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Covid: Dos 30 eventos-teste planejados em SP, só 5 foram realizados

À esq., o evento Expo Retomada, em Santos, no fim de julho, e à dir. a torcida da F1, em novembro - Lucas Borges Teixeira/UOL e Eduardo Anizelli/Folhapress
À esq., o evento Expo Retomada, em Santos, no fim de julho, e à dir. a torcida da F1, em novembro Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL e Eduardo Anizelli/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

16/01/2022 04h00Atualizada em 16/01/2022 09h46

Resumo da notícia

  • Melhora na pandemia fez governo de SP deixar de lado eventos-modelo
  • Avanço da ômicron não deve demandar novos testes, segundo secretaria
  • Presidente da SPI diz que momento pede restrições e cuidados

Dos 30 eventos-teste que anunciou para o processo de retomada em meio à pandemia do coronavírus, o governo do Estado de São Paulo realizou cinco.

"O que aconteceu? A pandemia acabou melhorando", diz Eduardo Aranibar, subsecretário da pasta de Desenvolvimento Econômico, que organizou os eventos-modelo, como o governo paulista classificou as feiras, festas e até a corrida de experiência para retomada das atividades no estado.

Em maio, o governador João Doria (PSDB) havia anunciado que seriam realizados dez eventos-teste. Em julho, a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, confirmou que seriam, na verdade, 30:

  • 12 eventos de economia criativa,
  • Dois esportivos,
  • Dois de negócios e
  • 14 sociais.

Todos deveriam ter público com vacinação completa e testado, além de uso obrigatório de máscara, álcool em gel e capacidade reduzida, e com monitoramento pós-evento.

No entanto, em vez das 30 experiências ao longo de um período de seis meses, foram realizadas apenas cinco em um intervalo de um mês e meio.

O primeiro foi uma feira, chamada de Expo Retomada, em Santos, no litoral, no fim de julho.

O último, em 5 de setembro, foi a partida —que acabou não sendo disputada por conta do desrespeito a restrições— entre os times de Brasil e Argentina pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de futebol, na capital paulista.

"Fomos mais conservadores"

Aranibar diz que, em julho de 2021, não havia como saber de que maneira a pandemia estaria nos meses seguintes. "Então, fomos mais conservadores, anunciando vários eventos como se a pandemia caminhasse talvez com taxas mais elevadas, mesmo em meses como outubro e novembro."

Ele dá como exemplo os índices de internação em UTI (Unidade de Terapia Intensiva):

  • Em 7 de julho, estava em 70% no estado de São Paulo.
  • Dois meses depois, havia caído para cerca de 33%.

Junto com o avanço da vacinação e a redução no número de casos e mortes, o governo de São Paulo começou a relaxar as restrições e praticamente tudo já estava liberado em termos mais flexíveis do que previam os testes. "A gente acompanhou esses eventos, mas não nesse modelo mais rígido, que eram os eventos-modelo", afirma o subsecretário.

Anunciadas no pacote de eventos-teste, a etapa brasileira da Fórmula 1 e a Oktoberfest na capital paulista foram realizadas, mas sem os protocolos que estavam previstos inicialmente.

"O combinado de como o evento deveria acontecer e o acompanhamento da [Secretaria da] Saúde permitiram que esses eventos acontecessem já com o setor como um todo permitido a funcionar", diz, argumentando que não eram mais necessários mais testes "antes de fazer uma liberação maior".

Os cinco eventos-modelo realizados —seguindo as regras iniciais—, foram:

  • Expo Retomada (21 e 22.jul), em Santos: 1.500 participantes, sendo que 2 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 3 pessoas testaram positivo pós-evento.
  • Show-jantar no Clube Paulistano (6.ago), na capital: 210 participantes, sendo que 1 pessoa testou positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 1 pessoa testou positivo pós-evento.
  • Feira das Feiras (21 e 22.ago), na capital: 3.000 participantes, sendo que 6 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 6 pessoas testaram positivo pós-evento.
  • Volta SP 10K (29.ago), na capital: 1.200 participantes, sendo que nenhuma pessoa testou positivo pré-evento e 1 pessoa testou positivo pós-evento
  • Brasil x Argentina (5.set), na capital: 1.500 participantes, sendo que 25 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e nenhuma testou positivo pós-evento

Nem todos testados

Mas o monitoramento pós-evento não foi feito com todos. Na Expo Retomada, por exemplo, dos 1.500 participantes, foram testados pós-evento 463 pessoas. Ou seja, pouco mais de dois terços do público não passaram pelo procedimento.

De acordo com Aranibar, a área de Saúde do governo paulista indicou que se tem um "intervalo de confiança estatístico significativo a partir de uma amostra", o que seria atingido com resultados sobre 20% dos participantes.

Presidente da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza diz que o ideal seria testar todos os participantes do evento. "A testagem amostral tem a mesma lógica da pesquisa eleitoral", comparou. "Você não elege um presidente com base em pesquisa eleitoral, certo?"

Há situações em que você precisa de 100% de conhecimento. São as situações em que você não pode deixar passar nenhum caso. Então, um evento seguro exigiria, no mínimo, que se testasse 100% dos participantes."
Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, presidente da SPI

Segurança "não existe"

Fortaleza, que foi membro do Centro de Contingência do governo paulista contra o novo coronavírus, disse que, com o avanço da nova variante no Brasil, o ideal seria que se voltasse a tomar novas medidas restritivas.

"Tudo que se aprendeu nos eventos-modelo não se aplica à ômicron, que se transmite mais rapidamente", diz. "Os princípios de segurança dos eventos-modelo, por mais que fossem coerentes com a epidemiologia que se conhecia na época, são insuficientes para a contenção da variante ômicron."

Neste momento, a segurança que se diz ter ganho com os eventos-modelo não existe."
Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, presidente da SPI

Já para Aranibar, "mesmo com a variante, a gente está numa realidade completamente diferente de julho". O subsecretário diz não ver necessidade de fazer uma nova leva de eventos-modelo em razão da ômicron. "Em última instância, a gente voltaria para protocolos estabelecidos naquela época, só que com a população vacinada agora."

Na quarta-feira (12), o governo paulista restringiu a capacidade máxima nos estádios em jogos de futebol e recomendou o mesmo para eventos.

Ele diz que, junto com a área de Saúde, é feito o acompanhamento sobre os números de internações, mortes e casos.

Para o presidente da SPI, porém, esse não é o melhor caminho. "Tem que lembrar que internações e mortes são indicadores tardios. Então, quando começa a subir internação e morte é porque a situação já está ruim."

Os números no estado voltaram a subir, e a demanda por atendimento nos hospitais têm crescido. Existe ainda o problema da subnotificação —já que muitos estados reclamam que o sistema de registro do Ministério da Saúde ainda não foi retomado plenamente, mais de um mês depois do ataque hacker.

Eventos diferentes

Paulo Carelli, um dos organizadores da corrida de rua Volta SP 10K, evento-modelo no ano passado, diz esperar que, caso o governo adote restrições mais duras, "que se enxergue com responsabilidade as diferenças entre os eventos".

"O que ficou evidente com os eventos-modelo é que uma corrida de rua não tem nada a ver com uma balada, uma festa de casamento, com evento de outra natureza que ocorre em ambientes fechados."

Fortaleza, porém, receia que haja "uma completa falta de comunicação de risco pelas autoridades sobre a nova situação".

"Ainda prevalece o discurso de novembro, dezembro, de que a covid-19 está a caminho do controle. Esse tipo de atitude mantém na população —que já está cansada de ficar isolada, das restrições sociais— uma ideia de triunfalismo."