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Anistia denuncia abuso sexual sistemático das forças mexicanas contra mulheres

28/06/2016 16h46

México, 28 Jun 2016 (AFP) - A Anistia Internacional denunciou nesta terça-feira (28) o "habitual" abuso sexual cometido por policiais e militares no México contra mulheres que são detidas, em um relatório que apresenta o corpo feminino como "um alvo de agressão" para obter confissões por meio da tortura.

A ONG com sede em Londres documentou os casos de 100 detentas de presídios federais do México. Todas elas relataram ter sido vítimas de assédio sexual, ou de abuso psicológico, durante sua detenção e durante os interrogatórios. Muitas também sofreram estupros, asfixia, agressão física e choque elétrico nas mãos de policiais, ou de membros do Exército e da Marinha.

"Segundo seus relatos, 72 sofreram abusos sexuais durante a detenção, ou nas horas posteriores, e 33 foram violentadas", afirma o documento da Anistia, o qual denuncia ainda "a sofisticação dos métodos".

De acordo com a ONG, algumas vítimas contaram que foram violentadas de luvas por seus agressores, para não haver risco de deixarem rastros biológicos, ou que receberam descargas elétricas nos genitais.

"Quando se fala da tortura à mulher, o método preferido pelas forças do Estado é a violência sexual. Foi uma descoberta assustadora", disse à AFP a autora do relatório, Madeleine Penman, ao constatar que "o corpo das mulheres é um alvo de agressão" utilizado pelas autoridades.

As grávidas não são poupadas dessa violência: oito das entrevistadas pela Anistia disseram ter sofrido um aborto em consequência da tortura.

"Os casos dessas mulheres desenham um quadro totalmente escandaloso", considerou, em nota, a diretora da AI para as Américas, Erika Guevara-Rosas, para quem "a violência sexual usada como tortura parece ter-se tornado parte habitual dos interrogatórios".

Segundo a ONG, outros estudos mostraram que as mulheres denunciaram o uso da violência sexual quase quatro vezes mais do que os homens.

Guerra contra o narcotráficoEntre os casos documentados pela Anistia, está o de Mônica, de 26 anos e mãe de quatro filhos.

Essa jovem foi vítima de estupro coletivo por seis policiais, que também lhe aplicaram descargas elétricas nos genitais, asfixiaram-na com um saco plástico e afogaram sua cabeça na água, em Coahuila, no norte do país, em 2013.

Eles também obrigaram Mônica a olhar enquanto torturavam seu irmão e seu marido. Este último faleceu horas depois "em seus braços, devido às torturas sofridas", enquanto ambos eram transferidos para o Ministério Público, relatou a Anistia.

Até hoje, nenhum desses policiais foi indiciado.

Segundo o testemunho, os funcionários tentavam fazer Mônica confessar que pertence a um cartel de drogas. Ela continua presa à espera de julgamento.

As forças de segurança do México foram alvo de várias denúncias de abusos e de violações dos direitos humanos - sobretudo, desde que o governo instituiu, em 2006, o combate militarizado nas ruas contra o narcotráfico.

Em 2014, a ONU denunciou uma situação "generalizada" de tortura por parte de militares e de policiais em um ambiente de "impunidade".

Segundo a AI, quase 7% da população das prisões federais são mulheres, a maioria acusada por crimes relacionados com drogas, e com pouco acesso a uma defesa efetiva por sua pobre condição econômica.

Essas mulheres "sofrem abusos sexuais habituais nas mãos das forças de segurança, que buscam obter confissões e elevar os números para fazer ver que estão combatendo uma delinquência organizada desenfreada", garante a ONG.

Em abril, o Exército mexicano ofereceu desculpas públicas quando viralizou na Internet um vídeo mostrando dois militares e uma policial federal torturando uma mulher. Na época, as autoridades disseram se tratar de um caso "isolado".

Crimes 'na escuridão'Das milhares de denúncias de tortura apresentadas no âmbito federal desde 1991, apenas 15 resultaram em sentenças condenatórias federais, informou a Anistia.

Em 2012, quando o presidente Enrique Peña Nieto assumiu seu mandato, houve 287 denúncias de tortura em nível federal. Em 2014, chegavam a 2.403, segundo dado do Ministério Público obtido pela ONG por meio de uma petição de informação pública.

"E, a partir de 2014, já não temos mais informação" oficial sobre denúncias, nem sobre sentenças condenatórias, lamentou Penman, considerando que o governo busca manter o tema "na escuridão".

"Em lugar de tentar acobertar milhares de casos de tortura e outros maus-tratos, as autoridades deveriam concentrar suas energias em garantir a erradicação definitiva da tortura", afirmou Guevara-Rosas.

Em dezembro do ano passado, o presidente Peña Nieto enviou dois novos projetos de lei para o Congresso para prevenir e sancionar a tortura.