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Em 2020, vice-presidente do CFM defendeu prescrição de 'kit covid'

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

08/10/2021 04h00Atualizada em 08/10/2021 16h35

Em reunião em julho de 2020 com um órgão do Ministério da Saúde, um vice-presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, defendeu o parecer do conselho que dá autonomia ao médico para prescrever remédios do "kit covid" contra a covid-19.

À época, eles já não tinham eficácia comprovada no tratamento contra a doença causada pelo novo coronavírus. A OMS (Organização Mundial da Saúde), inclusive, tinha interrompido testes com eles em pacientes.

O encontro foi organizado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, liderada por Mayra Pinheiro, que ganhou o apelido de "Capitã Cloroquina" pela defesa de tratamentos com hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina e azitromicina.

No evento, Emmanuel Fortes, psiquiatra formado em Alagoas, diz que o parecer de autonomia aos médicos do CFM foi uma das decisões "mais sábias" naquele momento.

"É conferir ao médico a autonomia de escolher a melhor conduta para seu paciente mesmo diante de evidências observacionais de alguns aspectos científicos, como a eficácia desses medicamentos em vitro, sem a comprovação em vivo", disse Fortes sobre os remédios.

Ele pontuou que "o conhecimento dos efeitos colaterais desses medicamentos é do conhecimento dos médicos" e que, prescrevendo-os, os médicos "sabem da responsabilidade".

Estudos já concluíram que esses remédios não funcionam contra a covid-19. Já os efeitos colaterais podem ser graves. Eles também fazem parte do "kit covid" da Prevent Senior, hoje investigada pela CPI da Covid por ter colocado pacientes sem anuência deles nem conhecimento dos familiares em um estudo sobre esses medicamentos.

A mesma reunião também reforça que o governo e operadoras de saúde atuaram em conjunto para ampliar a prescrição desses remédios. O superintendente nacional da Hapvida, Anderson Nascimento, também participou da reunião, conforme noticiou o jornal O Globo.

Emmanuel Fortes e o presidente Jair Bolsonaro em post do vice-presidente do CFM - Reprodução/Facebook Emmanuel Fortes  - Reprodução/Facebook Emmanuel Fortes
Emmanuel Fortes e o presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Reprodução/Facebook Emmanuel Fortes

Fã do presidente

Emmanuel Fortes é admirador público do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em uma postagem no seu Instagram, junto ao presidente, o médico afirmou: "Aproveitei para fazer o registro e declarar que continuo confiando em seu governo e estarei consigo em 2022".

Ele teceu elogios a Bolsonaro na condução da saúde e, ao final do texto, fez uma ressalva. "Confio em seu governo, embora não perca a capacidade de criticar aquilo com o que não concorde", escreveu.

Fortes tentou seguir carreira política. Em 2018, saiu como candidato a deputado federal em Alagoas pelo PRTB, mas não foi eleito. Em 2020, tentou ser vice-prefeito de Maceió, dessa vez pelo PSL, partido que, à época, abrigava Jair Bolsonaro. Também não se elegeu.

As opiniões do vice-presidente não estão isoladas. O próprio conselho já se mostrou alinhado às pautas de Bolsonaro —a principal delas é justamente o aval para médicos prescreveram remédios comprovadamente ineficazes contra a covid.

O presidente do conselho, Mauro Ribeiro, também teve vídeos compartilhados no Twitter de Jair Bolsonaro. Os dois já se encontraram ao longo de 2020 para debater o uso da hidroxicloroquina contra a covid.

O CFM só se manifestou sobre as vacinas na pandemia após pressão de ex-dirigentes do órgão que, em uma carta, pediam que o órgão defendesse as vacinas e se posicionasse contrariamente a tratamentos alternativos contra o Sars-Cov-2.

Em junho, o UOL revelou que dois médicos conselheiros do CFM participaram de uma reunião do "gabinete paralelo" no Palácio do Planalto, em setembro do ano passado, junto ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

Intitulado pelo presidente como "Audiência com movimento 'Médicos pela Vida'", o encontro reuniu diversos profissionais da saúde que, sem máscara e dentro de uma sala fechada, defenderam o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19 e o tratamento precoce.

Após a publicação da reportagem, o CFM, em nota, comentou o "tratamento precoce" dizendo que "não há estudos científicos, com metodologia inconteste, que comprovem o efeito de medicamentos na fase inicial da covid-19, antes da manifestação de sintomas graves da doença".

Não é verdade essa afirmação. Estudos recentes já afirmam categoricamente que os remédios são ineficazes contra a covid, além de também tratarem de efeitos colaterais, como um aumento de problemas gastrointestinais.

"O ponto fundamental que embasa o posicionamento do CFM, portanto, é o respeito absoluto à autonomia do médico na ponta de tratar, como julgar mais conveniente, seu paciente; assim como a autonomia do paciente de querer ou não ser tratado pela forma proposta pelo médico assistente", afirmou o CFM.

Isso também é controverso, já que pacientes relataram terem sido coagidos por um plano de saúde a tomarem o "kit covid".