Por que o governo federal demorou 9 meses para comprar a vacina da dengue?

O governo do presidente Lula levou mais de nove meses para comprar a vacina contra a dengue depois que ela foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O Ministério da Saúde, porém, diz que o processo demorou 144 dias entre o pedido da farmacêutica e a compra pelo SUS, o que corresponde a um período bem mais curto que a média, de 270 dias.

O que aconteceu

  • 2 de março de 2023: Anvisa aprova o uso da vacina Qdenga no Brasil; SUS ainda não tem autorização para comprá-la
  • 18 de maio de 2023: CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), da Anvisa, decide o preço da dose
  • 28 de julho: farmacêutica japonesa Takeda pede à Conitec (Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias), órgão do Ministério da Saúde, a incorporação da vacina ao SUS
  • 5 de outubro: Conitec decide pedir esclarecimentos adicionais ao laboratório
  • 13 de novembro: Conitec formaliza pedido de mais informações à farmacêutica
  • 17 de novembro: Takeda responde pedido da Conitec
  • 21 de dezembro: Ministério da Saúde incorpora a vacina ao SUS

Sistema particular aplica a vacina desde julho de 2023

Desde março de 2023, com a aprovação da Anvisa, clínicas particulares já estavam autorizadas a encomendar o imunizante da farmacêutica japonesa Takeda.

Em maio, os preços foram fixados entre R$ 224,28 e R$ 293,83, dependendo da alíquota de ICMS nos estados.

Para o consumidor, as doses começaram a ser aplicadas em julho, com valores que vão de R$ 301,27 a R$ 390,90.

Oferta pelo SUS dependia de uma 2ª aprovação

O SUS, porém, não estava autorizado a usar o imunizante. Para o governo incluir no sistema público de saúde uma vacina aprovada pela Anvisa, a Conitec também precisa aprová-la. Para isso, a comissão recebe da farmacêutica um pedido formal, com dados que justifiquem a incorporação, como número de doses fornecidas e o preço delas.

Takeda entregou o pedido à Conitec quase cinco meses meses depois da aprovação pela Anvisa. A farmacêutica oficializou a solicitação no dia 28 de julho. O laboratório disse ao UOL que demorou dois meses para fazer o pedido porque precisava esperar a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), da Anvisa, decidir o preço da dose. "A publicação do preço foi realizada em 18 de maio", diz a Takeda em nota.

Apenas dois meses após a fixação de preço pela CMED, a Takeda submeteu o dossiê de Qdenga à Conitec (...) dentro dos prazos estimados.
Takeda Pharma

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Primeira decisão da Conitec levou mais de dois meses. Em reunião em 5 de outubro, a Conitec decidiu que as informações da farmacêutica eram insuficientes e que iria pedir "esclarecimentos adicionais" ao laboratório.

Primeira remessa de doses da Qdenga chegou ao Brasil em janeiro
Primeira remessa de doses da Qdenga chegou ao Brasil em janeiro Imagem: Rogério Vidmantas/Prefeitura de Dourados

Mas a Conitec demorou mais de um mês para formalizar o pedido ao laboratório. Segundo a Takeda, apenas "no dia 13 de novembro de 2023, [a empresa] recebeu a solicitação formal de esclarecimentos adicionais". "Eles foram respondidos em 17 de novembro, dentro do prazo estipulado de até cinco dias úteis."

Preço da dose caiu 44% após negociação

A Conitec diz que se reuniu duas vezes com a Takeda antes da decisão de outubro. Além de os estudos apresentados pelo laboratório em julho "não estarem adequados", a proposta da empresa para a imunização pelo SUS "não atendia à realidade brasileira", diz a comissão em nota.

Um dos problemas era o preço alto da dose. Na primeira proposta, cada vacina sairia por R$ 170. Após a negociação, o valor caiu para R$ 95, uma economia de 44%.

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Incorporação ao SUS levou 144 dias; média é de 270

A incorporação da vacina ao SUS aconteceu em 21 de dezembro, mais de nove meses depois da aprovação pela Anvisa.

O prazo de aprovação da vacina foi menor do que o usual. A avaliação de tecnologias de remédios e vacinas pela Conitec é de seis meses, prorrogáveis por mais três, totalizando nove meses (270 dias), segundo o Ministério da Saúde.

No caso da Qdenga, foram cerca de cinco meses (144 dias) entre o momento em que a farmacêutica entrou com o pedido e a incorporação da vacina ao SUS, disse o ministério.

A Takeda também considerou "muito rápido" o processo. "O Brasil é o primeiro país no mundo a disponibilizar a vacina da dengue em um sistema público de saúde", afirma.

Embalagem da vacina contra a dengue da japonesa Takeda
Embalagem da vacina contra a dengue da japonesa Takeda Imagem: EPTV/Reprodução
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Haverá vacina para todos?

O Brasil recebeu apenas 757 mil doses da Qdenga, em 20 de janeiro. Mais 568 mil doses devem chegar ao país em fevereiro. Até o final do ano, a Takeda diz ter "garantida a entrega de cerca de 6,6 milhões de doses".

O Ministério da Saúde espera imunizar 3,3 milhões de pessoas em regiões prioritárias este ano. É que cada pessoa precisa receber duas doses para a imunização máxima. Para 2023, a pasta contratou nove milhões de vacinas.

Vacinas serão insuficientes. A opinião é do diretor técnico do Instituto Butantan, Esper Kallás, durante coletiva de imprensa na terça (6).

Historicamente, em maio, os casos diminuem muito. É quando a gente termina de dar a segunda dose, então o impacto dessa vacina nesse ano será muito limitado por causa dessa proteção.
Esper Kallás

Questionado sobre a declaração do médico, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.

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Prioridade é vacinar crianças

O imunizante é destinado a pessoas entre 4 e 60 anos de idade. As duas doses devem ser aplicadas com três meses de intervalo.

Crianças e adolescentes são prioridade da campanha de vacinação
Crianças e adolescentes são prioridade da campanha de vacinação Imagem: iStock

A prioridade são crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. É a faixa etária que concentra o maior número de hospitalização por dengue na população-alvo da vacina, diz o Ministério. "Essa medida está alinhada às recomendações nacionais e internacionais de especialistas em imunização."

A vacina pode prevenir quatro tipos diferentes do vírus da dengue. A eficácia prometida é de 80,2% contra qualquer cepa do vírus, com ao menos quatro anos e meio de proteção garantida.

Contágio dispara

2023 foi o ano com mais casos prováveis de dengue desde 2015. Assim como naquele ano, o Brasil ultrapassou os 1,6 milhão de infectados pela doença, segundo Ministério da Saúde.

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No primeiro mês deste ano, os contágios são quase quatro vezes mais numerosos. Foram 364 mil casos no primeiro mês de 2024, contra 93 mil no mesmo período do ano passado.

O Brasil deve superar os registros diários com maior número de casos prováveis de dengue do ano passado com dois meses de antecedência. Até o fim de fevereiro, o país deverá ultrapassar o pior dia da doença no ano passado. Ainda assim, o pior ainda estará por vir.

Teremos um grande pico em março e abril, e a partir de maio, quando começar a esfriar, os casos passarão a diminuir.
Eduardo Medeiros, professor de infectologia da Unifesp

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