Sem aparelho em hospital, pacientes rodam 27 km de ônibus por ressonância

Foi com a ajuda de uma bengala que Mércia Silva, 56, enfrentou as mais de duas horas no transporte público para realizar uma ressonância magnética no Hospital de Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, porque o Hospital do Campo Limpo, no bairro onde mora (zona Sul), está há 11 meses sem repor um equipamento quebrado.

O que aconteceu

A Prefeitura de São Paulo só dispunha de quatro aparelhos de ressonância na cidade. Um deles é esse no Campo Limpo; os outros ficam em Parelheiros e nos hospitais Vila Santa Catarina (zona Sul) e Ermelino Matarazzo (Leste).

Pacientes de Campo Limpo precisam se deslocar a outros hospitais para realizar o exame. São 27 quilômetros de distância e 1h42min em transporte público até o de Parelheiros; 15 quilômetros e uma hora até o Vila Santa Catarina; e 60 quilômetros e duas horas até o de Ermelino Matarazzo. A maioria dos pacientes é encaminhada pelo Hospital do Campo Limpo ao de Parelheiros.

O Tribunal de Contas do Município inspecionou o hospital na última sexta-feira (7). O TCM encontrou diversos problemas, que vão da superlotação à ausência do aparelho de ressonância, quebrado desde agosto de 2022.

Eram até 1.200 exames de ressonância realizados por mês no local. O aparelho chegou ao Campo Limpo há 20 anos graças à pressão da comunidade. Ele é importante para diagnosticar de tumores a problemas nas articulações porque mostra em boa definição as estruturas internas dos órgãos.

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Imagem: Arte/UOL

Novo aparelho está previsto para chegar no dia 28 de julho, diz a Secretaria Municipal de Saúde.

O cronograma para a implantação envolve a retirada da máquina antiga, adequações estruturais e elétricas, reforço no piso, desmagnetização da sala, quebra de uma das paredes para a retirada do aparelho, descarte, entre outros, até os testes finais após a chegada da ressonância.
Secretaria Municipal de Saúde, em nota

"Viagem em dois ônibus"

Mércia levou duas horas e meia para chegar no Hospital de Parelheiros
Mércia levou duas horas e meia para chegar no Hospital de Parelheiros Imagem: Arquivo Pessoal
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Mércia esperou dois anos para que sua ressonância fosse agendada. "Preciso de uma cirurgia para tratar cinco hérnias de disco e lordose na medula e no cóccix. Quando consegui, me mandaram para Parelheiros."

Levei duas horas e meia para chegar lá: foram dois ônibus e uns 800 metros em uma subida usando bengala.
Mércia Silva, 56

Em razão dos problemas na coluna, ela cai frequentemente. Em uma das quedas, rompeu um ligamento ao quebrar um dedo do pé, que também precisou de ressonância. "Com a demora calcifica a lesão. Amigos e familiares fizeram uma vaquinha e pagaram particular", diz ela.

Especializada em estética de carro, Mércia precisou parar de trabalhar em razão dos problemas na coluna. Ela aguarda um laudo para levar ao INSS.

Paciente com tumor ficou horas em ambulância

Com tumor no cérebro, Dora (esquerda) precisou ser transferida do Hospital do Campo Limpo por falta do aparelho de ressonância. Ao lado, a amiga Rosa, que a acompanhou no traslado
Com tumor no cérebro, Dora (esquerda) precisou ser transferida do Hospital do Campo Limpo por falta do aparelho de ressonância. Ao lado, a amiga Rosa, que a acompanhou no traslado Imagem: Arquivo Pessoal
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Com um tumor no crânio, Dora Silvia Segantini, 66, também precisou ir do Campo Limpo a Parelheiros. A ressonância era indispensável à aromaterapeuta, para a precisão de uma cirurgia, já que o tumor empurrou o cérebro da paciente, afetando sua memória e coordenação motora.

A ambulância demorou sete horas para chegar. Os médicos agendaram a viagem para as 9h de uma sexta-feira, "mas a ambulância só chegou às 16h16", lamenta a amiga de Dora, a terapeuta holística Rosa Elliana Benini, 54, que a acompanhou no trajeto.

Viagem foi em vão, pois o anestesista já tinha ido embora. Após Dora ser transportada por 45 minutos em uma "ambulância em alta velocidade", o Hospital de Parelheiros não pôde recebê-la porque seu corpo tremia tanto que era necessário o trabalho de um anestesista, que já havia saído.

Na volta, mandaram retornar a Parelheiros de novo, e depois mandaram outra vez para o Campo Limpo. Foi quando uma moto bateu na ambulância e ficamos duas horas e meia na rua esperando outra para nos socorrer. Era tanto frio que eu cobria minha amiga com a blusa.
Rosa Elliana Benini, 54, amiga da paciente

Dora foi encaminhada a outro hospital. A idosa retornaria a Parelheiros na semana seguinte, mas mandaram para Vila Santa Catarina "sem qualquer justificativa". Foram mais 45 minutos na ambulância, relata. Por lá, fez a ressonância, passou por duas cirurgias, uma radioterapia e permanece internada há dois meses.

Como pode um paciente de alto risco ficar andando nesse trânsito de São Paulo, ainda mais com essa confusão de ambulância? A sorte é que eu estava bem alimentada e tenho horário flexível. Tem gente que espera o dia inteiro sem comida, dinheiro e água.
Rosa Elliana Benini

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Essas viagens podem levar até quatro horas, diz Anderson Dimas Pereira Lopes, do Conselho Gestor do hospital. "Temos relatos de pessoas que moram no extremo de M'Boi Mirim que levam quatro horas até Parelheiros", diz ele. O de Campo Limpo recebe pacientes até de municípios vizinhos, como Taboão da Serra e Embu das Artes.

"Um campo de refugiados"

Os problemas no hospital vão além do aparelho. O relato é do corregedor do TCM, o conselheiro João Antônio da Silva Filho:

  1. Faltam insumos básicos, como luvas e material de sutura. "25% dos 950 itens estavam sem estoque", diz Silva Filho.
  2. Superlotação. Havia 430 pacientes para 310 leitos, com macas no corredor. "Parece um campo de refugiados."
  3. Sem funcionários. "São 849 cargos vagos, do administrativo a funcionários da saúde", conclui.

TCM cobra a prefeitura de São Paulo. Anteontem, o TCM emitiu alerta com prazo de 30 dias para a gestão de Ricardo Nunes (MDB) apresentar um plano para repor o aparelho, insumos e o quadro de pessoal.

O que diz a prefeitura

"Está em andamento uma licitação para a compra de quatro aparelhos para hospitais da cidade", informou a Secretaria de Saúde em nota.

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Para os procedimentos ambulatoriais (agendados), a secretaria conta com 20 clínicas contratualizadas para atender as demandas.
Secretaria Municipal de Saúde

"Campo Limpo está abastecido com os insumos necessários, desde a última reposição, na sexta-feira (7)", continua a secrdtaria. "O órgão reitera que uma apuração interna está em andamento para verificar a razão da falta pontual desses itens e a logística de reabastecimento utilizada na unidade hospitalar." "

Em relação ao número de profissionais, a pasta esclarece que os aposentados estão sendo substituídos por meio da parceria com o Cejam", afirma. "Todos os questionamentos realizados pelo TCM)serão respondidos dentro do prazo oficial estipulado."

Cama quebrada no Hospital do Campo Limpo
Cama quebrada no Hospital do Campo Limpo Imagem: TCM/Divulgação

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