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Choro, odes e indireta: governo de SP dá tom épico a anúncio da CoronaVac

Fabio Regula, Lucas Borges Teixeira e Allan Brito

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL

07/01/2021 14h15Atualizada em 07/01/2021 21h22

Vozes embargadas, olhos marejados, pausas dramáticas e muitas frases de efeito. O governo de São Paulo adotou um tom épico para anunciar os dados de eficácia da CoronaVac, vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, na entrevista coletiva de hoje.

Ao longo do evento, Dimas Covas, presidente do Butantan, mostrou-se emocionado com o registro dos 78% de eficácia, e o governador João Doria (PSDB), variando entre o eloquente, o maestro e o teatral, pareceu até chorar, falando em "dia histórico" e "de esperança" para o país.

Doria reforçou pontos já conhecidos de suas coletivas: salvar vidas, distribuir a vacina na data prometida (25 de janeiro) e cutucar a gestão federal, que ainda não conseguiu avançar com um plano nacional de vacinação contra a covid-19. A corrida pela vacina ganhou ares de disputa eleitoral desde o ano passado, com as discussões entre Doria e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), possíveis concorrentes à vaga no Planalto em 2022.

Com a evolução da pandemia no estado, há a possibilidade de algumas regiões passarem para a fase vermelha, a mais restritiva. O anúncio estava programado para hoje, mas a equipe do tucano decidiu mudar para amanhã.

A CoronaVac parece ser a vacina mais avançada no procedimento de pedido de uso emergencial junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O Butantan informou que espera concluir o rito e efetivamente concretizar o pedido entre hoje e amanhã.

Hoje, o instituto apresentou à agência os dados de eficácia do imunizante, e mais duas reuniões ainda devem ocorrer para que o Butantan preste esclarecimentos sobre o relatório final. A Anvisa só iniciará a avaliação depois que o pedido efetivamente for feito, e a resposta da agência pode levar até 10 dias.

"Hoje é um dia muito importante para o Brasil, brasileiros, vida e saúde. (...) Hoje é o dia da esperança, dia da vida. Vacina do Butantan é de São Paulo e do Brasil", destacou Doria, em tom reflexivo, quase lúdico, logo em sua primeira fala.

A vacina do Butantan é vitória do planejamento e trabalho que começamos em abril, menos de dois meses depois do primeiro caso. Grandes conquistas, como a de hoje, não se constroem da noite para o dia. Conquista da ciência se faz na base da ciência, pesquisa e dedicação. Não é fato político, ideológico. É da ciência.
João Doria, governador de São Paulo

Mais tarde, Doria ficou com a voz embargada e pareceu chorar ao dizer que perdeu amigos para a covid-19 e lembrar que hoje o Brasil pode atingir 200 mil mortes pela doença. Jornalista e bom comunicador, o governador parecia se esforçar para se equilibrar na linha tênue entre o midiático e o emocionado, pendendo para o espetáculo.

"Obrigado a você que se tornou voluntário da vacina e obrigado àqueles que ofereceram braço, alma e coração para salvar brasileiros. Ao longo desses mais de dez meses, perdi muitos amigos para a covid. Creio que vocês perderam amigos, conhecidos, vizinhos, muitos perderam parentes, pais, mães, avós, irmãos, colegas. Hoje infelizmente chegaremos à terrível, triste e trágica marca de 200 mil brasileiros que perderam vida pra covid-19. Portanto hoje, 7 de janeiro, é o dia da vida, da existência, com todos cuidados que devemos ter ao longo desse ano", afirmou Doria.

Crítica a Bolsonaro

O governador paulista também aproveitou a situação para fazer mais uma crítica indireta ao presidente Bolsonaro, que já chamou a covid-19 de "gripezinha".

"Fico feliz como brasileiro de saber que a maioria expressiva dos brasileiros tem amor no coração, compaixão, e a maioria nunca acreditou que estávamos vivendo gripezinha, resfriadozinho", disse o governador. "Sigam orientando familiares e amigos a se protegerem. Não aceitem recomendações equivocadas e maldosas, desprovidas de solidariedade, para fazer o que não devem."

Dúvidas sobre a vacina

Visivelmente emocionado, Dimas Covas, diretor do Butantan, médico e pesquisador de renome internacional, disse que chegou a duvidar que uma vacina ficasse pronta em tão pouco tempo.

"Nunca achei que poderíamos ter essa vacina tão rapidamente. Uma vacina que foi estudada no Brasil, que está sendo produzida no Brasil, nos nossos laboratórios. Isso é motivo de emoção profunda. Me sinto extremamente emocionado e agradecido", disse Covas.

Minha emoção é muito grande nesse momento. Estamos completando 8 meses nessa saga. Uma saga que teve início em abril. É uma saga de luta diária, muitas vezes luta sanguinolenta."
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan

Exaltação a voluntários

Ao longo do evento, Doria, Covas e outros participantes exaltaram diversas vezes os voluntários que participaram dos testes, grande parte deles profissionais da saúde.

"Participaram desse estudo 12.476 profissionais até o momento. Ainda continuamos incluindo voluntários, principalmente acima de 60 anos. O que tem de diferente: realizamos com profissionais de saúde. São as pessoas mais submetidas à presença do vírus. Trabalham diretamente com pacientes com covid-19. São o exército da saúde no combate do vírus. Outros estudos foram feitos para populações gerais. Nós desafiamos essa vacina de uma forma que outras não fizeram. Todos os voluntários tinham risco maior de infecção", disse Covas.

Até à imprensa o governador de São Paulo fez agradecimentos. Doria destacou que os jornalistas têm participado desde março do ano passado das entrevistas coletivas e fez questão de salientar que a de hoje já era a 156ª.

No fim do ano passado, o governador recebeu muitas críticas por, durante o novo pico da pandemia, tirar licença e viajar para Miami. Diante da repercussão, e também do fato de o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), anunciar o diagnóstico de covid-19, Doria voltou ao Brasil no dia seguinte e pediu desculpas.