Prefeitura de SP não multa ninguém por uso irregular de máscara em 10 meses
Embora autorizada a multar quem não usa máscara facial pelas ruas da cidade durante a pandemia de coronavírus, a Prefeitura de São Paulo não multou ninguém entre 1º julho de 2020 e 17 de maio de 2021, período informado ao UOL por meio de LAI (Lei de Acesso à Informação). Procurada, a prefeitura informou que optou por "campanhas educativas e não punitivas".
A aplicação de multas foi autorizada em 29 de junho de 2020, quando o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn, publicou no Diário Oficial do Estado a Resolução SS-96, que "dispõe sobre as ações de Vigilância Sanitária (...) para fiscalização do uso correto de máscaras".
De acordo com o documento, o valor da multa a "transeuntes que não estiverem usando as máscaras cobrindo corretamente o nariz e boca" corresponde a "19 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo", que em 2020 equivaliam a R$ 524,59 e que este ano representam R$ 552,71.
Embora a resolução seja estadual, seu Artigo 5º decide que "As penalidades decorrentes de infrações às disposições desta resolução serão impostas (...) pelos órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária".
Na cidade de São Paulo, o órgão é a Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde), um dos 645 órgãos municipais de vigilância sanitária que integram a Sevisa (Sistema Estadual de Vigilância Sanitária).
Em reposta por meio de LAI, a Covisa informou que nenhuma multa foi aplicada, embora milhares de pessoas tenham sido abordadas.
Não houve autuação e multa aplicada por este órgão por não uso ou uso incorreto de máscara. As ações realizadas foram orientativas."
Coordenadoria de Vigilância em Saúde da Prefeitura e São Paulo
No período, diz a coordenadoria, "mais de 25.584 transeuntes [foram] abordados e orientados sobre o uso correto de máscaras faciais". Se convertidas em multas, as autuações representariam cerca de R$ 14,1 milhões, considerando o valor atual das 19 Unidades Fiscais.
Assinado pelo chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, Armando Luis Palmieri, a LAI informa que o município distribuiu 11.199 materiais gráficos educativos e 1.746 máscaras pela cidade, principalmente em "locais com o maior fluxo de pessoas, com orientações nos estabelecimentos comerciais e para a população".
No dia seguinte à resolução, foi publicada a Portaria CVS Nº 15, que orienta sobre como deve ser a fiscalização. O documento volta a frisar que "as equipes de Vigilância Sanitária responsáveis pelas ações" são "compostas por técnicos estaduais, municipais ou integradas".
"As equipes devem programar suas ações em logradouros, avaliando aqueles locais que apresentam maior risco, quer seja pela circulação maior de pessoas ou que estejam potencialmente colocando outras em risco no contato direto", diz a portaria ao orientar o fiscal a "lavrar os autos de infração de forma clara e detalhada e dar ciência ao autuado, que deve assiná-lo".
Em caso de recusa em receber a multa, a penalidade é enviada por correspondência, garantindo "os direitos de ampla defesa" ao munícipe.
Em nota a prefeitura admite que não mutou ninguém porque "tem optado por ações educativas, reforçando à população a necessidade do uso correto das máscaras, não fazendo desta uma ação punitiva, com multas".
"Até o dia 3 de agosto de 2021, 18.126 estabelecimentos foram orientados quanto à necessidade do uso correto de máscaras, 12.893 materiais gráficos educativos distribuídos e 1.788 máscaras distribuídas nas ações nos grandes centros comerciais, nas diferentes regiões de São Paulo e locais com o maior fluxo de pessoas", afirma.
Leis que não pegam
Advogado especializado em direito público, Roberto Piccelli lembra que a resolução informa que a aplicação de multa "tem de ser precedida de campanha informativa". Segundo o documento, ela precisa ser "realizada pelo governo do Estado nos meios de comunicação, como jornais, revistas, rádio e televisão, para esclarecimento sobre os deveres, proibições e sanções impostos por esta resolução".
"Se houve campanha informativa e a prefeitura recebeu denúncia, tem de aplicar a penalidade", diz o advogado. "O correto é que o indivíduo apresente sua defesa. Se a justificativa não for adequada, deve-se multar."
A gente tem um problema crônico na aplicação de normas no Brasil, leis que não pegam. Numa pandemia é importante que as autoridades cumpram. A multa sinaliza aos munícipes que o descumprimento da norma tem consequência."
Roberto Piccelli, advogado
"É diferente do trânsito"
Imunologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, Ana Marinho afirma que a dificuldade em multar alguém por não usar máscara é que "não existe um parâmetro objetivo para a aplicação de multa".
"É diferente de uma regra de trânsito, em que há muita clareza sobre a irregularidade. A pessoa pode estar com a máscara na mão e dizer ao fiscal que já vai colocar. Como é que ela vai ser multada?", questiona a médica, para quem a fiscalização "teve mais um caráter educativo do que punitivo".
Marinho afirma que o uso de máscara é a medida "mais importante para o controle da pandemia junto à higienização das mãos e distanciamento social" e não deve ser dispensado mesmo "em ambientes abertos com muitas pessoas circulando".
"O coronavirus é altamente transmissível: são gotículas respiratórias que a máscara tenta barrar tanto em ambientes fechados quando em lugar aberto, com muitas pessoas circulando e onde o distanciamento social não é possível", diz.
A imunologista diz acreditar que o uso de máscara pode se tornar um hábito depois da pandemia, "principalmente nas instituições de saúde".
"Eventualmente algumas pessoas também vão usar no transporte público quando estiver com um resfriado, por exemplo", diz.
Bolsonaro foi multado na capital
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi multado na capital em 12 de junho por não usar máscara durante uma motociata em São Paulo. A penalidade, porém, foi aplicada pela vigilância sanitária estadual, do governador João Doria (PSDB).
O estado voltou a multar o presidente no dia 25 de junho pelo mesmo motivo, agora em Sorocaba, interior paulista. Além de Bolsonaro, três ministros e 12 autoridades receberam a multa de R$ 552,71 cada.
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