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AM: Secretário nega pressão federal e diz que tomou kit, mas sem cloroquina

O ministro Pazuello, em visita a Manaus, com o secretário da Saúde do estado, Marcellus Campêlo e o governador Wilson Lima - Divulgação/Secom
O ministro Pazuello, em visita a Manaus, com o secretário da Saúde do estado, Marcellus Campêlo e o governador Wilson Lima Imagem: Divulgação/Secom

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

13/01/2021 10h06Atualizada em 13/01/2021 15h23

O secretário estadual de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirma que prefeitos do interior já usaram o kit covid —com medicamentos que não têm a eficácia cientificamente comprovada contra a doença— para evitar agravamento dos casos e alta no número de mortes ao longo de 2020. Ele nega que haja pressão do Ministério da Saúde para adoção desses remédios no tratamento precoce.

"O discurso é de entendimento, alinhamento e convencimento de tratamento precoce. Mas nunca de obrigação. Não ouvi, em nenhum momento, falar em obrigação, pelo contrário, o ministro [Eduardo Pazuello] foi enfático falando que a decisão final é do médico. Não existe protocolo sem nenhum tipo de controvérsia", disse o secretário ao UOL.

A declaração foi dada ontem, depois que a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, revelou um ofício do ministério, assinado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, Mayra Pinheiro, e encaminhado à Secretaria de Saúde de Manaus, considerando "inadmissível" a não-adoção de "medicações antivirais" no tratamento precoce e solicitando autorização para visitar as unidades no sentido de difundir a ideia.

Em entrevista à rede CNN Brasil, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), também negou pressão federal para o uso desses medicamentos no tratamento precoce da doença.

"Não tenho conhecimento sobre algum tipo de imposição nesse sentido. O governo federal defende o tratamento precoce, mas quem vai decidir a medicação do paciente é o médico. Enquanto governador tenho a obrigação de manter a medicação disponível, e vou seguir orientações dos profissionais do Ministério da Saúde", declarou.

Secretários de Saúde de outros estados consideraram o documento como "esdrúxulo" e "loucura".

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defende o uso de cloroquina no tratamento precoce contra covid-19 e já mostrou inclusive caixas do medicamento em lives e passeios pelo Palácio do Planalto. E a secretária Mayra Pinheiro já havia defendido o uso do mesmo remédio em reunião em Manaus, na semana passada.

O Ministério da Saúde chegou a discutir a distribuição em farmácias populares de um kit covid, que inclui medicamentos como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.

Campêlo disse que não viu o ofício do Ministério da Saúde, mas comentou que já usou alguns desses itens contra a doença seguindo orientação médica. Ele foi diagnosticado em setembro do ano passado.

"No interior do estado, muitos prefeitos fizeram isso [receitar o kit covid] ano passado e continuam fazendo neste ano. Dispensação de ivermectina, azitromicina e vitaminas", afirmou. "Eu, particularmente, tomei. Meu médico receitou e eu tomei a azitromicina, ivermectina e o complexo de vitaminas que foi passado. Não estou dizendo que deu certo ou não deu certo. Eu tomei aceitando recomendação médica."

Apenas 'recomendação', diz secretária municipal

O ofício foi endereçado à secretária de Saúde de Manaus, a médica Shádia Fraxe. Ao UOL, ela também negou pressão e disse que houve apenas "recomendação".

Questionada se autorizava a visita de representantes do governo federal nas unidades de saúde para "difundir" o kit covid, respondeu: "Não tenho que permitir. Não é bem assim. Vão fazer o protocolo do Ministério da Saúde e não obrigar".

"As tratativas com o Ministério da Saúde ainda estão acontecendo. Até o momento, não senti nenhuma pressão. Na verdade, existem estudos que dizem que [os medicamentos] funcionam e outros que dizem que não têm efeito. Ninguém é obrigado a nada", afirmou.

Na segunda-feira (11), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, viajou para Manaus para discutir medidas de enfrentamento à doença e defendeu o fortalecimento das UBSs.

Antes disso, na semana passada, Mayra Pinheiro, que assina o ofício, participou de uma reunião com o governo do Amazonas para tratar do colapso do sistema de saúde. No evento, o secretário Campêlo pediu recursos humanos para ampliar o número de vagas em UTIs e a representante do Ministério da Saúde recomendou uso preventivo de cloroquina para casos suspeitos da doença.

Distribuição na arena

O uso dos medicamentos já era assunto na capital amazonense antes mesmo da alta nos casos e mortes e da visita de Pazuello.

No fim de dezembro, antes de assumir o mandato, o atual prefeito da cidade, David Almeida (Avante), declarou em coletiva que iria distribuir ivermectina e azitromicina para a população tratar preventivamente da doença.

Ontem, o assessor médico da Secretaria Municipal de Saúde, Djalma Coêlho, disse que a prefeitura pretende entregar medicamentos na Arena da Amazônia ou no Sambódromo e que ainda não fizeram por falta de estoque nos fornecedores. O comentário foi feito durante uma audiência pública virtual da ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas).

A secretária de Saúde, Shadia Fraxe afirmou que "ainda não está nada certo". "Essa ação está sendo programada com ivermectina", falou. "Uma distribuição com tratamento baseado em evidência, profilático, baseado em ivermectina."

Em Manaus, pacientes já tiveram dificuldade para encontrar ivermectina na farmácia. No município de Urucará, no interior, uma paciente afirmou à reportagem que, além do kit covid, incrementou o tratamento por conta própria com um antibiótico. "É milagrosa", disse à reportagem.

Número de sepultamentos perto do recorde

Até ontem, o número de pacientes na fila de espera por um leito nos hospitais do estado permanecia alto: 374 pessoas, sendo que 60 em estado grave precisam de UTI.

O número de enterros no mesmo dia foi de 166 —um a menos que o pico da primeira onda, quando foram registrados 167 sepultamentos num só dia, em 28 de abril do ano passado.

Em Manaus, a alta taxa ocupação de leito não poupa nem crianças, que não são consideradas grupo de risco: 100% dos leitos de UTIs infantis para covid-19 estão ocupados. Mais um drama do colapso na cidade é a previsão que falte oxigênio nos próximos dias.