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Estados da Amazônia sofrem com negacionistas de vacina e doses encalhadas

Mutirão vacinou mais de 6.000 ribeirinhos, em junho, no Amazonas - Governo do Amazonas
Mutirão vacinou mais de 6.000 ribeirinhos, em junho, no Amazonas Imagem: Governo do Amazonas

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

11/12/2021 04h00

Depois de uma largada atrasada e com escassez de vacinas, o Brasil já tem doses suficientes para imunizar as pessoas acima de 12 anos contra a covid-19 —sem contar ainda as de reforço. Mas o avançar da vacinação foi criando uma mapa desigual pelo país, com os estados da Amazônia ostentando as menores taxas de imunização e com governos pedindo suspensão de envio de novas doses por falta de local para acomodá-las.

O maior desafio hoje, relatam, é vencer o negacionismo. As Secretarias de Saúde estão montando estratégias para tentar convencer suas populações a irem se vacinar para aumentar a proteção contra uma eventual circulação da variante ômicron.

Hoje, os sete estados com as menores taxas de vacinação completa são da Amazônia. Seis deles ficam na região Norte. Cinco nem sequer atingiram metade da população vacinada: Acre, Amapá, Maranhão, Pará e Roraima.

Até a quinta-feira (9), o Ministério da Saúde havia enviado 381 milhões de doses aos estados pelo país. Segundo o consórcio de imprensa, nesse mesmo dia estavam imunizados com dose única ou duas doses 138,8 milhões de brasileiros, ou 65% da população.

Dos nove estados da Amazônia Legal, só um tem média menor que dez pontos percentuais em comparação com a taxa nacional em população totalmente imunizada:

Ao UOL, o Ministério da Saúde informou que tem reforçado as ações de vacinação na região Norte e que todos os estados têm vacinas suficientes para suas populações. "Algumas unidades da federação chegaram a pedir a suspensão do envio de novas remessas de imunizantes, alegando falta de espaço para armazenagem", diz a pasta.

Diante das dificuldades enfrentadas nesses estados mais atrasados, o ministério fez parceria com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e secretarias de estados e municípios e "realiza uma força-tarefa para ampliar a cobertura vacinal, em toda a região, com as doses já disponíveis".

"Para garantir que os dados estejam atualizados, também será reforçada a quantidade de digitadores, que irão alimentar o sistema de dados de vacinação", completa.

Exército leva vacinas para aldeia indígena Yuyrareta, no Amapá - Exército/Divulgação - Exército/Divulgação
Exército leva vacinas para aldeia indígena Yuyrareta, no Amapá
Imagem: Exército/Divulgação

Casos mais críticos

No Amapá, a taxa de imunização é a mais baixa do país: 39,1% da população, pouco mais da metade do índice de São Paulo (76,8%) —estado líder no ranking de imunização.

Todos os estados têm doses, mas esbarramos agora na dificuldade de sensibilizar a população. Estamos buscando estratégias para desconstruir algumas inverdades sobre a questão vacinal."
Juan Mendes, secretário de Saúde do Amapá e vice-presidente para a região Norte do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde)

Sem aplicar doses, elas ficam estocadas, sem uso. Na quinta-feira, por exemplo, metade das doses enviadas pelo Ministério da Saúde para Roraima ainda não havia sido usada. A Secretaria de Saúde do estado informou ao UOL que envia doses aos 15 municípios quinzenalmente, "conforme solicitação da equipe municipais".

Hoje, quase uma em cada três doses estão de posse do governo estadual e nem sequer estão nas mãos dos municípios. "De 1.175.258 vacinas recebidas do governo federal, 808.105 doses foram enviadas às prefeituras, ou seja, mais de 68% do total recebido do governo federal", diz a pasta.

O governo ainda informou que está realizando —em parceria com ministério, Opas e 11 prefeituras— uma "ação de busca ativa na zona rural, para intensificar a campanha de vacinação contra a covid-19".

Tenda vacina moradores de Boa Vista  - Giovani Oliveira/Prefeitura de Boa Vista - Giovani Oliveira/Prefeitura de Boa Vista
Tenda vacina moradores na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima
Imagem: Giovani Oliveira/Prefeitura de Boa Vista

Também procurada para explicar as baixa taxa de vacinação, a Sespa (Secretaria de Saúde do Pará) enviou nota em que culpou a "desmobilização de salas de vacinas de fácil acesso por parte dos municípios, as fake news, o relaxamento da população em relação à pandemia e até mesmo as dimensões do estado com suas especificidades logísticas de grandes zonas rurais e locais de difícil acesso".

O estado realiza diversas campanhas de mobilização, de combate às fake news, além de orientar constantemente aos municípios que melhorem as estratégias, garantindo a vacinação em locais de grande circulação, realizando busca ativa da população de faltosos, ampliando horários da vacinação entre outras alternativas."
Sespa, em nota

Renata Quiles, coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) no Acre, concorda que a recusa da vacina pela população é ponto-chave no estado. "São pessoas em situações diversas, mas existe influência cultural e religiosa bem forte", afirma.

Por conta disso, ela cita que o governo do estado promoveu campanhas de esclarecimento à população. "Passamos dessa fase e agora as estratégias são mais efetivas no sentido de reduzir a circulação do vírus e minimizar os sintomas e risco de óbitos entre os infectados como, por exemplo, o passaporte de vacinação exigido em eventos e intensificação da vacinação nos períodos noturnos e finais de semana", explica.

Mutirão do governo do Acre, em Rio Branco, durou 48 horas para vacinar pessoas em junho - Júnior Aguiar/Secom Acre - Júnior Aguiar/Secom Acre
Mutirão do governo do Acre, em Rio Branco, durou 48 horas para vacinar pessoas em junho
Imagem: Júnior Aguiar/Secom Acre

A Secretaria de Saúde do Maranhão informou, em nota, que tem ajudado os municípios com ações como "os mutirões da vacinação, serviços de drive-thrus, busca ativa na capital e no interior do estado, além da distribuição de insumos enviados pelo Ministério da Saúde".

Risco para todos

A diferença de estágios na vacinação é motivo de preocupação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). Segundo a vice-presidente da entidade, Isabella Ballalai, o problema não deve ser tratado como restrito ao local onde há pouca adesão e defende que o país deva ficar em alerta.

"Esse é um problema de homogeneidade, que a gente vê, inclusive, em outras vacinas. E isso faz com que existam bolsões de não vacinados. A gente precisa não só de boas coberturas, mas de uma boa cobertura nos estados e nos municípios. E diria mais: até nos bairros. Não adianta só ter a capital com uma boa taxa, e o interior não", diz.

Ballalai alerta que a meta a ser alcançada é de 90% de pessoas imunizadas, o que permitiria um retorno de atividades em uma ambiente sanitário seguro.

Você pode comparar com o que está ocorrendo agora no mundo: enquanto tiver países da África sem vacina; da Europa e da América com baixas coberturas; vai ter risco de uma nova variante nascer em ambientes onde há circulação maior do vírus."
Isabella Ballalai, da SBIm

Como a ômicron é mais contagiosa que as variantes anteriores, segundo o que se sabe até agora sobre ela, a vacinação se torna ainda mais importante, explica Felipe Naveca, virologista e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia.

"A variante certamente terá mais facilidade em se espalhar em populações com baixa taxa de vacinados, ou com esquema incompleto, o que poderá resultar em aumentos de casos graves nessa população", diz.

Ele afirma que, apesar do momento de atenção mundial, os fabricantes estão anunciando que as vacinas existentes são eficazes contra a nova variante —e que a estratégia de proteção não vai mudar.

No caso da vacina da Pfizer, o fabricante divulgou que os anticorpos produzidos após uma terceira dose são suficientes para neutralizar o vírus. Isso, provavelmente, será mostrado para outras vacinas, ou em esquemas heterólogos. Esses mesmos resultados nos dão um importante alerta sobre a necessidade de avançarmos mais com a vacinação."
Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia

Testagem em massa feita em São Gabriel da Cachoeira, em setembro, achou só 3 casos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Testagem em massa feita em São Gabriel da Cachoeira, em setembro
Imagem: Acervo pessoal

Naveca tem saído em campo pelo interior amazônico desde o início da pandemia para investigar a disseminação e as variantes do SARS-CoV-2. Ele afirma que ouviu, em muitas missões, relatos de pessoas que se recusaram a tomar a vacina.

"Tivemos a oportunidade de ouvir dos profissionais de saúde que existem muitas pessoas que não querem se vacinar por motivos religiosos, culturais ou mesmo medo por conta das fake news. A atitude de não se vacinar mantém o vírus circulando e dando mais chances de continuar evoluindo. Até mesmo a ômicron ainda pode evoluir", conclui.