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Eventos de massa e bolhas sem vacina geram surtos de covid em rincões do AM

Festa realizada no dia 12 de outubro em São Gabriel da Cachoeira: evento fez covid crescer de forma rápida - Divulgação/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira
Festa realizada no dia 12 de outubro em São Gabriel da Cachoeira: evento fez covid crescer de forma rápida Imagem: Divulgação/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/11/2021 04h00

O ginásio de esportes ficou lotado no dia 12 de outubro para a realização da festa do Dia das Crianças em São Gabriel da Cachoeira (AM). Sem exigência de máscara ou vacinação, o público se aglomerou na arquibancada e até a quadra foi ocupada. Resultado: poucos dias depois, os casos de covid-19 dispararam na cidade.

São Gabriel da Cachoeira fica no extremo noroeste do Amazonas, na fronteira com Colômbia e Venezuela. É o município brasileiro com maior percentual de indígenas em sua população: 96% do total.

Casos de covid-19 em São Gabriel da Cachoeira:

  • Julho - 6
  • Agosto - 9
  • Setembro - 43
  • Outubro - 178
  • Novembro (até dia 19) - 117

A realidade de São Gabriel não é exclusiva: existem hoje bolhas de não vacinados em rincões do Amazonas. Uma expedição percorre o rio Amazonas nestes dias para fazer testagem e investigar variantes que estão sendo responsáveis pelos casos.

Em São Gabriel, vacinação baixa

O surto em São Gabriel causou a morte de um morador, segundo último boletim da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e do ISA (Instituto Socioambiental) desta semana.

"Trata-se de paciente que foi internado em São Gabriel da Cachoeira, foi diagnosticado com covid-19 e precisou ser transferido para Manaus, onde faleceu em 17/11. Uma segunda pessoa também havia sido transferida de São Gabriel da Cachoeira para Manaus e já teve alta hospitalar", informa.

    Indígena sendo vacinado em São Gabriel da Cachoeira - Secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira  - Secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira
    Indígena sendo vacinado em São Gabriel da Cachoeira
    Imagem: Secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira

    Segundo dados da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas), a taxa de cobertura vacinal da cidade é baixa: apenas 21 mil dos 46 mil moradores (ou seja, 46% da população) estavam totalmente vacinados até a sexta-feira passada.

    No começo de outubro, essa média não chegava a 40% —índice insuficiente para controlar a disseminação do novo coronavírus, ainda mais para realizar eventos de grande porte com muita gente em lugar fechado.

    Com o aumento repentino de casos, o governo estadual montou uma força-tarefa para estudar os números no local. "Ao chegar à cidade, as equipes perceberam que houve um relaxamento das medidas protetivas", diz a diretora-presidente da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas), Tayana Amorim.

    Segundo ela, a principal medida tomada foi realizar uma intensificação da vacinação. "Fizemos isso especialmente em áreas de difícil acesso. Nós levamos equipe do Laboratório Central para colher amostras. Elas chegaram no sábado (20) e foram enviadas à Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] para que seja realizado o sequenciamento [genômico] e assim investigar quais são as variantes que circulam no município. Mas o acompanhamento está contínuo e diário", afirma.

    Critérios voltam a ser rígidos após festa

    A secretária de Saúde de São Gabriel da Cachoeira, Adelaide Amorim, afirma que, após o evento em outubro, a prefeitura publicou um decreto para exigir a vacinação como item obrigatório para acesso a eventos públicos.

    Além disso, emitiu um novo decreto para apoiar os comerciantes e donos de clubes para que cobrem o cartão de vacina. "Também intensificamos a fiscalização", conta.

    A grande resistência à vacina aqui ocorre devido à questão cultural, às fakes news e, principalmente, por muitos terem tido reação na primeira dose da vacina, com a qual chegamos a ter 82% de cobertura. Tivemos uma queda significativa para o esquema completo."
    Adelaide Amorim, secretária de Saúde de São Gabriel da Cachoeira

    Ela afirma que a situação atual na cidade é de controle da doença, sem pacientes internados. "Estamos criando estratégias de vacina, com busca ativa de casa a casa, sorteios de prêmios, e vamos realizar também o Natal, com o primeiro evento apoiando a vacina", diz ela.

    Expedição busca bolhas de não vacinados

    O caso de São Gabriel é apenas um entre outros de bolsões de não vacinados. Nesta semana, um trabalho de campo está sendo feito em comunidades mais isoladas do rio Amazonas, comandado pela Fiocruz Amazônia.

    "De acordo com as informações recebidas, temos aumentos em bolsões de pessoas não vacinadas. Estamos com um barco laboratório testando pessoas e trazendo amostras para confirmar a variante em circulação", afirma o virologista Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia.

    A equipe de Naveca foi até São Gabriel da Cachoeira entre 20 e 24 de setembro, mas encontrou uma situação sem problemas. "Só pegamos um [caso] positivo. Três semanas depois, aumentou bastante", afirma.

    Testagem em massa feita em São Gabriel da Cachoeira, em setembro, achou só 3 casos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
    Testagem em massa feita em São Gabriel da Cachoeira, em setembro
    Imagem: Acervo pessoal

    Hoje, diz, 95% das amostras colhidas no estado são da variante delta. Para ele, a cepa identificada na Índia chegou ao Brasil e não causou estrago como em outros países por causa de uma "imunidade cruzada".

    "Aqui tivemos uma combinação de vacinação andando e um alto percentual da população que foi infectado pela variante gamma. Essa imunidade híbrida provavelmente explica o pouco aumento de casos, pelo menos até o momento", completa.

    Por fim, ele afirma que o teste de fogo do estado será agora o inverno amazônico. "Chegamos a um período complicado de chuvas, em que normalmente aumentam os casos de viroses respiratórias. Tem chovido muito. Acho que, se passarmos de janeiro sem sobressaltos, podemos comemorar."