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Oxford: Dose única deve interromper mortes, diz brasileira chefe de estudo

No Reio Unido desde 2010, Daniela Ferreira lidera estudos sobre vacinas contra pneumonia e, recentemente, contra o novo coronavírus - Arquivo Pessoal
No Reio Unido desde 2010, Daniela Ferreira lidera estudos sobre vacinas contra pneumonia e, recentemente, contra o novo coronavírus Imagem: Arquivo Pessoal

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

07/01/2021 04h00Atualizada em 07/01/2021 21h13

Pesquisadora-chefe de um dos centros que estudam a eficácia da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca, a professora brasileira Daniela Ferreira, 38, defende a decisão do Reino Unido de adiar a aplicação da segunda dose da vacina contra a covid-19 para imunizar com dose única o maior número de pessoas o mais rapidamente possível.

Para a primeira mulher a chefiar o departamento de Ciências Clínicas da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, "essa é a melhor estratégia para conter a pandemia e evitar o maior índice de mortes e hospitalizações".

Em entrevista ao UOL, a imunologista formada na USP —que vive 11 anos em Liverpool— diz que a medida não só reduzirá as transmissões como dará mais tempo para que os laboratórios produzam a segunda dose da vacina.

Ela afirma, porém, que a medida —já discutida em São Paulo, Alemanha e Dinamarca— será insuficiente se apenas os países ricos se imunizarem.

Se continuarmos a vacinar apenas as pessoas nos países ricos, o vírus vai continuar se espalhando sem controle (...) essas novas variantes se espalharão pelo mundo, e nós voltaremos à estaca zero"
Daniela Ferreira, da Escola de Medicina Tropical de Liverpool

Leia os principais trechos da entrevista:

UOL - Ao constatar que 70% dos pacientes vacinados com a vacina de Oxford permaneciam imunizados após 21 dias, o Reino Unido decidiu utilizar a segunda dose, antes destinada aos grupos prioritários, para imunizar mais gente. É uma boa opção?

Daniela Ferreira - Sim. A recomendação é do JCVI (Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido). É uma boa abordagem priorizar uma dose de vacina para o maior número possível de indivíduos em vez de administrar a segunda dose nessa primeira fase do programa de vacinação. Os dados disponíveis mostram altos níveis de proteção de curto prazo após a primeira dose dessa vacina.

Qual o período máximo que o paciente poderá esperar para receber a segunda dose?

A segunda dose também é importante. No caso da vacina de Oxford, ela deve ser administrada entre 4 e 12 semanas. Essa estratégia permite que a produção de vacinas continue nesse intervalo de 12 semanas, quando precisaremos de mais vacinas para a segunda dose.

Temos um enorme desafio de vacinar cada vez mais pessoas. É melhor vacinar o maior número possível de pessoas com uma dose do que metade desse número com duas doses nos próximos meses

Quais as desvantagens dessa medida?

Eu não vejo desvantagens. Pode até ser que algumas pessoas se sintam desfavorecidas por não receberem uma segunda dose de imediato, mas para a população em geral, para a saúde pública, essa é a melhor estratégia para conter a pandemia e evitar o maior índice de mortes e hospitalizações, principalmente devido ao grande aumento no número de casos no Reino Unido recentemente.

Esses números devem aumentar ainda mais nas próximas semanas. Devemos garantir que o máximo de pessoas seja protegida antes e durante o próximo inverno, que começa no final de 2021 aqui no Reino Unido.

Enfermeira aplica dose de vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca em James Shaw, 82, na Escócia - Andy Buchanan/Pool via Reuters - Andy Buchanan/Pool via Reuters
Enfermeira aplica dose de vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca em James Shaw, 82, na Escócia
Imagem: Andy Buchanan/Pool via Reuters

O grupo de risco não é prejudicado?

O mais indicado é que os grupos de risco —como idosos, profissionais de saúde da linha da frente e trabalhadores essenciais— sejam priorizados para receber as primeiras doses, mas não devemos atrasar a entrega da vacina para todos neste país e em todo o mundo. O regime de dosagem anunciado permitirá uma implementação mais rápida.

Mas terá vacina para todos?

Atualmente, a maior barreira que temos é a disponibilidade de doses para toda a população vulnerável. Isso é um problema global e que vai permanecer por alguns meses ainda.

Uma mensagem importante é que não adianta vacinar apenas um país ou uma população. As vacinas devem estar disponíveis para todo o mundo e rapidamente.

O que pode acontecer se alguns países não se vacinarem a tempo?

Se continuarmos a vacinar apenas as pessoas nos países ricos, o vírus vai continuar se espalhando sem controle em outras partes do mundo.

Isso, provavelmente, levará ao surgimento de novas variantes contra as quais nossas vacinas e tratamentos podem não funcionar mais. Se isso acontecer, essas novas variantes, inevitavelmente, se espalharão pelo mundo, e nós voltaremos à estaca zero.

A imunização será permanente ou precisaremos nos vacinar anualmente, como fazemos contra a gripe comum?

Ainda é muito cedo para sabermos. Como as primeiras pessoas nos testes foram vacinadas no final de julho de 2020 e as primeiras vacinas foram aprovadas em dezembro de 2020, só temos informações sobre esse tempo de proteção. O monitoramento dos participantes ao longo deste ano, assim como o da população sendo vacinada agora, vai nos indicar se precisaremos ser vacinados novamente e com qual frequência.

Nós sabemos que a imunidade natural para outros tipos de coronavírus cai rapidamente, então é provável que algumas pessoas, particularmente as mais vulneráveis ao vírus, como os idosos, tenham que ser vacinadas de novo.

Como é normal para qualquer vacina, haverá a necessidade de monitoramento próximo e contínuo para checar a segurança e a eficácia dela.

A senhora trabalha em Liverpool desde 2010. Como é a tarefa de liderar um estudo desse porte?

Estar à frente de um centro de pesquisa nesse estudo foi um dos maiores desafios da minha carreira, mas também o mais satisfatório. Ser uma mulher brasileira e liderar uma equipe em que 97% são mulheres me deixa muito feliz e orgulhosa. Um dia vou olhar para trás e falar: 'Nossa, eu contribuí para fazer uma vacina que vai mudar o rumo da humanidade'.

É um trabalho bem intenso, mas também gratificante. É prazeroso ver pessoas nos ajudando ao longo do processo, sejam médicos e enfermeiras trabalhando, muitas vezes de graça, como voluntários que vieram testar a vacina.

A senhora foi convidada pela ONU (Organização das Nações Unidas) para integrar uma equipe de cientistas para falar de covid-19 em vídeos do TikTok. Como tem sido a experiência?

Foi uma grande honra receber o convite da ONU para participar da Equipe Halo. Nosso objetivo é usar o TikTok como uma plataforma, que é de fácil acesso para a população, para contar sobre o desenvolver dos estudos da vacina e orientar sobre as fake news.

Por isso, eu e um grupo de cientistas fazemos vídeos curtos (e por vezes também divertidos), explicativos, sobre o tema com uma linguagem simples. Muitas vezes um vídeo desperta a curiosidade nos internautas, que mandam perguntas no chat o que resulta em um outro vídeo para sanar essas dúvidas.