AM: Hospitais militares fazem reserva e 72% de leitos de covid ficam vagos
Hospitais das Forças Armadas no Amazonas estão com mais da metade dos leitos para a covid-19 vagos, à espera de eventuais adoecimentos de militares ou familiares.
Enquanto isso, o estado enfrenta um colapso sem precedentes, com transferência de doentes para outros estados e fila de espera desde o dia 6 de janeiro.
Nesta quarta, segundo boletim da Secretaria da Saúde do Amazonas, 84 dos 116 leitos (ou 72,4% do total) destinados para pacientes de covid-19 estavam livres nos hospitais militares. Enquanto isso, 278 pacientes aguardavam na fila oficial: 217 em Manaus e 61 no interior.
O estado não fez um pedido formal para usar esses leitos. Já as Forças Armadas dizem que o benefício não é "um privilégio infundado", há custeio com contribuições dos militares e o uso indevido "prejudica a segurança" (leia mais abaixo).
Manaus possui dois hospitais das Forças Armadas: o Hospital da Aeronáutica e o Hospital Militar de Área de Manaus, além de uma Policlínica Naval.
A partir de 6 de janeiro, o estado passou a não ter capacidade de internar todos os doentes de covid-19. Uma fila de espera surgiu em leitos públicos e privados.
No dia 29 de janeiro, a espera atingiu o ápice, com 509 pessoas aguardando vaga. Nesse mesmo dia, os hospitais militares tinham 52 leitos clínicos livres.
O governo passou a transferir doentes mais graves. Desde 15 de janeiro, 529 pessoas foram levadas a outros estados e ao Distrito Federal —37 delas morreram e 173 se recuperaram. Os demais continuam o tratamento longe de casa.
Defesa: Reserva para segurança dos militares
O Ministério da Defesa afirmou ao UOL que os leitos estão vazios para internar militares caso adoeçam e não sinalizou com a possibilidade de ceder vagas ao SUS (Sistema Único de Saúde).
"Estes [leitos] constituem reserva técnica para garantir a saúde do pessoal militar e, assim, assegurar a possibilidade de seu restabelecimento para o pleno e pronto emprego das Forças Armadas", disse.
Ainda de acordo com o ministério, os hospitais têm um "rol delimitado de beneficiários" e "o sistema de saúde das Forças Armadas é parcialmente custeado com recursos privados dos militares e de seus dependentes".
"O desvio indevido de seu uso prejudica as funções militares ou a segurança do militar, que tem o dever e a coragem de arriscar sua vida com a certeza de que terá um atendimento médico rápido e eficiente quando necessitar. Ao contrário do SUS, o sistema de saúde das Forças Armadas não é universal e tampouco dispensa para o seu custeio as contribuições mensais e as indenizações de seus beneficiários."
"Longe de ser um privilégio infundado, a assistência médico-hospitalar é um direito dos militares calcado nas peculiaridades de suas atividades."
Não houve pedido para uso, diz estado
A Secretaria de Saúde do Amazonas informou que não fez um pedido oficial para usar leitos dos hospitais militares.
"Não houve pedido nesse sentido até o momento", disse a pasta em nota. "O Amazonas trabalha em duas frentes para ampliar o atendimento a pacientes de covid-19: transferências para tratamento em outros estados e abertura de novos leitos: 100 de UTI e 250 de leitos clínicos".
Nas últimas duas semanas, 188 leitos entraram em funcionamento.
Reserva é absurda, diz especialista
Para a sanitarista Bernadete Perez, as atitudes militar e governamental não têm lógica.
"Não tem cabimento transferir doentes sem utilizar toda a capacidade instalada, ainda mais durante uma epidemia com restrição de mobilidade", diz.
Todo leito das Forças Armadas --bancadas com recurso público-- tinha de ser disponibilizado para a população.
Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e sanitarista
Ainda no início da pandemia, entidades solicitaram a criação de uma fila única de leitos, coordenada pelo SUS, como ocorre nos transplantes de órgãos. O Ministério da Saúde não acatou a sugestão.
Em maio, um pedido foi feito para usar leitos desses hospitais no Pará, mas Justiça Federal negou a solicitação.
Também em maio, um projeto de lei do deputado Helder Salomão (PT-ES) chegou a ser apresentado na Câmara para integrar esses leitos ao SUS durante a pandemia, mas ele nem sequer entrou em votação.
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