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Governo da Colômbia e Farc assinam histórico acordo do fim do conflito

23/06/2016 18h23

Havana, 23 Jun 2016 (AFP) - O governo da Colômbia e a guerrilha das Farc assinaram nesta quinta-feira (23) um histórico acordo de cessar-fogo e de desarmamento bilateral e definitivo, um passo crucial para o fim do conflito armado mais antigo da América.

"Hoje é um dia histórico para o nosso país. Depois de mais de 50 anos entre mortes, atentados e dor, colocamos um ponto final ao conflito armado com as Farc", disse o presidente Juan Manuel Santos, que desde que assumiu o poder em 2010 promove a paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, marxistas).

Santos, que presenciou a assinatura do acordo ao lado do líder máximo das Farc, Timoleón Jiménez, o "Timochenko", com quem trocou um aperto de mãos, disse que o pacto alcançado "significa nem mais, nem menos, do que o fim das Farc como grupo armado".

"Chegou a hora de vivermos sem guerra, de viver em um país com paz, de viver em um país com esperanças", afirmou o presidente, lembrando que os colombianos se acostumaram "a viver no conflito" por décadas e que "já não temos referência, nem sequer lembranças do que é a paz".

Essa é a quarta tentativa de selar o fim do conflito com as Farc, guerrilha surgida de um levante camponês em 1964, depois de três fracassos: em 1984, com Belisario Betancur; e, em 1992 e 1999, com os presidentes César Gaviria e Andrés Pastrana, respectivamente.

"Foram mais de 30 anos de tentativas de pôr um ponto final ao conflito com as Farc, e hoje demos o passo mais definitivo nessa direção", disse o presidente, em Havana.

"Não apenas se acordou o fim dos confrontos, com seu cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo, mas também se definiu o cronograma para que as Farc deixem as armas para sempre", enumerou em discurso em Havana, sede das negociações desde novembro de 2012.

Antigos inimigos, novos aliados"Que este seja o último dia da guerra", afirmou "Timochenko", líder da guerrilha desde 2011, sinalizando uma aliança entre a guerrilha e as Forças Armadas da Colômbia em "um prazo relativamente curto".

As Forças Armadas "foram nossas adversárias, mas, de agora em diante, temos de ser forças aliadas pelo bem da Colômbia", ressaltou Timochenko, após a assinatura do acordo.

O líder das Farc acrescentou que essas forças, "agigantadas no transcurso da guerra, especialistas em contrainsurgência e ações especiais, são chamadas de agora em diante a desempenhar um importante papel em nome da paz, da reconciliação e do desenvolvimento do país".

Ele desmentiu que "não exista dinheiro para a paz, nem que tudo tenha de ser ajuda internacional" para a reconstrução do país, mas - afirmou - "chega de mudar de prioridades". Para Timochenko, em uma Colômbia em paz, o Exército poderá destinar "boa parte" de seu orçamento a "místeres [trabalhos] mais sadios e produtivos".

A "infraestrutura e os recursos" do Exército colombiano "podem se colocar a serviço das comunidades e de suas necessidades, sem comprometer suas capacidades para cumprir a função constitucional de guarnecer as fronteiras", sugeriu.

Festa em BogotáNo centro de Bogotá, em frente a um telão no qual centenas de pessoas acompanhavam o ato de Havana, o ex-funcionário do governo Camilo González chorava de emoção.

"Foi uma trajetória dramática... Milhões e milhões de vítimas, de deslocados, de luta, de sonhos que foram mutilados, mas eu acho que chegou o momento da esperança", declarou à AFP.

"Estou exultante, estou muito, muito contente, estou com a vibração em alta", afirmou o primeiro presidente da Colômbia a buscar a paz com as Farc, Belisario Betancur (1982-1986), em declarações à emissora colombiana BluRadio.

Durante mais de cinco décadas, o conflito colombiano envolveu guerrilhas, paramilitares e agentes do Estado, deixando 260.000 mortos, 45.000 desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.

Vinte e três zonasUm dos pontos mais importantes e surpreendentes do acordo foi a aceitação pelas duas partes do mecanismo de validação do pacto final de paz pela Corte Constitucional. Atualmente, o alto tribunal debate a constitucionalidade de uma consulta popular para referendar o acordo.

No documento assinado nesta quinta-feira, os negociadores chegaram a um consenso em três pontos: "cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo e deposição de armas", "garantias de segurança e luta contra as organizações criminosas (...) que ameacem a implementação dos acordos e a construção da paz" e "referendamento".

Para isso, decidiram estabelecer 23 zonas de concentração de guerrilheiros para sua progressiva reintegração à vida civil, à qual serão incorporados "sem armas e como civis". Essas zonas "não podem ser utilizadas para manifestações de caráter político", especificaram.

Quanto ao processo de deposição de armas, comprometeram-se a elaborar um mapa do caminho, no qual, "no mais tardar 180 dias após a assinatura do acordo final, o processo de deposição de armas terá terminado".

O monitoramento e a verificação do fim do conflito ficarão a cargo de integrantes da força pública da Colômbia e das Farc e de um componente internacional "com observadores não armados da ONU" - principalmente representantes de países-membros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), indicaram.

É "um passo gigantesco" porque "a paz na Colômbia é a paz (...) de toda a região", disse o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao chegar a Havana, onde participou do ato como representante de um dos países acompanhantes do processo, assim como sua contraparte chilena, Michelle Bachelet.

Também estiveram presentes o presidente cubano, Raúl Castro, e o chanceler norueguês, Borge Brende, representantes dos países avalistas, além do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon.

Assinatura do pacto final na ColômbiaEmbora as partes não tenham anunciado quando se chegará ao acordo final, Santos afirmou que será assinado na Colômbia.

"O acordo final será assinado na Colômbia, e hoje quero agradecer finalmente a Cuba, ao presidente Raúl Castro, nosso generoso anfitrião", disse o presidente.

Na segunda-feira (20), Santos afirmou que o diálogo de paz poderá ser concluído em 29 de julho, dia da Independência da Colômbia.

Timochenko mostrou-se, porém, menos otimista do que Santos, ao advertir que a paz será possível apenas se os negociadores do governo "aproveitarem os últimos minutos para conseguir o que não conseguiram em quatro anos de debates".

A paz com as Farc não significará, no entanto, acabar com o conflito armado na Colômbia, onde ainda resta alcançar um acordo com o Exército de Libertação Nacional (ELN, guevarista), a segunda guerrilha em atividade no país, e acabar com os bandos de criminosos remanescentes de grupos paramilitares desmobilizados há uma década.

"Penso que a atividade do ELN, sobretudo, e das 'bacrim' [bandos criminosos] ainda faz que não se possa falar de um fim completo do conflito armado. Será o fim do conflito armado mais importante da Colômbia, mas não de todos", avaliou Kyle Johnson, do International Crisis Group na Colômbia.

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