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Com vacinação em queda, Saúde terá o menor orçamento desde 2014

Do UOL, em São Paulo

14/11/2022 04h00

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá o governo em janeiro de 2023 tendo a saúde pública como um dos principais desafios e com o menor orçamento para a pasta desde 2014 caso não haja modificações. A saúde foi apontada por brasileiros como uma das principais preocupações, segundo o Datafolha.

O novo governo terá que lidar com situações alarmantes na área, como baixa cobertura vacinal de crianças, a covid-19, a demanda reprimida por procedimentos durante o período mais agudo da crise sanitária, falta de medicamentos e a alta da taxa de mortalidade materna, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

Orçamento menor. A proposta orçamentária do Ministério da Saúde para 2023 representa o menor nível em dez anos e está fixada em R$ 149,9 bilhões. Se mantido pelo Congresso, representa uma redução de R$ 22,7 bilhões quando comparado a 2022, descontados os gastos com covid-19.

Segundo o CNS (Conselho Nacional de Saúde), as perdas podem chegar a R$ 60 bilhões se considerado o teto de gastos, regra fiscal que limita o gasto público. Ela determina que o gasto máximo que o governo pode ter é equivalente ao Orçamento do ano anterior, corrigido apenas pela inflação.

Ainda conforme o conselho, os principais cortes atingem ações de imunização, cujo orçamento caiu de R$ 13,6 bilhões em 2022 para R$ 8,6 bilhões, e a Saúde Indígena, que teve seu orçamento reduzido de R$ 1,4 bilhão para R$ 609 milhões, queda de 60%.

O corte também deverá atingir o piso de atenção primária, a atenção à saúde da população para prevenção, o controle e o tratamento de HIV/Aids e as demais ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), além de hepatites virais e tuberculose.

O CNS encaminhou no fim de outubro uma carta para a Relatoria da Saúde da ONU (Organização das Nações Unidas) denunciando a retirada de recursos do SUS (Sistema Único de Saúde).

Procurado, o Ministério da Economia disse que "a elaboração do projeto de lei orçamentária de 2023 ocorreu em um contexto desafiador, em meio ao elevado nível de indexação e rigidez alocativa das despesas, o que obrigou a uma alocação de recursos conservadora".

"O valor disponibilizado na Reserva para Emendas de Relator no Ministério da Saúde, no total de R$ 10,42 bilhões, pode ser alocado para atendimento das demandas dessa pasta durante a tramitação do Orçamento 2023 no Congresso Nacional, o ambiente legítimo e sensível aos anseios e escolhas da sociedade em torno das políticas públicas consideradas mais relevantes", informou a pasta.

Queda significativa em programas do SUS. O corte de verbas da Saúde, promovido pelo governo Jair Bolsonaro (PL), atingiu 12 programas da pasta — se somadas, as perdas chegam a R$ 3,3 bilhões.

Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde, publicado pelo IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), e da Umane, associação civil sem fins lucrativos, mostra que o custeio de bolsas para residentes em medicina Pró-Residência Médica e em Área Multiprofissional teve uma queda de R$ 922 milhões.

Já o impacto no programa para implementação de Políticas de Promoção à Saúde e Atenção a Doenças Crônicas Não Transmissíveis, como diabetes e câncer, foi de R$ 3,8 milhões.

O monitoramento e o tratamento do diabetes pós-covid segue o mesmo de quem tem a doença, mas não foi infectado pelo coronavírus - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Programa que cuida de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, teve redução de R$ 3,3 milhões
Imagem: GETTY IMAGES

Vacinação em baixa. Especialistas apontam a vacinação como uma das questões mais urgentes na saúde brasileira. Segundo a vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai, as coberturas vacinais vêm caindo gradualmente desde 2015, mas na pandemia "despencaram".

O Brasil é um dos países sul-americanos que correm um "risco muito alto" de reintrodução da poliomielite, segundo alerta feito em setembro pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), braço da OMS (Organização Mundial da Saúde).

De acordo com dados do Ministério da Saúde, há seis anos, 98,2% do público-alvo recebeu as doses. Em 2021, a imunização contra a doença foi de apenas 67,1%. Atualmente, segundo dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações, obtidos pela plataforma DataSUS, a cobertura está em 61%, o que significa que os 39% restantes não estão completamente protegidos contra a pólio.

O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) informou em julho que foi a registrada a maior queda contínua nas vacinações infantis em aproximadamente 30 anos. Embora seja um fenômeno observado em todo o mundo, Isabella avalia que o governo falhou em garantir uma comunicação adequada, que combatesse notícias falsas contra vacinas.

"É preciso investir numa comunicação empática, não dá para ser uma chamada. O Zé Gotinha nasceu nisso, mostrar para a população que a gente está preocupado com ela, não com a cobertura, uma coisa leva à outra", diz a médica.

Ela também destaca que a confiança nas autoridades públicas é um dos fatores fundamentais para que as pessoas se sintam seguras em tomar vacinas e que é necessário reconquistar isso. "A gente viu a vacinação se tornar uma coisa politizada. Vacinação é saúde".

Para Isabella, um dos fatores que faz as pessoas buscarem vacinação é a percepção de risco. "A população brasileira é pró-vacina (...) O principal motivo que faz uma pessoa se vacinar é ela perceber o risco, se informar sobre o risco. A covid mata mais hoje crianças menores de 5 anos do que a meningite, mas porque teve um surto em São Paulo as famílias estão procurando vacinas de meningite", acrescenta a médica.

Pandemia não acabou. O novo governo também terá que lidar com a ocorrência de surtos da covid-19. O surgimento de uma nova subvariante e a pouca adesão às doses de reforço das vacinas dispararam a taxa de transmissão (Rt), aumentando internações e o risco de uma nova onda.

Teste rápido positivo para covid-19 na UBS Humaitá, bairro da Bela Vista, região central de São Paulo - Suamy Beydoun/AGIF - Suamy Beydoun/AGIF
Teste rápido de covid-19: doença veio para ficar, dizem especialistas
Imagem: Suamy Beydoun/AGIF

Em entrevista ao UOL, a microbiologista Natalia Pasternak afirmou que a doença nunca foi embora e "veio para ficar".

A especialista declarou que o Ministério da Saúde terá um grande desafio para aumentar a vacinação e precisa recuperar o PNI (Programa Nacional de Imunizações).

Um dos principais problemas que o novo governo vai enfrentar é vacinação. E vacinação não só para covid. Vacinação como um todo, especialmente infantil. A gente tem observado uma queda na taxa de vacinação muito fora do normal. Ter 65% de vacinação contra poliomielite não é condizente com a cultura vacinal do Brasil
Natália Pasternak

Atenção primária. Para o economista Arthur Aguilar, diretor de Políticas Públicas do Ieps, o governo deveria investir no programa ESF (Estratégia de Saúde da Família), que ele classifica como "a espinha dorsal do SUS". O ESF é responsável por cuidar da atenção primária à saúde — a principal porta de entrada ao sistema de saúde — e é composto por uma equipe multiprofissional.

"É uma política que a gente tem muita evidência que funciona. Foi responsável por uma redução ampla de mortalidade infantil e materna, pela redução por internação de condições crônicas. No entanto, desde 2016, 2017, o ritmo de expansão reduziu muito", diz.

Segundo Aguillar, o programa cuida das pessoas ao longo de toda sua vida — do pré-natal ao envelhecimento. A mortalidade materna cresceu de 2019 para 2020, segundo boletim divulgado pelo próprio Ministério da Saúde em agosto deste ano.

"Temos uma população de 72 milhões de indivíduos que são 34% da população brasileira que não têm acesso à Estratégia de Saúde da Família. A gente está começando a tentar entender, até como um subsídio para o novo governo, como que você muda esse jogo, porque me parece que é um dos maiores legados que o governo pode deixar é terminar sua gestão com o programa disponível para 100% da população brasileira. E é possível financeiramente", afirma.

grávida, hospital, pré-natal - iStock - iStock
País registrou aumento da mortalidade materna de 2019 para 2020
Imagem: iStock

Presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a médica psicanalista Rosana Onocko Campos criticou a desorganização da pasta e diz que faltam dados unificados e atualizados para saber qual é o tamanho de filas para exames, consultas e cirurgias. "É como dirigir o carro com os olhos fechados (...) Nunca a gente viu um governo que em vez de fortalecer, tentar melhorar, tentou piorar".

Questionado pela reportagem sobre as baixas taxas de vacinação e o aumento da mortalidade materna, o Ministério da Saúde disse que "monitora atentamente o cenário" da covid-19. "Além disso, a pasta reforça constantemente, por meio de campanhas de comunicação e ações divulgadas em todos os canais oficiais, a importância de completar o esquema vacinal com as doses de reforço para garantir a máxima proteção contra o vírus."

Área da transição quer recomposição. O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a área de saúde do governo de transição pediu ao governo eleito R$ 22 bilhões para o que chama de "recomposição orçamentária" para o Ministério da Saúde.

Caberá à equipe do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), coordenador da equipe de transição, decidir de onde o dinheiro vai sair.

Na quinta-feira (10), Alckmin, que participa ativamente das discussões sobre a PEC da transição, defendeu o investimento na área social e disse que o orçamento será alterado porque não foi feito pelo governo Lula.

"Orçamento que já estava no Congresso e todo mundo sabe que ele não é factível minimamente para poder cumprir as tarefas de estado na saúde, educação e na continuidade das obras", complementou.