Dengue no país deve superar pico de 2023 já em fevereiro, 2 meses mais cedo

O Brasil deve superar os registros diários com maior número de casos prováveis de dengue do ano passado com dois meses de antecedência. O UOL ouviu infectologistas que afirmam que o número de casos até o final de fevereiro será maior do que o pico registrado em abril de 2023.

O que aconteceu

O país está na quinta semana epidemiológica com 49.234 casos prováveis da doença, segundo dados do Ministério da Saúde atualizados na manhã desta quarta (7). Na semana passada, a 4ª na medição da doença, foram registrados 105.875 casos, um patamar já próximo ao das semanas de abril do ano passado. A semana com mais registros em 2023 foi a 15º, com 111.840 casos prováveis.

Até o fim de fevereiro, o país deverá ultrapassar o pior dia da doença no ano passado. Mas, segundo infectologistas consultados pelo UOL, o avanço ainda não deve ser o pico da dengue nesse ano. "Teremos um grande pico em março e abril, e a partir de maio, quando começar a esfriar, os casos passarão a diminuir", avalia Eduardo Medeiros, professor de infectologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e do Hospital São Paulo.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, fez um pronunciamento nesta terça-feira (6). Ela afirmou que a vacinação contra a dengue será feita de forma progressiva e que o combate à doença é "total prioridade" do governo. Ela também convocou governadores, prefeitos e a população para ajudar no enfrentamento e na prevenção contra a doença.

Cenário atípico é motivado pelo calor intenso registrado em dezembro e janeiro. Segundo Medeiros, o maior volume de chuvas aliado à elevada densidade populacional e à falta de saneamento básico facilita a multiplicação do mosquito transmissor da doença.

A média de aumento de casos registrados é de 250% em comparação ao ano passado. "Provavelmente, teremos o ano com o maior número de casos da história do país", afirma Júlio Croda, infectologia da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina de Mato Grosso do Sul.

Transparência nas informações divulgadas. O professor e médico infectologista da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Barbosa, afirma que os dados têm sido divulgados de forma rotineira e atualizada. "Não havia esse tipo de informação. É salutar ter transparência, ainda que não sejam dados a se comemorar", diz.

A mudança climática criou ambientes mais propícios à proliferação do mosquito, tornando populações até então menos expostas mais suscetíveis à exposição. O aquecimento global vai levar ao aumento de casos não só no Brasil, como no sul dos EUA e em países da Europa.
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo

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Fatores que agravam o cenário

Estudos para modelar a propagação dos casos de dengue são complexos. "Dependem de muitas variáveis influenciadas pelas ações de estados e municípios", afirma Barbosa. Mas, segundo ele, é esperado que ocorra um aumento de casos em fevereiro em função de um maior "adensamento populacional".

Subtipos três e quatro da doença já foram identificados em circulação. Medeiros explica que os subtipos que mais circulam são o 1 e o 2. No caso da dengue, pessoas que contraem um dos subtipos não têm imunidade para os demais. "Há mais pessoas suscetíveis à contaminação dos subtipos 3 e 4."

A disseminação do subtipo 3 da dengue é um dos fatores que mais preocupa os médicos. "Há maior predomínio do sorotipo 3 no Amapá, mas preocupa porque, na maior parte das regiões, as pessoas ainda estão suscetíveis, e há o risco de ele se tornar predominante", diz Croda. Barbosa concorda que há um grande receio de que o subtipo 3 se propague. "A maior parte do Brasil não teve contato com esse sorotipo."

Há ainda o risco de que todos os subtipos passem a circular simultaneamente. "Os centros médicos estão habituados a tratar a dengue, mas infecções sucessivas aumentam a gravidade da doença", diz Medeiros.

Regiões mais afetadas

Dados do Ministério da Saúde mostram que o Distrito Federal é a unidade da federação com maior número de casos prováveis por 100 mil habitantes. O DF tem 1.625,2 registros, seguido de Minas Gerais, Acre, Paraná, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.

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Estados do Sul do país passaram a ser mais afetados pela doença. "Classicamente, a região Sul não era tão acometida pela doença, mas o volume significativo de chuvas mudou o cenário neste ano."

Disseminação da doença nos estados depende também do número de pessoas suscetíveis à contaminação. "O Brasil é um país continental, e cada estado se comporta de uma forma", diz Croda. "Se algumas regiões foram mais afetadas no passado, o vírus tende a circular com menos intensidade neste ano."

Medidas de combate à doença

O município de Ceilândia, no DF, abriu na segunda-feira (5) um hospital de campanha. A estrutura tem capacidade para atender cerca de 600 pessoas por dia. Nos sete espaços montados no local, funcionam um laboratório, módulos para internação rápida, ambulatórios, pediatria, clínica médica e central de comando. A previsão é que o hospital funcione por 45 dias, mas o prazo pode ser prorrogado.

Ceilândia (DF) monta hospital de campanha para atender população com sintomas de dengue
Ceilândia (DF) monta hospital de campanha para atender população com sintomas de dengue Imagem: Paulo H. Carvalho/ Agência Brasília

Estratégias emergenciais são indispensáveis, aponta Barbosa, da SBI. "Hospitais de campanha são indispensáveis para municípios e estados com alta taxa de incidência", avalia Barbosa. "Todas as pessoas com sintomas devem ser avaliadas para entender a gravidade do quadro."

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Vacinas não terão impacto no número de casos registrados neste ano. Os imunizantes disponíveis representam um avanço e devem ser utilizados em regiões em que o número de casos está fora de controle. Mas os efeitos levam tempo. "O grande impacto será somente em 2025", diz Araújo.

O presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo, Geraldo Reple, disse que o país vive uma "guerra" contra a doença. Ele pediu que a população libere a entrada de agentes de saúde, devidamente identificados, nas casas.

A dengue é o maior problema de saúde pública que temos no estado de São Paulo. O governo do estado, junto com os municípios, está montando uma operação de guerra contra o mosquito.
Eleuses Paiva, secretário de Saúde

'Estado tem a obrigação de evitar mortes'

Infectologistas afirmam que os gestores públicos devem adotar medidas para evitar mortes. "A dengue é uma doença de baixa letalidade, mas, caso se transforme em uma doença hiperendêmica, a situação pode mudar, e o Estado deve adotar planos de contingência para evitar óbitos", afirma Medeiros, da Unifesp.

A redução da curva epidemiológica de casos registrados depende principalmente do combate à proliferação dos mosquitos. "Mesmo com toda mobilização da sociedade, isso pode alcançar uma redução de 30% a 40% no número total de casos", diz Croda, da Oswaldo Cruz.

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Cenário é preocupante, apesar de mais mobilização, comunicação e liberação de recursos. "O que temos para a prevenção é pouco efetivo. Os gestores têm que focar em evitar óbito, e isso acontece se a população tiver acesso ao atendimento", avalia Croda.

'País sabe enfrentar a doença', afirma Evaldo Stanislau Afonso de Araújo, professor e infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. "As epidemias anteriores nos ensinaram que é necessário dar o alerta. Locais que vivem um estágio mais avançado exigem respostas mais rápidas". Acre, Minas Gerais, Goiás e a cidade do Rio de Janeiro já decretaram emergência após a explosão de casos.

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