da vacinação contra a covid-19 no estado tenha início em 25 de janeiro, em um grupo formado por profissionais de saúde, indígenas e quilombolas.

"Não existe uma vacina ainda, a CoronaVac não encerrou os estudos de fase 3. Portanto, não há vacina", diz Jorge Kalil, professor titular de imunologia clínica e alergia da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Incor (Instituto do Coração). "Pode até haver um plano de imunização, mas não é possível ter uma data quando não se tem o produto testado, aprovado e licenciado pela agência reguladora."

Os especialistas afirmam que ainda não é possível comprovar a eficácia e a segurança da CoronaVac.

"De qualquer maneira é bacana ele [João Doria] ter uma proposta de imunização, é louvável, mostra uma preocupação, mas ainda há passos que dependem não dele, mas de outras autoridades", afirma Marco Aurélio Safadi, infectologista e presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Não é possível fazer a imunização sem aprovação da Anvisa e divulgação dos verdadeiros dados da eficácia. Precisamos saber sobre a eficácia no grupo placebo de contrair ou não a doença. São dados primordiais."
Marco Aurélio Safadi, médico infectologista

O governo diz que vai divulgar a taxa de eficácia na semana que vem.

Segundo Octavio Augusto Camilo de Oliveira, sub-investigador da pesquisa da vacina da Johnson e Johnson no Hospital Sírio-Libanês, tanto a versão preliminar do plano nacional de imunização como o plano estadual de imunização contra a covid-19 são apenas planejamentos e podem ser alterados.

"O plano estadual de vacinação é ligeiramente diferente do plano nacional pois aborda apenas a fase 1 de vacinação para profissionais de saúde, indígenas, quilombolas e pessoas acima de 60 anos. O plano nacional já engloba outras camadas populacionais mais vulneráveis, bem como até a fase 4 de vacinação", afirmou o médico.

Existe uma cadeia de cuidados de distribuição e de refrigeração, por exemplo, que devem ser seguidos para que a vacina mantenha suas características. O cumprimento dos prazos é uma previsão que pode ser alterada, atrasada ou adiantada de acordo com os atores envolvidos na rede de distribuição e administração."
Octavio Augusto Camilo de Oliveira, sub-investigador de pesquisa de vacina

O infectologista Renato Kfouri, presidente do departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, também alerta para a possibilidade de mudança no cronograma.

"Prometer datas é contar que vai dar tudo certo, é contar que o dossiê de estudos de fase 3 vai dar certo. Que a submissão deve ser logo, que a revisão da Anvisa deve ser logo e tudo correndo muito bem. A Anvisa pode solicitar mais dados e informações, eventualmente o processo pode não ser exatamente nesse cronograma, mas acredito que é possível", opinou Kfouri.

Ele, entretanto, criticou a elaboração independente dos planos nacional e estadual de imunização.

O ideal é que compuséssemos um total de vacinas para o país e à medida que elas fossem chegando, você ia elencando os grupos prioritários e ia vacinando a população brasileira por igual em todo país, centralizando organizações pelo Programa Nacional de Imunizações. Não é o desejando que tenhamos estados comprando uma vacina, o governo federal comprando outra, e ter políticas individualizadas e descentralizadas."
Renato Kfouri, infectologista

Plano estadual de vacinação

O governo paulista já firmou um acordo para ter 46 milhões de doses do imunizante —o que é suficiente para vacinar 23 milhões de pessoas, já que são necessárias duas doses.

A primeira fase da vacinação, anunciada hoje, deve contar com 18 milhões de doses. O tempo previsto entre a primeira e a segunda dose é de 21 dias.

De acordo com o plano apresentado hoje, o horário de vacinação será:

  • De segunda a sexta-feira: das 7h às 22h
  • Sábados, domingos e feriados: das 7h às 17h

"A campanha terá grande estrutura logística e de segurança pública, com 54 mil agentes de saúde e 25 mil agentes de segurança, enquanto perdurar o período de vacinação", disse Doria.

Para atender todo o estado, o governo conta com o funcionamento de 25 postos estratégicos de armazenamento da vacina, 30 caminhões refrigerados e 5.200 câmaras de refrigeração.

Sem dar detalhes, o governo afirmou que o custeio da campanha sairá do "Tesouro" do estado. Apenas a logística deve ficar em torno de R$ 100 milhões, sem contar os insumos.

Dados de eficácia ainda serão enviados à Anvisa

Quatro vacinas estão em teste no Brasil. Nenhuma delas foi aprovada e registrada pela Anvisa.

A CoronaVac atingiu o número mínimo de infectados pelo novo coronavírus em seu estudo de fase 3 no Brasil há duas semanas, o que permite iniciar a análise dos dados que visam comprovar a sua eficácia.

O Butantan espera enviar esses dados à Anvisa até a próxima semana, para que a agência federal inicie a avaliação e possa conceder uma autorização emergencial até meados de janeiro.

O diretor da agência regulatória, Antônio Barra Torres, no entanto, prevê um prazo maior. "Antes de verificarmos estes protocolos de registro, precisamos acessar os documentos dos estudos clínicos referentes à fase 3 dos testes. No entanto, estes estudos ainda não se encerraram. Para efetuarmos o registro de vacina contra o coronavírus, demandamos no mínimo 60 dias para analisarmos os documentos", disse Barra Torres, horas depois do anúncio do governo paulista, durante entrevista à rádio Jovem Pan.

Oficialmente, a Anvisa divulgou nota dizendo que faltam etapas para liberar a CoronaVac.