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Surto de varíola na Nigéria foi ignorado: 'Não havia interesse até agora'

Paciente com varíola dos macacos, no Congo, em foto de arquivo tirada durate uma explosão de casos da doença entre 1996 e 1997 - Brian W.J. Mahy/Reuters
Paciente com varíola dos macacos, no Congo, em foto de arquivo tirada durate uma explosão de casos da doença entre 1996 e 1997 Imagem: Brian W.J. Mahy/Reuters

Do UOL, em São Paulo

30/05/2022 10h17

Os mais de duzentos casos de varíola dos macacos na Europa e em outros países fora da África chamaram a atenção para uma doença já muito conhecida e trouxe à tona o descaso com os surtos enquanto ela estava limitada a países como Nigéria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Libéria, República do Congo e Serra Leoa.

Esta é a pela primeira vez que o vírus está circulando em pessoas sem histórico de viagem ou ligações com os países africanos onde ela é endêmica —o primeiro caso confirmado fora do continente foi em 7 de maio, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Mas, desde 2018, a varíola dos macacos está na lista de doenças prioritárias da OMS e foi identificada como uma doença emergente. Um estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) daquele ano já alertava que o surto sem precedentes na Nigéria era "uma preocupação global de segurança sanitária".

Um ano antes, diz o estudo, a OMS e o CDC organizaram uma consulta informal sobre a varíola com pesquisadores e especialistas em ortopoxvírus para revisar e discutir a varíola de macacos humana e melhorar a vigilância e as respostas para tratar pacientes e impedir a propagação do vírus.

"Não havia muito interesse em apoiar esse trabalho até agora, infelizmente", disse Chikwe Ihekweazu, ex-diretor geral do Centro de Controle de Doenças da Nigéria e atual chefe do novo centro da OMS para inteligência pandêmica e epidêmica, em Berlim (Alemanha).

Em entrevista ao site de notícias de saúde Statnews, ele disse que seu país procurou ajuda para tentar decifrar o que estava acontecendo em 2017, quando a Nigéria registrou mais de 550 casos suspeitos e 241 confirmados, mas sem sucesso.

"Nunca tivemos o interesse necessário para responder a algumas dessas perguntas."

CDC nigeriano tentou —até agora sem sucesso— descobrir como as pessoas estavam sendo infectadas com o vírus. Acredita-se que alguns pequenos mamíferos sejam as espécies hospedeiras do vírus, mas os esforços para encontrar o vírus na natureza fracassaram até agora.

Agora, um evento "superespalhador" —em que um grande número de pessoas se aglomerou e pegou a doença no mesmo lugar e depois a levou para outros países— é uma possível explicação para o surto que começou na Europa.

A doença tem sido identificada mais em jovens "que se identificam como homens que têm relações sexuais com homens", afirmou o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).

Em entrevista à agência de notícias AP (Associated Press), David Heymann, conselheiro da OMS, afirmou que o surto na Europa pode ter começado devido a relações ocorridas em raves na Espanha e na Bélgica —que informou que três casos foram registrados entre os participantes do festival Darkland. "Parece que o contato sexual agora amplificou essa transmissão", pontuou.

Em sua primeira avaliação de riscos, no dia 23 de maio, o ECDC disse que a probabilidade de contágio é "muito fraca", mas "elevada" para pessoas com vários parceiros sexuais.

Mas é importante não estigmatizar qualquer grupo, porque "não há nada biológico no vírus que diga que essa comunidade é mais suscetível do que outras", disse o professor Brian Ferguson, do Departamento de Patologia da Universidade de Cambridge, à BBC.

"Esses estigmas e culpas minam a confiança e a capacidade de responder efetivamente a surtos como este", disse Matthew Kavanagh, vice-diretor do Unaids.

Qualquer pessoa pode pegar. O que acontece é que o contato prolongado e muito direto com fluidos corporais e as lesões na pele durante a relação sexual favorecem a contaminação.

Então, embora não seja um vírus sexualmente transmissível, ele se espalha assim.

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A transmissão da varíola dos macacos é por contato
Imagem: Getty Images

Como é a transmissão e os sintomas?

O vírus é transmitido por gotas de saliva, contato com fluidos corporais e lesões cutâneas. Há também a possibilidade de ser transmitido por objetos e materiais contaminados, como talheres, toalhas e roupas de cama.

A varíola costuma ser caracterizada por dores musculares e forte febre que evoluem rapidamente para bolhas na pele com formação de crostas —o que ajuda a detectar a doença rapidamente. Lembra uma catapora, porém é mais grave.

Os sintomas incluem linfonodos inchados, calafrios e fadiga, duram entre 14 e 21 dias e são semelhantes aos da varíola humana, erradicada no mundo desde 1980.

O vírus pode ser mais grave em crianças pequenas, mulheres grávidas e pessoas imunossuprimidas.

Estamos correndo perigo?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou uma situação "atípica", mas que pode ser contida.

Existem duas variantes: a África Ocidental e África Central. O atual surto de varíola dos macacos tem sido associado à primeira, cuja taxa de letalidade é baixa, em torno de 3% a 6%. Até o momento, não houve mortes. Enquanto a da África Central é mais perigosa e pode matar cerca de 20% dos infectados.

Os primeiros casos aconteceram por contato direto com sangue, fluidos corporais, lesões cutâneas ou mucosas de animais infectados, segundo a OMS.

Ainda não se sabe se o vírus sofreu mutação, porém que o grupo de ortopoxvirus não tem essa tendência.

O primeiro caso em humanos foi identificado em 1970, na República Democrática do Congo. A varíola dos macacos ganhou esse nome porque o vírus foi descoberto em colônias de símios, em 1958. Mas, hoje, acredita-se que os roedores sejam os principais hospedeiros.

A doença é menos perigosa que a varíola erradicada há cerca de 40 anos, uma das doenças mais mortais que já existiu.

É possível tomar vacina contra a varíola?

Apesar de a OMS dizer que ainda é cedo para falar na imunização em massa, vários países já estão se preparando para isso.

EUA, Dinamarca e Reino Unidos planejam distribuir vacinas para quem teve contato com infectados, profissionais da saúde e grupos de risco. Alemanha já encomendou 40 mil doses da vacina Imvanex para serem aplicadas, caso as coisas piorem.

Atualmente, existem duas vacinas contra a varíola que passaram a ser aplicadas nos EUA: a ACAM2000, da Sanofi Pasteur, e a Jynneos (também conhecida como Imvamune ou Imvanex), produzida pela farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic.

Vai chegar ao Brasil? O que eu faço?

Ainda não houve nenhum caso identificado no Brasil, mas especialistas apontam que isso pode acontecer em breve.

Por enquanto, não há como se vacinar contra a varíola humana por aqui. Os imunizantes deixaram de ser oferecidos há mais de 40 anos, quando a doença foi erradicada.

Se você nasceu antes de 1980, pode ser que tenha tomado. Para saber, procure uma marquinha no braço esquerdo que parece um pequeno caroço —é difícil de identificar, no entanto.

Alguns remédios que tratam a doença também não estão disponíveis no Brasil, como brincidofovir, tecovirimat e cidofovir, que não possuem autorização da Anvisa.

Mas, também não há motivo para desespero —apenas para vigilância. A medicação e as vacinas já existem e outros surtos foram registrados em diferentes momentos.

"A expectativa é de que o vírus não se espalhe tanto, porque ele não é tão rápido quanto o coronavírus, por exemplo", diz Ana Karolina Barreto Marinho, médica imunologista e membro do departamento científico de imunização da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).

Segundo o secretário estadual de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, o vírus da varíola dos macacos será enviado pela Opas (Organização Pan-americana de Saúde) para o desenvolvimento de um teste PCR rápido.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu uma nota sobre a necessidade de adoção de medidas "não farmacológicas" para evitar a propagação:

  • Distanciamento físico;
  • Uso de máscaras de proteção;
  • Higienização frequente das mãos, principalmente em aeroportos e aeronaves.

(Com agências internacionais)