Família relata morte sem UTI no extremo do AM: "Segurei sua mão no adeus"
O dia 26 de janeiro marcou o último suspiro do aposentado Antônio Basílio, 79. Internado por cinco dias com covid-19 no Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste do Amazonas, ele foi uma das 30 pessoas que morreram neste ano na cidade mais indígena do país —96% das pessoas são indígenas.
Em 2020, foram registrados 59 óbitos pela doença na cidade, que não tem ligação rodoviária com o resto do país e enfrenta uma segunda onda bem severa.
Antônio foi vítima do novo coronavírus. Mas, mais ainda, do colapso no sistema de saúde do Amazonas. Quando seu quadro se agravou, ele não teve acesso a uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva). A mais próxima fica em Manaus, ou seja, a duas horas e dez minutos de voo ou quatro dias de barco. Mas não havia vagas.
A família do idoso conta que, ciente do caos que tomava conta dos hospitais na capital, preferiu não autorizar uma eventual transferência (mesmo que houvesse uma vaga).
A família entrou em um acordo: ele tinha que ficar aqui. Se fosse para morrer, melhor aqui, entre nós. Acreditávamos que, se ele fosse para Manaus, não iríamos ter a chance de dar o último adeus a ele.
Érika Calebe, 25, neta dele
"Aqui eu estava segurando a mão dele", conta ela, que registrou numa foto aquele último aperto de mão.
Antônio chegou a dar entrada no Centro de Referência Miguel Quirino, onde passou apenas uma noite, em observação. "Ele apresentou melhoras. Retornamos para casa e cuidamos dele", conta, citando um tratamento caseiro.
"Minhas tias fizeram todo tipo de chá caseiro, e ele melhorou por alguns dias e se alimentou bem. Mas depois a pressão subiu muito —ele era hipertenso e já tinha tido um AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Cinco dias depois de seu retorno, acionamos a ambulância para levá-lo ao hospital [de Guarnição]", diz.
A situação se agravou rapidamente. "Ele deu entrada no domingo [22]. Vimos o sufoco dele, não estava conseguindo respirar. No dia seguinte foi intubado, mas não resistiu e morreu na quarta", afirma.
A mulher de Antônio, Conceição da Silva, 83, também pegou covid-19, mas não precisou ser internada. "Estamos aqui com ela. Aos poucos ela está se recuperando. Não é fácil perder alguém que se ama, e nós não vamos perder a minha avó", diz Érika.
"Quem se agrava, não resiste"
O colapso em Manaus fez com que a situação em São Gabriel da Cachoeira ficasse ainda pior.
"Se estivéssemos fazendo as transferências, teríamos salvado mais gente. Não temos UTI nem como manter pacientes graves por muito tempo. Se intubou, é preciso encaminhar para a capital, e não está tendo esse fluxo", diz uma enfermeira que preferiu não se identificar.
A cidade está fechada para a entrada e a saída de pessoas desde a segunda semana de janeiro. Embarcações fluviais estão com tráfego suspenso, com exceção do transporte de cargas.
Na primeira onda, a cidade fez uma testagem em massa e chegou a liderar, proporcionalmente, casos de covid-19 no país em junho.
Ontem (8), São Gabriel da Cachoeira tinha 17 pacientes internados, além de um morador que está em estado grave em Manaus. "Oito dos que estão aqui são casos mais graves, fazendo uso de oxigenoterapia. Três precisam de UTI", diz.
Segundo a enfermeira, o desafio tem sido maior na segunda onda. "Eles estão piorando muito rápido. Quem se agrava, não resiste", diz.
A ONG MSF (Médicos sem Fronteiras) atua na cidade e em Tefé, além de preparar apoio para Manaus.
"Embora nas últimas semanas tenha havido queda no número de novos casos, os pacientes que chegam estão geralmente em estado mais grave", afirma coordenador de emergência de MSF no Brasil, Pierre Van Heddegem.
A ação do MSF inclui uma ajuda na testagem dos moradores e rastreamento dos casos. "Nosso objetivo é fazer a detecção precoce dos casos para evitar que os pacientes já cheguem em estado mais grave quando procuram atenção médica", diz ele.
Também ajudaram a montar uma estrutura para que testes possam ser feitos na cidade. Hoje o resultado sai no mesmo dia, antes demorava uma semana.
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