Médico relata solidão na UTI e conversa com esposa: 'Sensação de despedida'
Há quase um ano, o médico pernambucano Rodrigo Rego Barros, 31, viveu o momento mais difícil de sua vida. Mesmo sem nenhuma comorbidade, ele precisou ser intubado por conta do agravamento da covid-19. Foram duas semanas sedado, respirando por aparelhos em um hospital do Recife.
Por ser da área de saúde, ele sabia que iria travar uma dura batalha pela vida —e venceu.
Não tem como ter um sentimento diferente de um renascimento. A vida ressignifica para você. Algumas coisas a que se dava muita importância deixam de tomar tanto o seu tempo, como também outras passam a ser imprescindíveis na sua vida.
Rodrigo Rego Barros, médico, após contrair covid-19
Em relato ao UOL, ele conta da emocionante ligação à esposa para avisar da intubação —"a sensação era de despedida"—, do longo período de recuperação após deixar a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e das marcas e sequelas da doença causada pelo novo coronavírus.
Ao final, faz um apelo: "Usar a máscara, lavar as mãos e praticar o distanciamento não só te protege, como protege as pessoas ao seu redor. Cuidem dos seus!". A seguir, seu depoimento:
"Fiquei doente há pouco menos de um ano. Sou gastro-hepatologista e hoje coordeno uma emergência de grande porte da região metropolitana do Recife. Na época, era diarista dessa mesma emergência e, como quase todos os colegas médicos, continuei trabalhando durante a pandemia.
Adoeci ajudando outras pessoas, o que faz parte do meu ofício.
Comecei a ter os primeiros sintomas no início de abril de 2020, procurando atendimento médico após uma semana, quando comecei a apresentar falta de ar e queda da saturação de oxigênio.
No dia em que cheguei ao hospital, já apresentava 50% de acometimento pulmonar. Aquele momento para mim foi bastante difícil. O internamento por covid-19 tem uma peculiaridade, que é a solidão.
Foram dois dias num quarto, enquanto apresentava piora da minha situação —foi quando fui transferido para a UTI.
Como trabalho há muitos anos com pacientes graves, sabia que naquele momento seria intubado. Por 'sorte' minha, quem me recebeu na UTI foi um querido amigo —e na época meu chefe—, Aarão Barreto.
Nós dois já sabíamos o que viria por diante e foi quando Aarão me perguntou se eu já havia falado com minha esposa. Perguntei naquele momento se ele iria me intubar. Ele confirmou que sim.
Liguei para minha esposa dando a notícia e, naquele momento, a sensação era de despedida. Terminado o telefonema, olhei para Aarão e disse: 'Pode vir, chefe, estou pronto!'.
Soube só muitos meses depois que, ao terminar o procedimento de intubação, Aarão disse ao meu ouvido que eu iria sair daquela situação.
Foram 18 dias de UTI, 14 deles intubado e em coma induzido. Fui, graças a Deus e a todos os profissionais que cuidaram de mim, melhorando aos poucos e recebi alta.
Como eu estava desacordado, aqui começa o período mais difícil para mim. Desorientado, emagrecido e com grande perda de massa muscular, mal conseguia me sentar à cama. Depois de alguns dias, fiquei em pé pela primeira vez. As pernas mal me seguravam, e o oxigênio despencava.
Foram ainda 12 dias internado, recebendo cuidados médicos, da nutrição e fisioterapia. Voltei para casa ainda desfigurado e precisando de ajuda para a maioria das coisas, como tomar banho, por exemplo. Dali seguiram-se mais meses de fisioterapia, três vezes por semana.
Voltei a trabalhar, recuperei minha massa muscular, mas ainda apresento levemente cansaço aos esforços. Hoje já terminei meu período de fisioterapia, me alimento bem, sou saudável e pratico atividade física ao menos quatro vezes por semana.
Muito mudou para mim neste último ano. Passei por muitas coisas e tive que vencer muitos obstáculos. Mas pouco aconteceu no Brasil. Hoje, um ano após tudo o que vivi, estamos vivendo um cenário muito parecido com aquele, já com indícios de que viveremos momentos ainda mais difíceis, como já vimos em Manaus e agora no Sul do país.
Hoje o Brasil é o maior laboratório a céu aberto do mundo na evolução na covid-19. Não temos uma barreira significativa a seu avanço. Por isso, deixo meu apelo à população: sou jovem e sem comorbidades. Quase fui embora por esta doença. Não deem chance ao azar. Se cuidem.
Mantenham as medidas de isolamento e uso de máscara, ainda são as únicas barreiras concretas que temos hoje até a vacinação adquirir uma cobertura importante. Não ache que você, por ser jovem, por ser atleta ou por já ter tido a doença, não possa adoecer.
Estudos já demonstraram que os países que mais atingem o isolamento são os que têm uma consciência coletiva. Usar a máscara, lavar as mãos e praticar o distanciamento não só te protege, como protege as pessoas ao seu redor. Cuidem dos seus!".
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