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SP: Mais novos, fujões da 2ª dose da vacina alegam 'falta de tempo'

Atrasados, Edna e Adailton de Oliveira tomam a segunda dose da vacina contra covid-19 em casa - Lucas Borges Teixeira/UOL
Atrasados, Edna e Adailton de Oliveira tomam a segunda dose da vacina contra covid-19 em casa Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

08/08/2021 04h00

"Dona Edna", grita a enfermeira Erica Silva, 36, em frente de uma casa na Vila Progresso, zona leste de São Paulo. "Dona Edna", ela repete mais duas vezes até que um homem abre o portão gradeado. Ao fundo, a professora Edna de Oliveira, 58, aguarda, animada, a equipe de saúde entrar para tomar a segunda dose da vacina contra covid-19.

Como Edna, 198 mil moradores da capital paulista estão com o esquema vacinal incompleto por atraso da segunda dose. Para contornar o problema, a prefeitura tem investido na busca ativa dos "fujões", por meio de ligações e visita à residência. Assim, as equipes de saúde descobriram que, com a diminuição das faixas etárias, o principal motivo alegado hoje é a "falta de tempo" —antes, as justificativas eram relacionadas a dificuldades de locomoção e doença.

"Eles [funcionários da UBS] já tinham me ligado. Mas é que eu tenho que cuidar da minha mãe, sabe? E ontem eu tive que resolver umas coisas. Eu pretendia ir lá amanhã", afirma Edna. O marido, Adailton de Oliveira, 62, também estava com a segunda dose atrasada.

"Temos ouvido muitas histórias assim. As pessoas falam que estão sem tempo, mas muitas vezes nem é trabalho, é para fazer outra coisa", afirma Cibele Oliveira, 35, enfermeira responsável pela UBS (Unidade Básica de Saúde) Vila Progresso.

Isso acontece também em outros locais. Nesta semana, o surfista Gabriel Medina, 27, admitiu ter cometido um "erro" ao não se imunizar para a disputa dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ele citou a "agenda de treinos" e o foco no Campeonato Mundial de Surfe como motivos que o impediram de "encaixar a imunização". Mas ele não poderá disputar a última etapa, em Teahupoo, justamente por não estar imunizado.

Levantamento em SP é feito uma vez por semana

Em São Paulo, a enfermeira Cibele Oliveira conta a história de uma mulher que estava com atraso de quase uma semana e, quando contatada, disse não ter ido porque teve de vacinar o cachorro. "Mas a vacinação contra a raiva é literalmente nessa esquina [perto da UBS]! Ela só não quis vir mesmo", lamenta Oliveira.

Equipe de saúde da UBS Vila Progresso aguarda para aplicar a segunda dose em faltosos em casa - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Equipe de saúde da UBS Vila Progresso aguarda para aplicar a segunda dose em faltosos em casa
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

A chamada "busca ativa" é uma técnica já usada no SUS (Sistema Único de Saúde) para o controle de outras vacinas. Uma vez por semana, os funcionários de cada UBS fazem um levantamento dos faltosos para a segunda dose da semana anterior.

Com a lista, o primeiro passo é ligar para o número cadastrado no ato da vacinação ou na base do SUS. Três tentativas são feitas. Se o faltoso atender, eles dão um prazo de sete dias para que vá ao posto.

"As pessoas geralmente são educadas. Tem um ou outro que é mais grosso, mas é raro, porque eles já nos conhecem, né? Vêm aqui no posto. Eu mesmo, quando estou atendendo, já pergunto da vacina", conta o dentista Leandro Batista, 31, que ajuda a fazer a ligações.

Caso eles não consigam entrar em contato, o motivo da falta seja doença ou a pessoa não procure a unidade de saúde mesmo após sete dias, uma equipe com pelo menos uma enfermeira e uma auxiliar de enfermagem traçam uma rota para caçar os fujões.

O dentista Leandro Batista ajuda nas ligações em busca dos fujões da segunda dose na UBS Vila Progresso, em São Paulo - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
O dentista Leandro Batista ajuda nas ligações em busca dos fujões da segunda dose na UBS Vila Progresso, em São Paulo
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Embalagens térmicas e roteiro definido

As vacinas são sempre transportadas em um carro oficial da Secretaria Municipal de Saúde em embalagens térmicas. A equipe leva todo o kit para aplicação, incluindo o lixo para seringas. O número de visitas varia, mas, por causa da conservação dos imunizantes, as rotas duram no máximo 2 horas.

Nem sempre a busca é bem-sucedida. A rota acompanhada pela reportagem previa três vacinações. No último endereço, a mulher não estava em casa.

Com a chegada às faixas etárias economicamente ativas, a Prefeitura de São Paulo também tem destinado os sábados a mutirões de segunda dose exatamente para quem não consegue ir ao posto durante a semana por causa do trabalho.

Número de fujões segue alto

Segundo a secretaria, em especial com a transmissão comunitária da variante delta na cidade, completar o esquema vacional de quem já tomou uma dose tornou-se prioridade. No último grande mutirão, em 31 de julho, a prefeitura vacinou 45 mil atrasados.

Temos trabalhado todos os sábados, às vezes domingo para atingir esse público. Mas quem não vai durante a semana por causa do trabalho não é o problema, pois eventualmente aparece. É diferente de quem realmente esquece ou deixa para lá, como se uma dose só bastasse."
Andresa Dias, gerente da UBS Vila Progresso

Ainda assim, o número de pessoas que deixam de tomar a segunda dose segue alto. No início de junho, quando os mutirões começaram, eram 197 mil atrasados. A prefeitura conseguiu diminuir para 100 mil, mas, com o aumento dos vacinados —e, consequentemente, de postulantes à segunda dose— o número voltou a crescer.

"A capital tem intensificado o serviço de busca ativa, que ajuda a compreender os motivos da ausência na segunda dose da vacina anticovid, que pode ser desde uma mudança de endereço, como a espera por um acompanhante para ir ao local de vacinação, e até mesmo um esquecimento", diz a SMS.

Dias não desanima. Embora não concorde os motivos para o atraso, diz entender que faz parte."É um trabalho que já estamos acostumados. Fazemos isso com outras vacinas e temos muito contato com a comunidade. Então, as pessoas nos conhecem e conseguimos chegar a todos. É a beleza do SUS, algo que realmente nos emociona", conclui.

Triagem da vacina na UBS Vila Progresso, na zona leste de São Paulo; primeira e segunda dose ficam em filas diferentes - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Triagem da vacina na UBS Vila Progresso, na zona leste de São Paulo; primeira e segunda dose ficam em filas diferentes
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL