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Vacina, variante gama e máscaras: o que barra internações pela delta?

A variante delta é mais infecciosa e pode escapar da resposta imune gerada pelas vacinas  - iStock
A variante delta é mais infecciosa e pode escapar da resposta imune gerada pelas vacinas Imagem: iStock

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, no Rio

18/09/2021 04h00

A variante delta do coronavírus já é uma realidade no Brasil e está se tornando predominante em muitos estados, superando outras cepas que causam a covid-19. No entanto, sua presença não veio acompanhada de um aumento de hospitalizações e mortes, como ocorre em outros países. Ainda é cedo para comemorar, mas especialistas já têm algumas hipóteses para explicar por quê.

Estudos apontam que essa nova mutação do vírus, surgida na Índia, é mais infecciosa e tem maior capacidade de escapar da resposta imune gerada pelas vacinas. Israel, por exemplo, vive uma terceira onda de casos, mais forte que a anterior — lá, a média de mortes também subiu, porém, está em menos da metade da que foi registrada na curva anterior.

Os Estados Unidos vivem uma onda quase tão intensa quanto a anterior, com média móvel de mais de 150 mil casos (calculada pela média diária de casos dos sete dias anteriores). A curva de mortes também está em ascensão, com média de quase 2.000 óbitos. Por outro lado, alguns países europeus, como França e Reino Unido, mesmo com uma disparada nos casos causada pela chegada da nova mutação do vírus, não tiveram alterações significativas na mortandade.

No Brasil, a delta estava presente em 71,5% das amostras de vírus sequenciadas em agosto, segundo a Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Só que esse índice varia muito por estado: em Minas Gerais, a cepa está em 50% das amostras analisadas; em Goiás, em apenas 18%; em São Paulo e Rio de Janeiro, em 85% e 89%, respectivamente.

"Os dados já apontam na direção de que a delta pode, sim, ser a variante predominante", diz Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública e coordenador do Infogripe, da Fiocruz. "Mas a nossa grande preocupação, de que a variante pudesse gerar um aumento expressivo no número de casos, isso, felizmente, ainda não se confirmou", afirma.

É o que parece ter acontecido no Rio de Janeiro, cidade que chegou a ser intitulada de "epicentro da delta no Brasil" pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), com 98% dos resultados dos sequenciamentos indicando essa cepa. De julho a agosto, os casos de covid subiram 44%, alcançando o pico de toda a pandemia (40 mil no mês passado).

As hospitalizações até subiram, mas em ritmo menor. No dia 30 de julho, havia 403 pacientes internados em UTIs da cidade. Um mês depois, em 28 de agosto, eram 508, uma elevação de 26%, ainda abaixo da alta no número de casos. Mas esse aumento não se sustentou e, ao longo de setembro, caiu para o patamar anterior, média de 400 internados em UTIs.

Os cientistas ouvidos pelo UOL são cautelosos ao analisar o comportamento da variante delta no país, mas alguns arriscam hipóteses, principalmente sobre os dados da capital fluminense. Umas delas considera a coincidência temporal da chegada da mutação no país com o avanço da vacinação.

No Brasil, acabou coincidindo o fato de nós termos a maior parte da população com uma vacinação de primeira dose relativamente recente, favorecendo que as pessoas tenham um título de anticorpos que consiga evitar que a delta venha a provocar doença"
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade de Campinas) e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia)

Isso, mesmo considerando que a primeira dose de qualquer vacina possa ser insuficiente para fazer frente à delta, observa a infectologista. O que também pode estar contribuindo para o baixo número de internações no país é a alta cobertura vacinal entre os idosos.

Além dessa simultaneidade com a vacinação, nós temos também a proximidade com picos muito fortes e recentes de covid-19. Nós tivemos o mês de março avassalador e, passou meio despercebido, mas maio também foi intenso, principalmente para a população adulta"
Marcelo Gomes, pesquisador da Fiocruz

Gomes e Stucchi concordam que essa última onda, provocada pela gama, pode ter imunizado naturalmente uma parcela da população que pegou e sobreviveu à doença. Ainda que essa proteção induzida seja temporária, ela pode estar ajudando a bloquear parte dos casos graves que a variante delta poderia provocar.

Casos provocados pela variante gama podem ter gerado imunidade, o que talvez esteja ajudando a bloquear parte dos casos graves que a variante delta poderia provocar - Reprodução - Reprodução
Casos provocados pela variante gama podem ter gerado imunidade, o que talvez ajude a bloquear casos graves da variante delta
Imagem: Reprodução

O recrudescimento recente da pandemia fez com que o Brasil demorasse para baixar as medidas de restrição — outra hipótese para o bloqueio do poderio da nova mutação. Apesar de alguma flexibilização nos últimos meses, o país persiste no uso de máscaras. Em Israel e nos EUA, a proteção facial já não era mais obrigatória quando a delta começou a mostrar usa força — o país do Oriente Médio recuou logo depois da decisão.

Apesar das hipóteses que propõem, tanto Gomes como Stucchi dizem que é cedo para comemorar. "Temos que ter cautela, pois agora é só o começo do relacionamento [com a delta], e atritos podem surgir no futuro próximo", diz a infectologista. Ela calcula que são necessárias de 4 a 6 semanas para ter uma dimensão mais precisa do impacto da variante por aqui.

A avaliação do neurocientista Miguel Nicolelis sobre o cenário atual é mais pessimista. "Nós ainda não vimos a face da delta no Brasil", afirma. "Levou quatro meses para a cepa explodir nos EUA. Nós ainda estamos dentro dessa janela".

Nicolelis concorda com o argumento de que a vacinação, somada à imunização natural decorrente do contato com a gama, diminuem a quantidade de pessoas suscetíveis à delta, mas ele acha que ainda há bolsões enormes de pessoas que podem ser infectadas.

É prematuro decretar vitória. Aqui, a delta provavelmente está se espalhando pelas rodovias, está buscando grupos de suscetíveis. Quem são? Adolescentes, pessoas não vacinadas e idosos que tomaram a vacina no começo e os anticorpos estão começando a cair"
Miguel Nicolelis, neurocientista